De dezembro a janeiro, Cariri é território fértil para o turismo

Caldeirão cultural, o sul cearense é generoso em alternativas de passeio religioso, ecológico e gastronômico

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@diariodonordeste.com.br
Legenda: Geossítio Riacho do Meio, tema de Maria de Lourdes Cândido, baião com pequi e máscara do reisado de couro do Mestre Antônio Luiz
Foto: FOTOS: ASSESSORIA GEOPARK ARARIPE, CRISTINA PIONER, FERNANDA SIEBRA e ANTÔNIO RODRIGUES

A devoção pelo Cariri materializa a alma, as raízes e identidades de um povo. Naquele pedaço de chão, senhores e senhoras dotados de conhecimentos e memórias são coadjuvantes de umas das maiores vitrines culturais do Ceará. As manifestações populares e os atrativos naturais fazem do Sul cearense um polo do turismo brasileiro. É destino certo para todos os meses do ano.

A preservação da ancestralidade permite a resistência de um tesouro vivo. O fervor cultural, genuíno, é rodeado pelas belezas geográficas da Chapada do Araripe e sua floresta nacional. Em outro flanco persiste a religiosidade, e a fartura do caldeirão também é dimensionada na culinária e no artesanato. Somam-se ainda aos museus e sítios paleontológicos a sabedoria popular das mestras e mestres da cultura.

Transmitida de geração em geração, essa herança imaterial repercute o legado de saberes e fazeres. Aos visitantes, a porteira é aberta para o universo de cores, sotaques e encantos dos grupos de tradição. É fértil os palcos dos brincantes. Outro testemunho necessário ao passeio é a vivência dos reisados, do maneiro pau e a energia das bandas cabaçais. Para outro público fiel, a Expocrato, que começa oficialmente neste domingo (14), pulsa o setor agropecuário e permite o desfile de atrações musicais do País.

Os aspectos naturais estão cravados direta ou indiretamente no artesanato. Transformadas por mãos hábeis, matérias-primas como madeira, barro cru ou palha comunicam a trajetória de inúmeras famílias. Roupas, calçados, arquiteturas e palavras revelam os gestos e memórias da população.

Divinos

A integração cultural permite o encontro de Mestre Antônio Luiz. Do Sítio Sassaré, em Potengi (522 km de Fortaleza), preserva o Reisado de Caretas, um dos mais antigos do Ceará. A casa é um dos Museus Orgânicos edificados na região. É viva a confecção das máscaras de madeira, decoradas com couro de bode e complementadas por roupas coloridas, com destaque para o vermelho e o azul.

Maria de Lourdes Cândido é mãe das artistas Maria Cândido Monteiro (1961-2010) e Maria do Socorro. Começou a moldar peças de barro no intuito de criar brinquedos para a prole. A temática das obras é diversificada. Das mãos da mestra, delicados detalhes iluminam santas, personagens folclóricos e causos do cotidiano.

Fontes de água natural e trilhas interligando as nascentes caracterizam o Geopark Araripe. Entre os Geossítios que formam a rede, o Riacho do Meio, em Barbalha, por exemplo, é ponto de observação de pássaros. A história também integra o patrimônio. Basta citar a presença na trilha da "Pedra do Morcego", esconderijo para os "Marcelinos", cangaceiros que atuavam com Lampião.

Fruto nativo da Chapada do Araripe, o pequi é fonte de renda e alimentação. De janeiro a abril, nativos rasgam quilômetros dentro das matas para colher a iguaria. Dá sabor ao mungunzá salgado, nutre a galinhada, é delícia às favas ou na pequizada. Um causo ilustra esse amor gastronômico. Filho do Crato, o jornalista e escritor Xico Sá confidenciou à mãe o alto preço que pagou certa vez por um baião de dois em São Paulo. Assombrada pelo anúncio do custo, dona Maria do Socorro soltou: "Meu filho, esse baião tinha ao menos pequi?".

O que fazer no Cariri

CRATO

Foto: FOTO: ANTÔNIO RODRIGUES

Área mais alta da sede do município, a encosta do Seminário São José permite uma vista inspiradora ao visitante (foto). É um ótimo ponto de partida para contemplar a cidade de 255 anos e a exuberante Chapada do Araripe. Além de um incontável número de trilhas, a “Princesa do Cariri” tem diversos balneários no sopé da serra. Um desses lugares é o Geossítio Batateiras, inserido no Parque Estadual Sítio Fundão. Dispõe de uma rara casa de andar feita toda de taipa e é cortado pelo Rio Batateiras.

Outro lugar de visitação que atrai os banhistas é a Cascata do Lameiro, também formada pelo Rio Batateiras. Uma queda- d’água de oito metros de altura, com uma área de 2,5 metros de profundidade, é ideal para quem quer relaxar. No mês de julho, a atração imperdível é a realização da Expocrato. Iniciada na década de 1940, a tradicional Exposição Agropecuária ganhou uma dimensão bem maior em relação à proposta inicial e se tornou um megaevento de entretenimento.

Hoje, está inserida no circuito de grandes nomes do forró, sertanejo e da música pop. Ano passado, 500 mil pessoas compareceram à celebração. Em 2019, as atrações do Festival começam no dia 13 deste mês e prosseguem até 21 de julho deste ano, no Parque de Exposições Pedro Felício Cavalcanti. Nomes como Gusttavo Lima, Anitta, Wesley Safadão, Xand Avião e Simone e Simaria são destaques da programação, que reúne mais de 50 atrações.

JUAZEIRO DO NORTE

Foto: FOTO: ANTÔNIO RODRIGUES

Romarias em Juazeiro do Norte remontam à trajetória de Padre Cícero (1844-1934). A comunidade passou a receber pessoas atraídas pelos “milagres” atribuídos ao líder religioso. Por quase 85 anos, o território é espaço da Romaria de Finados, manifestação iniciada logo após o falecimento de Cícero, em julho de 1934. A Colina do Horto (foto) abriga a famosa estátua. No local, o passeio reserva uma visita ao Museu Vivo, dedicado ao fundador da cidade. O equipamento inclui itens pessoais do pároco e incontáveis ex-votos, materializados nas esculturas de madeira de quem pagou promessa.

A alguns metros do Horto, está erguido o “muro da Guerra de 1914”, quando os romeiros, em apoio ao sacerdote, derrotaram as forças estaduais e depuseram o governador Franco Rabelo (1851-1940). Ainda no Horto, há uma trilha até o lendário Santo Sepulcro, que permite uma imagem panorâmica da cidade. O acesso é pela avenida Padre Jezú Flor e tanto o Horto como o Museu Vivo abrem todos os dias.

Os horários de funcionamento são diferentes. A Estátua recebe visitantes de 4h às 21h. O museu funciona de 8h às 18h. O calendário turístico inclui as festas religiosas de Nossa Senhora das Candeias (fevereiro), aniversário de morte do Padre Cícero (julho) e Dia do Romeiro (novembro).Durante a Semana Santa, muitos romeiros aproveitam o feriado e visitam o Município. A subida, para muitos, representa reviver a Via Sacra e os passos que Jesus deu antes de ser crucificado. 

BARBALHA

Foto: FOTO: ANTÔNIO RODRIGUES

Reconhecida em 2015 como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio (foto), em Barbalha, chega a receber uma média de 500 mil a 600 mil pessoas. A tradição de transportar o mastro no ombro, a pé, acontece desde 1928, antecedendo os festejos do Dia de Santo Antônio de Pádua. A festa tem duração de duas semanas e tem seu ponto alto no dia 13 de junho, dia de Santo Antônio. A celebração é a versão local do costume de erguer, em frente à Igreja Matriz da cidade, um tronco de grande porte para receber a bandeira do santo padroeiro da cidade. Cerca de até 200 carregadores participam do cortejo.

Antes disso, pela manhã, dezenas de folguedos populares, como reisado, lapinha, capoeira, maracatu são apresentados pelas principais ruas da região. Em 2019, o município presenciou 13 dias de festa. Inúmeros artistas se apresentaram gratuitamente no largo do Rosário e no Parque da Cidade. A programação também animou a Rua da Matriz de Santo Antônio. Já na antiga estação, por exemplo, houve a participação de mais de 50 grupos da própria cidade, além de festival de quadrilhas e manifestações populares. Em de setembro de 2018, o Centro Pró-memória de Barbalha Josafá Magalhães requereu à Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) o registro da Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha, como Patrimônio Cultural do Estado do Ceará.

SANTANA DO CARIRI

Foto: Divulgação

Considerado uma das principais referências da área do Brasil, o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens exibe a riqueza fossilífera da Chapada do Araripe. Na parte superior uma exposição permanente reúne cerca de 300 fósseis (entre espécies vegetais e animais). Outra parada obrigatória é o Memorial que traça um paralelo entre a história do Museu, desde a fundação, atravessando a trajetória profissional do fundador, nascido em Araripe.

A partir de 1997, por meio do projeto de implantação do Complexo Paleontológico da Chapada do Araripe, o Museu tornou-se propulsor da pesquisa paleontológica e divulgação da ciência. Há, ainda, no espectro recreativo, a presença das esculturas inspiradas nos pterossauros e dinossauros do Cretáceo (foto). Diversificando a estadia ao turista, o equipamento conta também com laboratório de paleontologia, biblioteca, lojinha e café. 

NOVA OLINDA

Foto: ANDRÉ COSTA

Já no Centro de Nova Olinda, é atração certeira o contato com a Fundação Casa Grande – Memorial Homem Kariri (foto), que funciona como um centro arqueológico no sul cearense. Nova Olinda fica situada na Chapada do Araripe, lugar considerado um oásis verde em meio a vastas planícies de mato seco. A casa foi criada em 1992, quando Alemberg Quindins, músico e pesquisador, começou a restaurar a casa (pertencente ao avô), com o intuito de armazenar uma coleção de peças arqueológicas.

A Fundação conquistou diversos prêmios pelo trabalho de educação, cultura e empreendedorismo social. Crianças têm aulas e oficinas de música, comunicação, e uma das principais ações empreendedoras e profissionalizantes é justamente o turismo. Próximo ao espaço fica o Museu de Couro do artesão Espedito Seleiro, vizinho a seu ateliê. Suas peças são requisitadas no Brasil e no mundo. 

ASSARÉ

Foto: FERNANDA SIEBRA

O Memorial Patativa do Assaré (foto) permite um mergulho íntimo nos últimos anos de vida do poeta. Foi inaugurado em 1999, três anos antes de o homenageado falecer, aos 93. Abriga objetos de uso pessoal, a exemplo dos óculos escuros e o chapéu, além de manuscritos, títulos e troféus. Com vida simples e sem estudos, o poeta é um dos principais representantes da arte popular do século XX no Nordeste. Seus livros foram traduzidos em vários idiomas e estudados na cadeira de Literatura Popular Universal na Universidade de Sorbonne (França).

Com o poema “A Triste Partida”, musicado e gravado por Luiz Gonzaga (1912-1989), projetou-se nacionalmente em 1964. Outro grande sucesso de Patativa foi gravado pelo também cearense Raimundo Fagner. “Vaca Estrela e Boi Fubá”, carrega a temática da seca no Nordeste e revela um povo fugindo da estiagem. Além do Memorial, é imperdível a visita a casa de taipa centenária onde o poeta viveu, na Serra de Santana.

Roteiro 

COMO CHEGAR

De carro, há várias rotas para se deslocar de Fortaleza ao Cariri. Juazeiro do Norte, a maior cidade, fica a aproximadamente 520 km da Capital. Pode-se viajar pelas BR-116 ou Estrada do Algodão (CE-060), e seguir as indicações até chegar à terra do Padre Cícero. De ônibus, a Expresso Guanabara se destina às principais cidades. De avião, no momento, o trecho até o Aeroporto Regional do Cariri (Juazeiro) é realizado pela Azul, mas a partir de 2 setembro de 2019, será pela Gol. 

EXPLORE A REGIÃO

Juazeiro é o ponto de partida para explorar todo o sul do Ceará. As vizinhas Crato (distante 12 km) e Barbalha (a 10 km) formam o triângulo Crajubar e são ligadas por vias com ótima infraestrutura. Já Nova Olinda, fica a 55 km. Dessa cidade, são cerca de 15 minutos de carro até Santana do Cariri e 50 a Assaré. Confira um roteiro de três dias no link.

ONDE FICAR 

A região dispõe de ampla oferta de hospedagem, desde ranchos para romeiros, hostel, pousadas até hotéis de grandes redes nacionais. Juazeiro do Norte concentra a maior parte dos estabelecimentos, com 7.778 leitos. No Crato e Barbalha, há opções no sopé da Chapada do Araripe. Para saber mais, acesse aqui.

IMPERDÍVEL 

Verdadeiro tesouro natural, o Geopark Araripe reúne entre as atrações vestígios arqueológicos de populações pré-históricas, trilhas ecológicas, banhos de bicas, religião, pinturas rupestres, cachoeiras e a exuberante paisagem da Chapada do Araripe. Sugestões para elaborar um roteiro estão no link.
 

 

 

 

 

 

 

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