Cláudia Abreu e o espetáculo ‘Virginia’ em Fortaleza: ‘É a realização de vários sonhos’
Primeiro monólogo encenado e escrito pela atriz é apresentado no Cineteatro São Luiz com reflexões sobre processo criativo, loucura e a condição das mulheres
“Ah, eu te conheço muito bem”, falaria Cláudia Abreu para Virginia Woolf se esta driblasse o tempo e a morte e surgisse, vivíssima, na frente da atriz. “Ou talvez não falasse nada, ficaria muda. Ou dissesse uma frase melhor do que aquela, mas com a mesma intenção”.
A tal intenção é expressa logo nos primeiros minutos de conversa com a artista por telefone. Cláudia quer homenagear a escritora favorita – um dos maiores nomes da literatura mundial – por meio de um trabalho que realce a própria voz e a faça concretizar o que há tempos guarda no íntimo. É nesse contexto que surge “Virginia”.
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O espetáculo é apresentado neste sábado (27) e domingo (28) no Cineteatro São Luiz. A princípio com apenas duas sessões, logo precisou de uma extra para comportar todo o público desejoso de ver o número. Ela acontece no domingo, às 20h.
“Ser bem recebida assim só me dá mais alegria de vir ao Ceará”, festeja Abreu, que escolheu a terra de Alencar para iniciar a passagem da montagem pelo Nordeste. “Acho que esse é o meu projeto mais pessoal. É realmente a realização de vários sonhos”.
De fato, com ele a intérprete estreou na escrita de monólogos; conseguiu levar para o palco assuntos que a interessam; e, após mais de 30 anos da exitosa carreira como atriz, teve uma perspectiva particular de transmitir o que pensa – algo muito caro e importante para ela. O Verso já assistiu à peça, e adianta: “Virginia” congrega mesmo tudo isso de forma brilhante.
Dirigida no tablado por Amir Haddad, com cenografia e iluminação de Bia Lessa e figurino de Marcelo Olinto, Cláudia Abreu revive as angústias, alegrias e devaneios de Virginia Woolf no momento em que a romancista inglesa se afoga em um rio, num ato suicida. A abordagem é minimalista. Movimentos de corpo, voz, som e luz orquestram complexidades.
Em um momento, quando Virginia está debaixo d’água, todo o palco fica azul e Cláudia como que flutua no ar; em outro – personificando vozes do pai, da mãe, da irmã e de tantas outras figuras ligadas à escritora – a atriz muda o tom de voz, o palco reacende em novos tons, e a plateia assiste, concentrada, ao que passa. São fluxos emulando a escrita de Woolf.
“Falo de literatura, da inovação genial que Virginia fez ao trocar os fluxos de consciência, as vozes do narrador, sem aviso. Mas também falo, por meio da vida dela, tão rica, sobre assuntos muito relevantes até hoje, como a condição feminina, a linha tênue entre sanidade e loucura, o prazer e a dor da criação artística”.
Encontro com a escrita
Essa capacidade de se saber íntima de tantas temáticas woolfianas acompanha Cláudia desde os 18 anos de idade. Foi quando encenou “Orlando”, dirigido pela já citada Bia Lessa. Ali já vestia a pele de Virginia e, aparentemente sem saber, encarava a autora de frente. A retomada dessa conversa de forma mais profunda só se deu em 2016, durante aulas de Literatura.
“A obra dela me encantou. É como se fosse minha amiga, tamanha a identificação. É como se ela me conhecesse. Quando comecei a entrar na vida dela realmente – trágica, mas também tão produtiva, com superações e tudo mais – achei tão atuais todos os temas que foi um caminho natural escrever sobre ela e reviver isso no teatro”.
Embora ainda considere desafiador o fato de estar sozinha no tablado – “sempre achei que ia ser triste, chato e solitário ficar num camarim e em cena sozinha” – a atriz afirma que o formato de monólogo se impôs pela própria dramaturgia. Não faria sentido chamar mais atores e atrizes para viver as vozes de Virginia se elas estão concentradas na cabeça dela.
Por sua vez, quando reflete sobre o ofício de escritora – antes de “Virginia”, Cláudia já havia escrito para a série infantil “Valentins”, da qual também é criadora – traz à tona uma frase do sogro, Rubem Fonseca (1920-2005): “Escrever faz bem sobretudo para quem escreve”. É nesse exato instante em que ela se encontra, propensa a tirar palavras da gaveta.
“Sempre gostei de escrever. Mas comecei a trabalhar muito jovem, depois tive meus filhos, e entrei nessa roda viva de conciliar tudo. Mas, a partir da faculdade de Filosofia, precisei escrever muito. Os trabalhos eram praticamente ler e escrever. Isso me devolveu à escrita, e depois quis levar isso para a ficção. Agora sou mordida pela criação desde o início”.
Não à toa, tem investido em novos olhares sobre o verbo para aperfeiçoar o talento. Junto à “Virgínia”, Cláudia lançou um livro pela editora Nós com o roteiro da peça; e, recentemente, participou do curso “O romance: Roteiro e prática de escrita”, ministrado pela cearense Socorro Acioli. Seria o nascimento de algo maior? “Não quer dizer que eu não vá fazer projetos de outras pessoas. Mas criar os meus próprios tem sido muito sedutor”.
Sentir-se muitas
O papo com a atriz também abraça a relação dela com Fortaleza. Abreu esteve na cidade pela primeira vez aos 12 anos, durante viagem com a família, e voltou em outras quatro oportunidades com trabalhos no teatro e no cinema. À lembrança, vêm as velas do Mucuripe, a atmosfera da Praia de Iracema e as ondas da Praia do Futuro.
“Além disso, recordo que fiz ‘O Caminho das Nuvens’ no Cariri. Fiquei dois meses em Juazeiro do Norte, e fui a Fortaleza nessas viagens pra lá. Essa cidade, então, é uma velha conhecida. Estou com saudades, já”, confessa.
Comenta ainda o porquê de estar longe da TV aberta – “tô aproveitando a era de ouro das séries para também viver isso” (Cláudia integra o elenco de “Desalma”, da Globoplay) – e adianta o que vem pela frente na carreira. “Estou escrevendo um roteiro de cinema, embora hoje em dia tenha feito uma coisa de cada vez; e, neste ano, já fechei uma série, mas, por enquanto, isso é sigilo”, ri.
Até lá, “Virginia” ocupa um lugar central. Na própria trajetória de Abreu, as distintas condições das mulheres já ocupam essa estrada há muito tempo. Ela interpretou princesa, escrava branca, revolucionária, vilã, cantora de tecnobrega, mãe. São papéis que a definem pela versatilidade, convocando a novos passos.
“Quero chegar para o público e dizer assim: “Tô tentando trazer novidades. Olha só, agora eu faço monólogo, eu escrevi esse texto”. Seria mais cômodo fazer mais do mesmo, mas acho que, para uma carreira longa, você tem que continuar se desafiando, procurando trazer coisas diferentes. É isso que sempre me dá frescor”.
Serviço
Espetáculo “Virginia”, com Cláudia Abreu
Neste sábado (27), às 19h, e no domingo (28), às 18h e 20h, no Cineteatro São Luiz (R. Major Facundo, 500 - Centro). Ingressos disponíveis apenas para a sessão de 20h no domingo neste link. Contato: (85) 3252-4138