'Cacareco girls': tendência de Labubus, Fugglers e outros colecionáveis cria comunidade no TikTok
Brinquedos colecionáveis e itens de papelaria são alguns dos objetos que viraram tópico frequente na rede social, principalmente entre meninas e mulheres

Nos últimos meses, uma nova comunidade digital vem se consolidando nas redes sociais – especialmente no TikTok –, com direito a hashtags, trends e milhares de vídeos dedicados ao tema: as “cacareco girls”, termo bem-humorado utilizado para designar mulheres apaixonadas por brinquedos colecionáveis, itens de decoração, papelaria e outros tantos tipos de “cacarecos”.
Seja como hobby, coleção ou item de estilo, acumular “cacarecos” não é novidade, mas o termo foi atualizado para dar conta de tendências que se popularizaram recentemente, a exemplo de bonecos como Labubus, Fugglers e Sylvanian Families, que passaram a integrar um nicho de consumo rentável nas lojas e também nas redes sociais.
Como qualquer tendência, os “cacarecos” do momento já ganharam réplicas, que também têm feito sucesso em lojas online – dando origem, por exemplo, ao termo Lafufu, designado para denominar versões pirateadas.
Em Fortaleza, com o aumento de lojas estilo “Shopee do Centro”, os cacarecos podem ser encontrados mais facilmente e a preços acessíveis. As novidades, disponíveis em diversos formatos e tamanhos, têm inspirado várias criadoras de conteúdo a compartilharem seus itens preferidos e darem dicas de onde encontrar os mimos.
A arquiteta e social media Ilana Norões, 30, é uma das criadoras cearenses apaixonadas por “cacarecos” que produz vídeos sobre o assunto no TikTok. Por lá, ela conta com mais de 250 mil seguidores e, além das dicas sobre os brinquedos e acessórios, também publica vídeos de lifestyle e moda.
@aloila Vem ver onde achar #labubu em Fortaleza! Av. Barão do Rio Branco, 810, centro (Power Lx filial2) #labubufortaleza #ondecomprarlabubu #fyyyy #explore ♬ som original - ✶ ila ✶
Segundo Ilana, o gosto por objetos “pequenos e fofinhos” surgiu na infância e permaneceu na idade adulta, se tornando parte importante de sua personalidade. “O que hoje é uma trend sempre fez parte da minha vida”, comenta.
Para ela, esse é um ponto em comum entre as “cacareco girls” – o desejo de resgatar pequenas alegrias da infância e uma forma de se reconectar “com algo que já fez seus olhos brilharem”, além de ser “uma maneira de se distrair e deixar a vida um pouco mais leve”.
Além de brinquedos colecionáveis e acessórios de estilo, itens de papelaria se destacam na coleção de Ilana, que costuma comprar os “cacarecos” em lojas do Centro de Fortaleza e lojas asiáticas online, que possuem mais diversidade de produtos.
“O Centro da cidade é uma grande caça ao tesouro, tem vários lugares legais”, destaca. “Também gosto de fazer uma curadoria de perfis do Instagram. Sempre dá pra conhecer muita loja e gente legal por lá”, completa.
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Hobbies compartilhados são meio de “esquecer o caos da vida”
Chaveiros, papelaria, bonecos Sylvanian Families, Bobbie Goods e objetos de decoração são alguns dos cacarecos favoritos da designer de cílios e sobrancelhas Gleyci Mendonça, 25, que personalizou o estúdio onde trabalha com fofurices e itens colecionáveis.
No trabalho, ela se conecta ao “lado infantil e artístico” com técnicas que remetem a mangás e animes nas extensões de cílios. Nas horas vagas, faz coleções e participa de encontrinhos com outras “cacarecas”, como chama as mulheres que compartilham do mesmo hobby. “Ter encontro com pessoas que gostam das mesmas coisinhas que você é inspirador e faz esquecer um pouco o caos da vida”, celebra.
@gleyciimendonca Cacareco girls são jovens senhoras sendo felizessss ! ☁️💫 #cacarecogirl #journal ♬ カフェでボサノバを聴く休日 - ya-su
“Vejo que finalmente as mulheres conseguiram encontrar coisas fofas que são colecionáveis, porque geralmente as empresas produziam coisas mais masculinas, ou voltada somente pra galera dos animes. Agora tudo vem mudando”, completa, citando os Labubus como uma das tendências responsáveis por essa nova onda.
Acredito que quando decidimos escolher ouvir mais a nós mesmas, paramos de dar atenção para comentários como ‘isso é tão infantil’. Na verdade, a pessoa só tem um estilo diferente.”
Assim como Gleyci, Ilana vê no crescimento da comunidade de “cacareco girls” como uma forma de validar gostos que, muitas vezes, são tidos como menores. “Mulheres precisam de ambientes em que possam ser elas mesmas e fico muito feliz de ver esses espaços sendo criados por meio de temas assim”, comenta.
“Também sempre gostei de temas que são considerados ‘masculinos’, como videogames e quadrinhos – que são sempre muito incentivados, mas quando se trata de mulheres, esses ambientes são julgados e hostilizados. Acredito que essas comunidades femininas são um espaço de fortalecimento, apoio, amizade e conexão consigo mesmas”, conclui.
Colecionismo é saudável, mas é preciso cuidado com “desejo de pertencimento”
Assim como diversos produtos ou hobbies que viralizam nas redes sociais, os cacarecos podem ser inofensivos, mas também fazem parte de um contexto que pode estimular o consumo desenfreado e uma necessidade de pertencimento em determinados grupos, pontos que exigem cuidado.
“Quando o colecionismo deixa de ser uma expressão simbólica e criativa e passa a ocupar o lugar de uma compulsão ou de um preenchimento emocional, aí temos um sinal de alerta”, explica a psicanalista Elaine de Tomy, vice-presidente do Instituto Revoar.
“Se a pessoa sente uma necessidade constante de comprar, de ter 'todos', de não perder lançamentos, e isso gera ansiedade, endividamento ou culpa, é possível que o objeto esteja tentando cobrir um vazio interno”, destaca.
Segundo Elaine, nesses casos, o problema não é o objeto de desejo, e sim a transformação de um momento lúdico em obrigação ou performance.
“Há também a questão do mercado: muitos desses produtos são propositalmente criados para incentivar o acúmulo, a exclusividade, o desejo de pertencimento. Isso pode alimentar uma lógica de consumo que, em vez de libertar, aprisiona”, lembra a psicanalista.
Encarado de forma saudável, porém, o colecionismo, seja de brinquedos, itens de papelaria ou qualquer outro objeto, pode ser um meio “legítimo e saudável de se reconectar com o universo interno”.
“Quando essa prática acontece em comunidade, com trocas, conversas e identificação com outras pessoas, ela se torna ainda mais potente. Não é apenas sobre o objeto, mas sobre o vínculo que ele representa um elo com o lúdico, com a criatividade, com a leveza. E tudo isso é fundamental, especialmente em um cotidiano acelerado, marcado por cobranças e excesso de responsabilidades”, ressalta Elaine.
Loja cearense lança coleção inspirada na tendência
Em 2014, as irmãs Livia e Lara Machado criaram um perfil no Instagram para compartilhar dicas de séries, compras e receitas. Pouco tempo depois, percebendo que a comunidade de leitores era engajada e tinha interesse em consumir produtos que elas compartilhavam, decidiram começar a vender “cacarecos”, como itens de papelaria, molduras customizadas e acessórios.
Assim nasceu a Universo, que se expandiu e hoje vende camisetas, bonés, itens de papelaria, acessórios e muito mais – tanto na loja física, em Fortaleza, quanto no site, para todo o País. Desde o início, as sócias levaram a paixão pessoal por itens fofos e colecionáveis para a marca, das estampas até os brindes que acompanham as compras.
“Na infância, começamos com adesivos, acessórios para Barbie e brindes de lanches (Guaraná, Cheetos e McDonald’s). Na adolescência seguimos com papel de carta, embalagens e figuras da Lego”, lembra Livia.
“Hoje, adultas e com nosso próprio dinheiro, a gente consegue acessar mais fácil os itens desejo e até trazer um pouco disso pra marca, com os itens de papelaria que acompanham os pedidos e mimos exclusivos que criamos para as coleções”, completa.
Com imagens coloridas e vibrantes que mudam periodicamente, os próprios brindes da marca acabaram virando itens colecionáveis, conta Livia. “Muitas clientes guardam todas as tags, brindes e cartões da Uni e nos relatam com frequência o apego a eles”, comenta.
Para a sócia da Universo, o termo cacareco girls surge como uma forma de “resumir e facilitar a identificação dessas garotas com interesses em comum”. “Penso que o surgimento da tendência tem muito a ver com a necessidade de mulheres se reconectarem com a infância, visto que o ‘brincar’ é tirado de nós tão cedo – além da estética agradável e de ser uma fuga lúdica para os problemas da vida adulta”, relata.
É muito bacana que nós, mulheres, tenhamos exemplos de outras pessoas que compartilham das mesmas vontades, hobbies ou desejos. Isso nunca foi negado aos homens, mas quando se trata do universo feminino acaba taxado como fútil, desnecessário e infantil. Quando a gente encontra a nossa comunidade, se sente à vontade e entende que também é possível se permitir tais agrados.”
Na casa de Livia e Lara, coleções de Sonny Angels (bonequinhos japoneses vendidos em caixas-surpresa) e Sylvanian Families (famílias de animais com estética camponesa) preenchem prateleiras de estantes, em meio a outros objetos de decoração garimpados. Os mimos também servem como chaveiros e acessórios nas bolsas, dando mais cor ao dia a dia, e chegaram até a inspirar a nova coleção da marca, intitulada Uniland e lançada nesta quinta-feira (5).
@universoloja chá revelação de crybaby ⭐️ muito lucky girls!!!! #crybaby #crybabypopmart #popmart #colecionaveis ♬ som original - uni club
“A nova coleção nasceu de um bloqueio criativo que foi vencido justamente com o retorno à nossa infância”, conta Livia. “As ilustrações desse lançamento têm referência de contos de fadas, bonecos colecionáveis, filmes dos anos 90 e livros”, completa. “É um resumo de tudo que nos levou até aqui e que nos conecta desde sempre com a nossa comunidade”.