Cearense tem coleção com 80 bebês reborn: 'Através deles, eu busco a minha interioridade'

A colecionadora de 68 anos, que se formou historiadora e fez mestrado em filosofia, hoje vê os bebês reborn sob um prisma existencialista. Os bonecos e a produção de vídeos são escape para dias mais difíceis

Escrito por
Ana Beatriz Caldas beatriz.caldas@svm.com.br
Carolina Weyne, 68, e parte de sua coleção de bebês reborn
Legenda: Carolina Weyne, 68, e parte de sua coleção de bebês reborn
Foto: Thiago Gadelha

O primeiro andar da casa da cearense Carolina Weyne, 68, é amplo e bem iluminado. Com todos os cômodos principais da residência localizados no térreo, ali estão apenas os móveis que a aposentada considera essenciais para o espaço: 13 berços, uma caminha e duas estantes de plástico, todos ocupados por diferentes tipos e tamanhos de bebês reborn.

Ao todo, cerca de 80 bonecos, entre originais e réplicas, preenchem o local, dividido entre uma sala grande e dois quartos. Além dos espaços destinados para os brinquedos, uma estante de gesso repleta de roupinhas de bebê complementa o cenário, que pode parecer estranho para quem o observa pela primeira vez, mas que, nos últimos anos, tem sido sinônimo de tranquilidade, afeto e diversão para Carolina.

Cômodos dedicados aos bonecos ocupam 1º andar da casa da colecionadora
Legenda: Cômodos dedicados aos bonecos ocupam 1º andar da casa da colecionadora
Foto: Thiago Gadelha

“Através deles, eu busco a minha interioridade – principalmente por estar na terceira idade, que é um período que, para mim, significa muita reflexão”, explica a colecionadora, que se formou historiadora, fez mestrado em filosofia e hoje vê os bebês reborn sob um prisma existencialista, uma escolha calculada e consciente por habitar um “mundo diferente” durante parte do dia.

Se engana, porém, quem acha que, pelo cuidado e atenção dispensados aos brinquedos, Carolina os vê como bebês de verdade. Para ela, os bonecos são apenas uma paixão antiga e uma ferramenta terapêutica, e têm sido importantes especialmente nos últimos anos, após a chegada da aposentadoria.

Para a colecionadora, bebês reborn são terapêuticos
Legenda: Para a colecionadora, bebês reborn são terapêuticos
Foto: Thiago Gadelha

“É claro que a gente sabe que não são bebês de verdade, eles nem sequer fazer referência a seres humanos. Eles fazem referência, sim, a momentos íntimos da gente, que a gente viveu e que deixou guardado, e que agora é a hora de rememorar”, destaca. “Para cada colecionador, eles têm um significado especial, por isso que são terapêuticos, por isso que eles fazem tão bem a gente”, completa.

A relação de Carolina com a ludicidade veio muito antes dos bebês reborn. Por décadas, ela foi professora de crianças e adolescentes e utilizou maquetes, bonecos, animais de brinquedo e outros objetos do gênero para lecionar. Quando a filha Roberta – hoje com 40 anos – nasceu, começou a comprar mais bonecas e acabou iniciando, aos poucos, uma coleção pessoal. “Sempre tive bonecas tradicionais, sempre gostei. Com o nascimento da minha filha, era a ‘desculpa’, porque era uma menina”, brinca.

Na juventude, Carolina Weyne utilizava bonecos como ferramenta pedagógica
Legenda: Na juventude, Carolina Weyne utilizava bonecos como ferramenta pedagógica
Foto: Thiago Gadelha

Há pouco mais de seis anos, já com uma coleção de bonecas “de loja” – modelos tradicionais industrializados –, com o intuito de economizar, entrou no mundo das trocas: comprava algumas bonecas, depois as trocava por outras e assim ia transformando a coleção. Pouco tempo depois, conheceu os bebês reborn e decidiu que iria focar principalmente neles, já que o realismo dos brinquedos era diferente de tudo que tinha visto.

O primeiro boneco realista veio de uma cegonha de Itaitinga. Depois, conheceu uma artesã de Salvador (BA) que se tornou sua “cegonha oficial”. “Ela se identificou muito comigo e eu também com ela, mesmo não conhecendo pessoalmente. A partir daí, ela começou a me mostrar os kits que, de acordo com o que a gente se conheceu, ela via que estavam em afinidade comigo, porque cada pessoa tem as suas peculiaridades”, explica.

Veja também

Bonecos “teatrais” e homenagem à filha compõem a coleção

Alguns bonecos são feitos com base em emoções específicas, conta Carolina
Legenda: Alguns bonecos são feitos com base em emoções específicas, conta Carolina
Foto: Thiago Gadelha

Desde o início, os favoritos de Carolina são os bebês expressivos, mais “teatrais”. Ao contrário dos bebês reborn mais comuns do mercado, estes não chegam a custar milhares de reais, segundo a colecionadora – especialmente por serem de segunda mão, vendidos em marketplaces.

Boneco mais caro custou R$ 800; em média, segundo Carolina, eles custam R$ 300
Legenda: Boneco mais caro custou R$ 800; em média, segundo Carolina, eles custam R$ 300
Foto: Thiago Gadelha

“As bonecas que eu comprei por desapego, eu paguei na média de R$ 300. O boneco mais caro que eu comprei até hoje foi esse aqui, que foi R$ 800”, conta, apontando para um de seus bebês favoritos, um boneco grande de cabelos lisos e castanhos. “Até porque tem um porém: elas se desvalorizam muito. Você compra uma boneca cara, mas na hora de vender, o preço dela baixa”, completa.

A coleção conta com bonecos de todos os tipos, a maioria de vinil siliconado e feita artesanalmente. Ali, há “bebês” com todas as cores de cabelo, miniaturas, bonecos maiores, ruivos, negros, asiáticos e com síndrome de Down. Há, ainda, uma boneca especial: um reborn feito por aproximação – ou seja, com base nos traços reais de alguém – inspirada na filha de Carolina, Roberta, quando era criança.

Boneco preferido é inspirado em Roberta, filha de Carolina
Legenda: Boneca preferida é inspirada em Roberta, filha de Carolina
Foto: Thiago Gadelha

“Entreguei essa foto à cegonha, ela escolheu o kit e fez a cor da pele da minha filha, o estilo de cabelinho dela”, mostra, orgulhosa. A boneca simula até uma manchinha que a menina tinha quando pequena. “Ela colocou o sinalzinho e eu achei bem próximo mesmo. É muito gostoso ter essa recordação maravilhosa”, afirma.

Questionada se a filha compartilha ou apoia seu colecionismo, Carolina responde com bom humor. “Ela respeita – mesmo porque ela tem muitos Funkos”, conta. “O que ela tem medo é das críticas, porque as pessoas não respeitam, as pessoas dizem coisas. Ela tem mais um cuidado”.

Atenta às polêmicas que surgiram nas últimas semanas em relação à comunidade reborn, Carolina conta que não tem participado ou sofrido hate, mas que vê a coleção como uma coisa pessoal, particular, e não participa de grupos ou encontros de colecionadoras. Ainda sim, a professora fica feliz ao ver uma nova geração de cegonhas e entusiastas dos bonecos realistas.

Boneca inspirada em bebê com síndrome de Down
Legenda: Boneca inspirada em bebê com síndrome de Down é parte da coleção
Foto: Thiago Gadelha

“Acho sensacional, porque é um modo de socializar e é um modo de valorizar a artesã, que faz um trabalho muito bem feito. Elas mexem com a sensibilidade da gente, e isso não tem preço”, aponta. “Acho bom também porque as pessoas estão ousando experimentar, e não estão se intimidando com as críticas. Essas críticas existem porque a internet dá voz a todo mundo, né?”, completa.

Não conseguem ver que é uma coisa costumeira. Nunca se deixou de fazer coleção, e é como se fosse qualquer outra. Vá dizer pra um homem que ele não vá no futebolzinho dele. O que é isso? Não é um brinquedo, um jogo, uma diversão? Então, as bonecas também são – no mínimo – uma diversão.”
Carolina Weyne

Para Carolina, o recente "debate" sobre os bebês reborn não trouxe apenas aspectos negativos: ele tem servido, também, para valorizar o trabalho das artesãs e levar esse hobby a outros públicos, o que, aos poucos, pode quebrar o estigma que foi construído em relação à comunidade.

“Quando elas começam a analisar, elas veem que são pessoas normais, pessoas com filhos, pessoas com trabalho, que simplesmente estão usando aquilo para se divertir. Nesse aspecto, foi maravilhoso”, conclui.

Contação de histórias e reflexões sobre a finitude

Parte da coleção de Carolina
Legenda: Parte da coleção de Carolina
Foto: Thiago Gadelha

Além da paixão pelos brinquedos, Carolina conta que investe nos bonecos com o intuito de continuar a ter algum “trabalho social” após o encerramento da carreira de professora: os bebês reborn são presença frequente no seu canal do YouTube, Carol na Terceira Idade, onde publica vlogs com histórias e reflexões.

“Eu gosto de fazer [os vídeos] porque sinto a necessidade de fazer algum trabalho social, dar alguma contribuição, me expressar. Para isso, eu utilizo as historinhas, uma contação de histórias em que se tira alguma lição de moral da historinha. É a minha forma de participar”, conta.

Com mais de mil vídeos, o canal tem pouco mais de 3 mil seguidores e conta com atualizações duas ou três vezes por semana, a depender da rotina da casa. “Eu levo a brincadeira a sério. Para mim, é um canal para adultos, mas às vezes gente conhecida diz ‘ah, vou mostrar para o meu neto, para o meu filho’. Aí eu fico calada, respeito, mas não era a minha intenção”, brinca.

Os bonecos e a produção de vídeos têm sido um escape para os dias mais difíceis. Atualmente, Carolina mora com a irmã mais velha, que convive com um câncer e o Alzheimer. Parte de sua rotina é dedicada a ela, já que nenhum outro parente aceitou dividir os cuidados.

“O meu objetivo quando eu me aposentei foi: agora eu vou descansar, agora eu vou ler  e agora eu vou estudar, por diletantismo mesmo. Mas não foi como eu queria, porque eu tive a responsabilidade da minha irmã”, explica.

Os bebês, para ela, são mais que uma diversão, mas também uma possibilidade de se permitir continuar vivenciando o lado lúdico da vida, mesmo em meio às adversidades. “Tenho uma relação filosófica com os bonecos”, destaca. Não à toa, alguns dos bebês dividem bercinhos com livros de filosofia, muitos deles relacionados à consciência da finitude. Para Carolina, as duas coisas estão intimamente relacionadas.

“A consciência da finitude faz com que você sinta uma intensidade bem maior de cada momento que está existindo. Coisa que antes a gente não podia nem fazer, porque a gente estava tão envolvido no jogo social, no jogo do trabalho, no pragmatismo, e a gente não parava para filosofar”, conclui.

Carolina conta que, nos próximos anos, não pretende adquirir muitos bonecos – pelo contrário. Ao chegar aos 70, pretende fazer uma “limpa” na coleção e ficar apenas com os preferidos, passo que considera uma etapa importante de sua jornada na terceira idade, uma forma de libertação. Mas até lá, ainda serão muitos os dias divididos entre a família, os estudos e algumas dezenas de bebês reborn.

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados