Bancos de praça no interior do Ceará homenageiam escritores locais; veja quais são

Iniciativa do escritor Saraiva Júnior envolveu moradores de Senador Pompeu de modo a conferir um novo panorama para a praça Cristina Pessoa

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Pai da artista visual Raisa Christina e dos músicos Bruno Rafael e João Emanuel, Saraiva Júnior capitaneou o projeto de reestruturação do espaço
Foto: Diva Alves

O coração das cidades tem calçada e bancos, árvores e até coreto. Pulsa a partir das conversas, das trocas de olhares, dos passeios descompromissados – embora sempre atentos ao entorno. Tão particular, a dinâmica das praças, além de suspender o peso do cotidiano, desenha a fisionomia dos conglomerados urbanos, sendo vetor de presença e coletividade.

Saraiva Júnior compreende muito bem essa questão. O escritor cearense, funcionário público aposentado, tem um motivo a mais para gostar tanto desses espaços: o nome de sua mãe, Cristina Pessoa (1916-1980), batiza uma praça no município de Senador Pompeu, interior do Ceará, terra natal do literato. O local foi inaugurado em 1981, por meio de um projeto da vereadora Aniceta Gomes na gestão do prefeito José Rolim.

“Cristina Pessoa foi alguém de destaque na Educação em Senador Pompeu e envolvida em projetos sociais da igreja católica. Era generosa e nunca entrou para a política partidária. Na inauguração da praça, foi mencionado pelo prefeito que o nome de Cristina contemplava toda a sua geração de professores”, explica Saraiva.
Saraiva Júnior
Escritor

Segundo ele, apesar de fazer oposição a José Rolim, sempre reconheceu o quanto o gestor cuidou com zelo dos jardins da praça. Contudo, de lá para cá, esse olhar cuidadoso sobre o espaço desapareceu. Saraiva conta que, nos últimos tempos, o local “parecia uma praça de guerra que foi bombardeada no Oriente Médio”. Assim, durante uma conversa com amigos na calçada de casa, surgiu a ideia de reestruturá-la, conferindo-a um novo panorama.

Entre as preocupações do escritor nesse processo, uma das principais foi homenagear seus colegas de profissão, figuras importantes da literatura do município. Não à toa, a pessoa que apoiava a compra de um banco na praça, além de ter o próprio nome pintado como doadora, também ganhava, abaixo desse registro, o nome de um escritor ou escritora da cidade. 

Legenda: Cada pessoa que apoiou a compra de um banco da praça teve o próprio nome e o nome de um escritor da cidade pintados na estrutura
Foto: Arquivo pessoal

A princípio, a ideia era colocar 14 bancos; no entanto, foram mais doadores que o esperado. Hoje, 25 bancos integram a praça, aproximando toda a comunidade da arte e da cultura a partir de uma inspirada ação no território onde fazem morada.

Tributo pela lembrança

Tomada a decisão da reforma, o próximo passo foi consultar o preço dos bancos em empresas de Fortaleza e da Região Metropolitana. O valor, contudo, não favoreceu a população. “Achamos caro”, situa Saraiva. “Consultei, então, o mestre de obras Marquinho Martins e ele disse que faria pela metade do preço. Mandei-o fazer o primeiro banco – doação da moradora Maria Ivonete Magalhães Saraiva, que mora em frente à praça e que, como a professora Cristina Pessoa, gosta muito de literatura”.

Indiretamente, foi esse apreço de Maria Ivonete pelas letras que inspirou a inclusão dos nomes dos escritores e escritoras do município nos bancos da praça. Saraiva recorda que todos aprovaram a proposta e foram lembrando as personalidades. 

Legenda: Banco na praça Cristina Pessoa onde está pintado o nome de um dos maiores expoentes da literatura cearense, o escritor Moreira Campos (1914-1994)
Foto: Arquivo pessoal

Neste momento, é possível constatar por lá o nome de Ian Gomes, Adriano Bezerra, Cláudia Prudente, Dorinha Cavalcante, José Prudente de Almeida, além de tantos outros, incluindo o do escritor Moreira Campos (1914-1994), um dos maiores expoentes da literatura cearense. 

“Os escritores foram homenageados por serem pessoas inteligentes e que, em diversas épocas, representaram a Educação como valor humano de qualidade na vida da cidade. Depois foram, em sua maioria, literatos que publicaram por conta própria e sem apoio da imprensa especializada. Caíram, portanto, no esquecimento das novas gerações, embora sejam pessoas dignas, que merecem ser lembradas”, detalha Saraiva Júnior. 

Ele também sublinha o fato de a escolha dos homenageados ter sido realizada com a participação dos amigos envolvidos na reestruturação da praça, primando por uma seleção democrática e, em sua visão, fácil – uma vez não haver muitos escritores no município.

Legenda: No total, 25 bancos integram a praça, aproximando toda a comunidade da arte e da cultura
Foto: Arquivo pessoal

Novos ares

Paralelamente a essa iniciativa literária, foram também plantadas mudas de árvores nativas da caatinga na praça. Quando lembra da situação na qual o espaço se encontrava, Saraiva lamenta muito. “Havia dois bancos quebrados e uma árvore conhecida como Nim, originária da Índia. Era um terreno onde se colocava lixo. Em nossas frequentes reuniões à noite na calçada, as ideias para a reestruturação foram surgindo”, diz.

“Dessa forma, não procurei mais o prefeito. Priorizamos os bancos e as árvores. Precisava de mais patrocinadores para os bancos. Coloquei o primeiro, tirei uma fotografia e postei nas redes sociais. Logo apareceram outras pessoas querendo fazer doações. Algumas desistiram porque desejavam colocar o nome do pai ou mãe falecidos, mas que não eram escritores. Porém, o número das pessoas que queriam patrocinar o banco com o nome dos escritores locais aumentou e fomos obrigados a aumentar para 25 bancos”, completa.

Legenda: Paralelamente à iniciativa de valorização literária, foram também plantadas mudas de árvores nativas da caatinga na praça
Foto: Diva Alves

O literato – pai da artista visual Raisa Christina e dos músicos Bruno Rafael e João Emanuel – .acredita que o projeto de uma praça nunca vai estar totalmente resolvido. Estará sempre em processo de construção e cuidados. “A adesão das pessoas de cuidar mesmo é pouca. Eu e minha companheira, a Maninha, é que temos todos os cuidados – desde acompanhar a obra até plantar as flores”.

O casal, inclusive, precisou fazer uma campanha para mostrar aos moradores a importância de não deixar as crianças pisarem no jardim e evitar os excrementos dos animais. “Essa é uma tarefa delicada. Ainda não podemos descuidar de aguar as árvores e flores quase todo dia”, considera.

Além de ser constatado no ambiente, todo esse movimento de irrestrita dedicação ganhou também as linhas de uma crônica. O texto, intitulado “Amor às flores”, pode ser conferido ao término desta reportagem. Trata-se de um delicado relato sobre a forma de lidar com as plantas, associando-o com o desejo do escritor de tornar a praça “irresistivelmente romântica”.

“A ideia da reestruturação desse espaço é influenciar outras pessoas e empresas a contribuírem com projetos para a melhoria da cidade. Outras praças precisam ser requalificadas. Quem sabe os proprietários rurais sejam conscientizados a preservar o meio ambiente. Precisamos salvar a nossa floresta, a caatinga. A valorização da cultura e da natureza são os pilares dos exemplos da praça Cristina Pessoa”, conclui Saraiva Júnior.
Saraiva Júnior
Escritor


> Leia, abaixo, a crônica “Amor às flores”, escrita por Saraiva Júnior sobre o cotidiano na praça Cristina Pessoa

Amor às flores
Saraiva Júnior

Venho cuidando do jardim da praça Cristina Pessoa, em Senador Pompeu, há quase três anos. As árvores e as roseiras estão em franco crescimento com a ajuda de adubos e chuvas da quadra invernosa. Plantei também nos arredores um flamboyant que espalha pétalas vermelhas no verão. Confesso que minha intenção é cobrir a praça com o amarelo, o roxo e o branco dos ipês, mesclando com o vermelho alaranjado do flamboyant. Quero fazer desse espaço um santuário de beleza para ativar os sentidos dos transeuntes. O ar ficará mais úmido e assim surgirá um microclima favorável para que as pessoas se permitam ficar, admirem o local, conversem e namorem.

O desejo é tornar a praça irresistivelmente romântica. Penso que a violência ultrapassou os limites e uma das formas de combatê-la é inspirando bons afetos. As árvores estão a crescer com todo o vigor verdejante, as flores a desabrochar botões que perfumam o ar, os passarinhos a pousar nos noviços galhos e a ensaiar a sinfonia, as abelhas no encontro das rosas a extrair o néctar, as borboletas leves a nos mostrar a mansidão da liberdade e o casal de beija-flor, o maior de plúmbea verde-oliva, e o menorzinho de azul-lilás, a pairar sobre o horizonte. Dessa forma, não há coração que resista.

Em todos esses dias, reservei parte da manhã para plantar mudas pelo jardim. Aos poucos, a preparação do solo e o regadio foram cuidados que se transformaram em terapia e amor. Não é ilusório dizer que, quando me aproximo das plantas, elas balançam de alegria. Falo baixinho “Bom dia! Como vai você?”. As rolinhas, os arredios bem-te-vis e até o casal de beija-flor dão voos rasantes sobre minha cabeça. Eles chegam tão perto que chego a imaginar que pousarão em meu ombro. Ainda não pousaram porque meu coração bate forte, assustando-os.

Toda manhã, ao me levantar, dou uma volta pelo jardim da praça para verificar como estão todas as plantas. Vejo se não choveu e ponho-me a regá-las. Certo dia, percebi de longe que havia algo de errado, pois um flamboyant encontrava-se caído no chão. Haviam cortado seu tronco, provavelmente com um facão. Não entendi porque tal ódio a uma pequena árvore. Fiquei triste e indignado. Recebi a solidariedade de muitas pessoas pelas redes sociais. O escritor Deodato Aquino de imediato me presenteou com uma belíssima muda de Ipê amarelo. Essa, por sinal, já se encontra plantada no mesmo lugar.

Sei muito bem que há pessoas que não ligam para flores e que são indiferentes ao romantismo. Tudo parece ser uma questão de educação. Sim, fiquei preocupado com aquele que cortou a árvore, no fundo, como se quisesse me atingir. Em tempos de intolerância, será que o alienado cortou o flamboyant por causa de seu vermelho? Sei apenas que meu amor às rosas, à natureza, aos animais e aos meus semelhantes aumentou incondicionalmente.

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