Festas, shows e closes: fotógrafo registra a noite de Fortaleza desde 2003 e documenta mudanças

Francisco Júnior acumula 420 mil fotos e vivenciou inúmeras histórias na Fortaleza boêmia e festiva; plano é publicar livros com as imagens e empreender exposições

Francisco Júnior é um felino. Feito os gatos, prefere a noite. É quando se torna mais atento, disposto a realizar aventuras. Uma das mais longevas desse publicitário e fotógrafo “metido a artista”, conforme fala, é registrar a vida noturna de Fortaleza – ofício realizado há duas décadas e testemunha de inúmeras transformações na cidade.

São imagens de pessoas em praças, shows, debates e lançamentos de obras. Gente sorrindo, contente, feliz. Do Carnaval de rua a eventos fechados, a tônica geral é o encontro. “Sempre gostei da noite, de baladas; portanto, se tornou meio natural fotografar pessoas que também frequentam a boemia”, conta, revelando o conteúdo do acervo disponível online.

No total, 420 mil registros dão conta de expressar essa multiplicidade de alegrias. A primeira pasta é de 2002; a última, deste ano. Em cada uma, encontramos um recorte generoso de quem proporciona lazer à população – de artistas a pessoal de apoio, passando pelos locais de apresentação. Tudo muito espontâneo.

“Priorizo captar momentos nos quais quem está olhando possa ter ideia da vibe que estava naquele lugar. Os personagens são pessoas comuns e os artistas que passam por onde vou. Por isso mesmo, a maioria dos recantos fica no entorno da Praia de Iracema, nosso eterno bairro boêmio”.

Mas há mais. Outros territórios da Capital são explorados pelas lentes de Chiquinho. Papicu, Edson Queiroz, Lagoa Redonda, Messejana, Passaré, Parangaba e Pici também compõem a galeria. Cidades do interior e até outros Estados igualmente: Limoeiro do Norte, Sobral, Juazeiro do Norte, Recife, Olinda, Brasília, Manaus. O que vale é radiografar o terceiro turno.

Como tudo começou

O início dessa saga noturna aconteceu a partir de um projeto relacionado ao desenvolvimento do site do antigo Órbita Bar – pub outrora localizado no entorno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Na ação, Francisco ficou responsável pelo conteúdo e pela estrutura da plataforma; um primo dele, pela parte de programação; e um amigo, pelo design.

Devido a alguns acontecimentos, a iniciativa não vingou. Porém, uma vez que Chiquinho já vinha captando imagens para o site e o público perguntava pelas fotos, resolveu abrir o próprio canal digital numa época em que a internet ainda ganhava tentáculos. Assim surgiu o Night in Motion, que em 2018 mudou para E Tu Em Casa (@etuemcasa). 

O nome surgiu com uma hashtag que vingou nas redes sociais. “Era assim: ‘A gente na rua se divertindo, e tu em casa fazendo o quê?’”, explica. De lá para cá, o fotógrafo se orgulha de ser um dos primeiros a criar um site em Fortaleza voltado para festas, bares e afins. Para ele, essas plataformas viraram moda e em determinado momento daquele período, começo dos anos 2000, havia eventos com pelo menos 15 sites diferentes para cobrir.

“Creio que o ‘desaparecimento’ desses sites se deve a muitos fatores. Talvez o principal seja o financeiro. Com o tempo e a popularização dos celulares com câmera e redes sociais, todo mundo passou a tirar fotos e publicar. Ficou difícil monetizar isso por patrocínios, e as casas raramente continuam a contratar a cobertura”.

Mesmo assim, ele resiste – ainda que essa não seja a atividade principal da rotina. Até hoje o publicitário ganha pouco dinheiro com o ofício, mas gosta da noite, de sair, de conhecer gente. Após um tempo, ficou estranho estar em um show e não fotografar. Mais que responsabilidade, virou costume querido.

A atuação é sobretudo aos fins de semana ou em datas como Pré-Carnaval ou Carnaval – nestas, fotografa todos os dias. Três horas é a duração média de uma cobertura. Cada clique é feito de forma totalmente pessoal – o “bloco do eu sozinho”, como referencia, às gargalhadas. 

No cotidiano concreto, de onde vem a real remuneração, Francisco é produtor e designer gráfico, e já trabalhou em grandes agências da Capital, tendo sido sócio de uma. No posto de freelancer, faz de casa o próprio escritório, abrindo espaço para também produzir camisetas, brindes personalizados, impressões em 3D, entre outros itens do gênero.

Histórias e mudanças

Mas o que faz brilhar o olhar mesmo são as saídas à noite, reduto de muitas histórias. Além dos costumeiros sorrisos, Chiquinho já presenciou de casamento em bloco de Carnaval a confusões. Ocupou bares já fechados, caso do Amici's e do Hey Ho. Na lembrança, fica mais forte o dia em que Lenine entrou de “penetra” na festa de  aniversário dele, em 2006.

“A Fortaleza noturna de hoje é muito diferente de 10 anos atrás. Em alguns aspectos tá um pouco pior. Um deles é que ela agora acaba umas 3h da manhã, isso quando estica. Antigamente, começávamos a sair de casa meia-noite; hoje, nesse mesmo horário, a maioria já está voltando”.

Os desafios, contudo, permanecem e são inúmeros – a começar pelo perigo constante de andar com equipamento profissional e, portanto, mais caro. “Já tiveram muitos casos de assaltos e furtos. Eu já tive uma lente quebrada por uma cotovelada em uma casa noturna que estava lotada”, enumera.

Há também as pessoas que “não estão ali”, ou seja, estão escondidas ou fazendo algo ilegal e não desejam ser fotografadas. Algumas, segundo o fotógrafo, são extremamente mal educadas, arrogantes e violentas. Num episódio recente, uma moça avançou nele e bateu uma garrafa de cerveja na lente da câmera. Por sorte, não houve dano. 

Por outro lado, os privilégios também são muitos: a rede de contatos que se faz, a possibilidade de conhecer artistas pessoalmente e as amizades germinadas ao longo do tempo valem ouro. “A alegria das pessoas permanece, apesar de tudo”, vibra.

“Retorno financeiro é quase nulo, eu mais pago para fotografar que ao contrário. Mas isso abre portas para outros negócios. A mudança que vi foi mais no sentido de hoje, ao menos no meu mundinho, ser uma pessoa reconhecida. Eu, que sempre fui tímido, tive que me reconstruir para fazer esse trabalho”.

Essa radiografia quase jornalística da noite é prova do quanto observar a cidade representa muito. Não à toa o desejo de Francisco: realizar uma exposição com os registros e lançar livros com eles. Já existem dois planos nesta última seara – um envolvendo as bandas que passaram pelas lentes deles e outro sobre um projeto “secreto”.

“Gostaria de fotografar ainda por muito tempo, mas não posso precisar quanto. Depende de muitos fatores”. Que a estrada siga aberta.