Amelinha diz que se escondeu antes de ser artista: 'Não pensava em cantar'
Prestes a completar 50 anos de carreira, artista retorna a Fortaleza com show no Cineteatro São Luiz
Amélia Cláudia Garcia Collares, ou simplesmente Amelinha, era apenas uma cantora de rodas de amigos quando, há quase 50 anos, deixou de lado o medo do estrelato para seguir viagem para o Uruguai. Ao seu lado, no país vizinho, estavam dois dos ícones da Música Popular Brasileira: Vinícius de Moraes e Toquinho. E o que aconteceu depois, a partir daquele ato de coragem, é história.
Hoje, após se apresentar para grandes plateias, embalar histórias outras e emplacar sucessos em rádios Brasil afora, a artista - integrante de uma geração de mulheres nordestinas como Elba Ramalho, Cátia de França e Marinês, que emprestaram suas vozes e seus talentos para o cancioneiro de raiz do Sertão - comenta o que viu e projeta o que ainda planeja ver.
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Com o show "Todo Mundo Vai Saber", lançado em 2022, ela se apresenta neste domingo (24), a partir das 18h, no Cineteatro São Luiz, no Centro de Fortaleza, sua cidade natal e ponto de partida para célebres parcerias com os nomes do movimento Pessoal do Ceará. No repertório, Fausto Nilo, Roberto Nunes, Fagner, Geraldo Azevedo, Luiz Ramalho e Zé Ramalho se fazem presentes, da mesma maneira que foram durante o percurso musical da própria Amelinha.
E se há algum questionamento sobre a demora em trazer essa apresentação para a Capital alencarina, ao Diário do Nordeste ela não se absteve de explicar: "Não posso deixar de cantar meus sucessos, então tenho muitos shows, uns diferentes dos outros, tenho vários roteiros". "Esse show estabelece uma conexão entre outros compositores, que, de diferentes gerações, são os que eu canto", definiu.
O palco do São Luiz foi escolhido depois de um convite - que logo foi prontamente aceito. "É maravilhoso fazer um show desses no Cineteatro São Luiz. Já tinha feito um em 2017 e é uma beleza de espaço", comentou a entrevistada, que disse não ter uma turnê programada. "Ela vai se formando por si, pelos pedidos", apontou.
O Pessoal do Ceará
Do Pessoal do Ceará, os fãs que forem ao show poderão prestigiar a interpretação de faixas mais que conhecidas. "Terral" e "Mucuripe", pelo que garantiu Amelinha, estarão no conjunto de canções escolhidas. A segunda delas, prometeu, terá uma interpretação sua, a mesma do disco de 2002 do grupo, idealizado por Belchior e Ednardo.
"Não pensava em cantar profissionalmente. Sempre gostei de cantar, mas para mim mesmo. Quando cheguei em São Paulo, as amigas e amigos da minha irmã, diziam: 'a irmã da Silvia canta'. E chegavam lá em casa, que era uma república, me pediam para cantar. Eu não queria cantar, mas descia, cantava, mas angustiava alguma coisa comigo porque achava que era muito menina", revelou durante a entrevista, confessando ter sido incentivada pelos amigos a seguir produzindo arte.
Pelo que ela contou, a participação do Pessoal do Ceará em sua vida foi determinante. "Fui escolhida, eles me deram substância, ficavam me mostrando músicas e eu via que aquele era um momento de muita efervescência", declarou. Ainda sobre essa determinação, ela completou: "Só me decidi quando vi que não tinha mais jeito, que tinha que seguir, quando cantei com Vinícius (de Moraes) e Toquinho".
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Na compreensão de Amelinha, a musicalidade do movimento segue viva e gerando outros frutos, impactando a cultura na atualidade. "É um norte. É um nordeste. É um vetor. É uma coisa importante. Por isso faço todas essas conexões, para que se reconheça todas as manifestações, a base disso tudo, dessas músicas deles", frisou.
"Eles foram para a linha de frente, mas tinha toda uma turma aqui, uns 400, como dizia Augusto Boal, que ficaram aqui dando apoio. São de grande relevância para a música do Ceará, embora, no mundo todo e no Brasil, vá se estabelecendo outros tipos de música", argumentou, brincando que chama os companheiros de "Titãs de Fortaleza".
A artista admitiu que não acompanha a nova geração por falta de tempo, embora saiba da relevância da "garotada muito legal" que anda fazendo música em terras cearenses. Demonstrando que realmente sabe, ela citou uma mulher de destaque na área. "(Tem), por exemplo, a Mona Gadelha, que tô até pensando em gravar uma música dela', mencionou.
As flores na paisagem da sua vida
Quando questionada sobre o papel das mulheres de sua época na música nordestina e dos possíveis obstáculos superados nesse processo, Amelinha foi bastante enfática: "Eu não tinha isso, esse negócio de mulher que espera disso e daquilo", alegou.
A certeza de que poderia seguir sem impedimentos, a cantora deixou claro, veio da própria mãe, que desde a década de 1940 já era funcionária pública concursada. "Ela me mostrava outra forma de ver a coisa, com mais tranquilidade, em ser diplomática e em saber lidar com as coisas, com o que o mundo te oferece", acrescentou.
Nas palavras de Amelinha, o segredo de tudo está em reivindicar, mas com um diálogo. "É você se impor. Mas com classe, com delicadeza. Hoje a gente tá vendo muitas pessoas, todas brigando muito. A questão é se entender, mostrar, conversar. É conversando, argumentando". Contudo, para ela, uma educação familiar igualitária não deve deixar de ser considerada: "Aí também tem as famílias, que precisam saber educar, tanto homem quanto mulher".
A intérprete de "Frevo Mulher" lembrou que se escondeu antes de seguir o caminho artístico. Antes de 1975, quando fez a viagem que definiu o itinerário que entrou na sua biografia, pensava bastante em declinar das provocações de pessoas que percebiam sua vocação.
"Não queria, me escondia. Dizia: 'Não, vai custar muito trabalho, não penso assim, em ser grande, a cantora e a diva. Penso em alegrar corações, porque foi para isso que nasci'. Quando nasci, vim com essa missão. Minha mãe havia perdido uma filha com 1 ano, então foi muito traumático para eles. E aí depois cheguei. só que vim depois, toda alegre".
Adepta da psicoterapia, ela expôs ainda um lado muito íntimo da sua personalidade, uma face que não é adepta de confusão. "Sou uma pessoa que não sei brigar, não gosto de brigar, dá para resolver as coisas. Dá para dialogar. Se for brigar, eu choro".
Planos a longo prazo não fazem parte do seu cotidiano. "É seguir em frente com as coisas que se manifestam. Eu já fiz muitos projetos. Teve uma época que morei num sítio, ficava fazendo projetos e aí outros foram acontecendo. Tem que seguir cantando, tem muita música, muitos shows diferentes", definiu.
Colaborações, entretanto, seguem como uma constante. "Tô com uma parceria agora com o (maestro) Ricardo Bacelar, uma música muito bonita. Fiz uma parceria com o filho do Gonzaguinha, o Daniel Gonzaga, que gravei no Rio, em Niterói", finalizou.
Confira o álbum que dá nome ao espetáculo deste domingo: