No último dia 15 de Agosto vivi uma alegria fora do comum, encontrei o compositor Ednardo no Passeio Público. Semanas após escrever sobre a relação do artista com aquele espaço sagrado dentro da cidade, a emoção de encontrar um ídolo foi notória e selada em um abraço apertado.
Desde então, a atemporalidade da música parece ter ficado mais clara na minha mente. Eu sou prova viva de que para a arte não existe limitação ou factualidade. Agora, o pesquisador Renato Vieira descobre músicas do nosso eterno Antônio Carlos Belchior inéditas do grande público e com várias parcerias maravilhosas, os meus olhos chegam a brilhar.
Além da validação riquíssima de um repertório desconhecido, o resgate dessas canções também rememoram o mais importante movimento musical no Estado que é chamado de “Pessoal do Ceará”.
O próprio Ednardo pretende lançar novo álbum e dentre uma das faixas a “Bip bop” feita em parceria com o amigo Bel. Ainda na onda das composições inéditas do “Rapaz Latino Americano”, Raimundo Fagner também já organiza projetos rememorando tal repertório do conterrâneo. É revigorante assistir artistas como Fausto Nilo, Climério, Rodger Rogério, Teti e outros astros do nosso universo artístico voltarem a ser manchetes nacionais.
Para compreender a importância do “Pessoal do Ceará” dentro do Estado é preciso compreender o período no qual o grupo surgiu. No início da década de 1970, várias agremiações de jovens em todo país, envoltos pelo desejo de luta por liberdade, encontraram na arte uma forma de contestação.
O Brasil passava por um regime ditatorial desde 1964, o autoritarismo dominava os mais altos comandos governamentais. Nesse cenário de euforia por justiça e, mesmo que alguns negando, foram influenciados pelo movimento Tropicalista, percursor nessa luta pela desconstrução do estabelecido.
Surge “Os Novos Baianos” na Bahia, em Minas Gerais aparece o “Clube da Esquina” e, mesmo sem nomenclatura específica, Elba e Zé Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo são lançados na Paraíba e Pernambuco como uma agremiação de similaridades musicais.
Um pouco tardio em parâmetro nacional, mas dentro do mesmo contexto, jovens em sua maioria universitários da classe média fortalezense começam a se apresentar em festivais na Universidade Federal do Ceará. As confraternizações começaram a avançar nas madrugadas em centros boêmios como nos bares do Anísio e o Estoril.
Além dos artistas já mencionados, outros nomes também se destacavam, como Ricardo Bezerra, Petrúcio Maia, Brandão e Augusto Pontes. Até o Ceará ficou pequeno para todo aquele talento. Após temporada no Centro-Oeste, o Eixo Rio-São Paulo virou uma realidade entre eles, aliás, de todos aqueles que desejavam conquistar algum sucesso.
O Grupo foi bem sucedido, Rodger Rogério, Teti, Ednardo e Belchior chegaram a ter programa de Televisão, aliás, atração impulsionou o surgimento primeiro disco dos jovens (com exceto Belchior que não participou por questões de gravadoras divergentes) vistos como grupo: Pessoal do Ceará, Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem.
Mesmo tendo seu apogeu nos anos de 1970 e 1980, nossos cantores seguem desfrutando de prestígio e carinho no coração de inúmeros fãs e admiradores. As gerações passaram mas as músicas seguem imortalizadas pele o tempo e público, sinal, que todo esse trabalho é de uma qualidade incrível.
O Pessoal do Ceará, banhados de bossa nova, rock, pop, maracatu, samba e tantos outros ritmos que fazem sons maravilhosos, continua sendo referência de como é produzida a boa música e o quão a juventude precisa aguçar a escuta para entender o que precisa ser feito na construção do futuro.
Repito o que já escrevi muitas vezes, nem tudo está perdido, dentro da nova safra temos Bárbara Sena, Ligia Maria, Nayra Costa, Marcos Lessa e Ludmila Amaral. Temos excelentes vozes e bons compositores, mas tudo isso se reflete dentro da conjugação de ídolos que revelam a diversidade e beleza do Ceará.
Espero, em breve, voltar a falar destes artistas em seus projetos consolidados, álbuns e livros já em lançamento. Reviver os bons cantores não é rememorar saudosista, e sim saber em qual linha devemos seguir para depois reinventar.