71º Salão de Abril reúne obras de 30 artistas cearenses e homenageia pintor Chico da Silva

Abertura da exposição do evento acontece nesta terça-feira (8), no Centro Cultural Casa do Barão de Camocim, fechada ao público; nos dias seguintes, trabalhos poderão ser vistos até 12 de fevereiro de 2021

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Série de fotografias "Vende-se", de Virgínia Pinho, integra a mostra
Foto: Thiago Matine/Secultfor

Um dos mais longevos e importantes espaços de legitimação da arte cearense, o Salão de Abril detém história cuja força atravessa inúmeras jornadas. Entrecruza as carreiras de Tarcísio Félix e Renata Froan, por exemplo. O primeiro, com 77 anos, é veterano no evento, participante desde 1967 e presente em várias edições; a segunda, por sua vez, aos 31, estreia na mostra neste ano munida de semelhante desejo de permanência.

Essa perspectiva diversa e intergeracional, primando pela multiplicidade de olhares e trabalhos, dá o tom da exposição, com abertura marcada para esta terça-feira (8), às 18h, no Centro Cultural Casa do Barão de Camocim. Diante das restrições decorrentes da pandemia de Covid-19, o momento será fechado ao público; contudo, o espaço segue aberto nos dias seguintes para visitação gratuita até 12 de fevereiro de 2021, obedecendo todos os protocolos de biossegurança.

Em números, esta 71ª edição do Salão de Abril comprova a força do projeto, ainda que diante de um turbulento contexto para a cultura e a arte. Obras de 30 artistas cearenses poderão ser conferidas, selecionadas após análise de 502 trabalhos recebidos pela equipe curatorial.

Legenda: Pintura "Banho no Rio", de Tarcísio Félix, retrata lembrança da infância do artista plástico cearense
Foto: Thiago Matine/Secultfor

Assinada por Tarcísio Félix, a pintura “Banho no Rio” integra o panorama de criações a serem visitadas. O quadro rememora a infância do artista plástico no município de Granja, interior cearense.

“Esse banho acontecia somente aos domingos. Ali, se encontravam conhecidos e foi onde eu ia morrendo afogado por conta de um funil –.que acontece quando as águas se encontram entre pedras e formam uma espécie de funil, em lugares profundos”, conta Tarcísio. “Até hoje não sei nadar, mas a ideia para o quadro surgiu desse episódio”.

Com sólida travessia na arte, vencedor de prêmios e tendo exposto obras em vários equipamentos do País, Félix situa que a pintura foi finalizada no ano passado, mas estava aguardando o momento certo para trazê-la a público. O Salão de Abril pareceu a oportunidade perfeita.

“É uma iniciativa que sempre descobre novos artistas e, assim, incentiva aqueles que levam suas produções a sério. Espero que os amantes das artes plásticas gostem do meu trabalho”, torce.

Homenagem

Além de celebrar criações feito a de Tarcísio Félix, o evento deste ano homenageia Chico da Silva (1910-1985). O artista autodidata, descoberto pelo pintor suíço Jean-Pierre Chablô, ganhou reconhecimento internacional por um trabalho inconfundível, que consistia em desenhar, a carvão e giz, sobre muros e paredes da comunidade de pescadores do bairro Pirambu, em Fortaleza, na década de 1930. Não à toa, a Prefeitura instituiu, por meio da Secretaria Municipal da Cultura (Secultfor), o “Ano Chico da Silva”.

“Apesar de ser natural do Acre, Chico da Silva é identificado como artista cearense em virtude de ter todo seu processo criativo desenvolvido em Fortaleza. Além disso, é reconhecido em todo o Brasil como um dos grandes nomes da arte no Estado. Participou desde a primeira edição do Salão de Abril e é destaque na sala especial no Museu da Universidade do Ceará, que consagra a sua obra”, dimensiona Paulo Portella Filho, artista plástico, educador, museólogo e um dos integrantes da curadoria da mostra.

A singularidade local da carreira do pintor, bem como a presença na cena nacional da arte, é um dos assuntos resgatados pelo seminário promovido pelo Salão de Abril em tributo ao artista. “Chico da Silva: Vida, Obra e Arte Contemporânea” será realizado de 12 a 18 de dezembro, no canal do Youtube da Secultfor. A ação é composta por palestras e debates abertos ao público. 

Legenda: Fotografia "FAVOR NÃO DEIXAR A JANELA ABERTA", de Luciana Rodrigues
Foto: Thiago Matine/Secultfor

A programação ainda conta com os workshops “Técnicas utilizadas pelo Chico da Silva”, no dia 14, às 18h; e “Práticas Curatoriais: Experiências, Tipologias e Narrativas”, nos dias 12 e 13, das 11h às 12h30. 

Presença

Também integrante do corpo curatorial da mostra, a pesquisadora de arte e curadora Júlia Rebouças afirma que o Salão acontece sob a insígnia deste ano atípico. Não à toa, a seleção das obras – indo de fotografias, pinturas e performances a videoartes, bordados, esculturas e instalações – começou a ser feita no início da pandemia no Brasil. Os portfólios digitais, assim, foram avaliados na casa de cada um dos membros da equipe à frente da iniciativa.

“Nesse sentido, o primeiro gesto da curadoria foi observar o contexto geral do que as produções estavam apontando, quais questões e inquietações traziam”, sublinha. “Foram muitas inscrições, o que mostra a importância do Salão na arte cearense. Exigiu de nós abertura, generosidade e sensibilidade para lidar, inclusive, com coisas que fogem do nosso repertório”.

A instalação “Como falar o indizível”, de Renata Froan, caminha por esses percursos. Segundo a artista visual – nascida em Natal (RN), mas criada em Fortaleza –, o trabalho busca criar um descompasso na realidade, fissuras que possibilitem acesso a um mundo fantástico, onde o estranho e o grotesco sejam suportáveis.

Legenda: Instalação "Como falar o indizível", de Renata Froan: artista visual destaca, no trabalho, a palavra, o desenho e o fantástico da cultura popular nordestina
Foto: Thiago Matine/Secultfor.

“Para criar essa instalação, busquei reunir fragmentos do meu processo criativo, no qual três elementos eram recorrentes e fundamentais: a palavra, o desenho e o fantástico da cultura popular nordestina”, detalha.

Assim, reuniu cadernos, anotações em papéis, rabiscos e bordados buscando compor, quase como um quebra-cabeça, um mapa que possibilite, a quem for entrar em contato com a obra, acesso a esse mundo outro no qual propõe tentar falar o indizível.

Quanto à estreia no evento deste ano, Renata situa o contentamento e a reverência ao pintor homenageado. “Venho buscando colocar meus trabalhos no mundo e, para mim, passar no Salão de Abril foi de uma grande alegria, ainda mais sendo esta uma edição em que o homenageado é Chico da Silva. Chico é um artista que me inspira profundamente, uma referência que está presente nos meus trabalhos. Fiquei muito feliz”, conclui.


Serviço
71º Salão de Abril
Abertura nesta terça-feira (8), às 18h, no Centro Cultural Casa do Barão de Camocim (R. Gen. Sampaio, 1632, Centro). Em cartaz até 12 de fevereiro de 2021, de terça a sexta-feira, das 9h às 18h, e aos sábados, das 9h às 16h. Entrada franca. Evento de abertura fechado ao público, mas, nos dias seguintes, o espaço abre para visitação.

> Confira as obras e artistas selecionados:

“Firmamento”, de Anie Barreto
“BRA”, de Benia Almeida;
“Cachorra parindo” e “Os índios Quixelô”, de Arivanio Alves;
“-stórias de exposição em isolamento”, de Artur Bombonato
“Mastro de Cruzeiro”, de Cadeh Juaçaba
“O tempo que o mundo parou”, de Cecília Bichucher
“Fugasimpossíveis”, de Clébson Francisco 
“Bestiário-Casa”, de Raísa Inocêncio e Daniel Rocha
“TERRA PROMETIDA”, de Duda Jaguar, Ella Monstra, Ellícia Marie, Lui Fontenele, Muriel Cruz, Rao Ni, Silvia Miranda e Yara Canta
“Banho no Rio”, de Félix
“ROMARIA-SE”, de Filipe Alves
“Deslocamentos”, de Gustavo Diogenes
“Crítica Radical”, de Ícaro Lira
“máscara de proteção”, de Jamille Queiroz
“124 corpos/365 dias”, de João Paulo Duarte de Sousa
“Dragão sobre a Cidade”, de Lana Benigno
“Experimento Metamorfa #2”, de Levi Mota Muniz (A Banida) e Leonardo Zingano Netto
“Gestos: Lavar”, de Lucas Madi
“Favor não deixar a janela aberta”, de Luciana Rodrigues
“OVNI: objetos voadores negros ignorados ou naves para a elaboração de um futuro negro”, de Conceição Soares – Teatro na Porta de Casa
“Para Vestir Ìgbín”, de Mel Andrade
"Sombra do Tempo", de Naiana Magalhães
“Como falar o indizível”, de Renata Froan
“Autorretrato: Desde quando você nasceu”, de Simone Barreto
"Desejos Reprimidos”, de soupixo
“Centro de Gravidade”, de Sy Gomes
“terraaterra – Como Construir Nosso Próprio País”, de Terroristas del Amor
“Aplicabilidades de um Barco”, de Tiago Pedro de Araujo Pereira
“Vende-se”, de Virgínia Pinho
“Serrinha Luz e Cores”, de Yuri Juatama

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