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'Rodízio' de mandato entre vereadores de Fortaleza cresce e se consolida com estratégia dos partidos

Quantitativo do primeiro semestre de 2025 supera os das duas últimas legislaturas da Casa

Escrito por
Bruno Leite bruno.leite@svm.com.br
Foto do Plenário Fausto Arruda da Câmara de Fortaleza
Legenda: Lideranças admitem estratégia e especialistas analisam o impacto na representação do Parlamento
Foto: Érika Fonseca/CMFor

Ao fim do primeiro semestre de 2025, a Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) registrou o maior número de suplentes no exercício do mandato, se comparado aos últimos três inícios de legislaturas. Ao todo, 12 substitutos passaram a ocupar cadeiras no Plenário Fausto Arruda entre janeiro e junho deste ano.

No período, passaram a compor o quadro de parlamentares, os suplentes Cláudio Lima (Avante), Dr. Vicente (PT), Estrela Barros (PSD), Igor Nogueira (Mobiliza), Juninho Aquino (Avante), Luiz Sérgio (PSB), Marcelo Tchela (Avante), Raimundo Filho (PDT), René Pessoa (União), Tam Oliveira (União), Tia Francisca (PSD) e Tony Brito (PSD).

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O quantitativo supera as oito substituições do primeiro semestre de 2021, início da gestão de José Sarto (PDT), as seis trocas do período inicial de 2017 e as duas de 2013, quando das aberturas dos mandatos de Roberto Cláudio (PDT).

Seja por conta de alocações dos titulares em cargos no Executivo — estadual e municipal — ou por outros tipos de licença, o mecanismo de alternância tem se mostrado como uma estratégia para fortalecimento de legendas e visibilização de figuras emergentes na política, sendo admitida publicamente pelas lideranças partidárias.

Em agosto, após os seis primeiros meses do mandato, o suplente de vereador Nilo Dantas (PRD) passou a fazer parte do quadro de legisladores do Parlamento municipal de Fortaleza, ampliando para 13 o número de movimentações computadas no período atual.

Os números são de um levantamento realizado pelo PontoPoder com base em informações do Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL), plataforma de tramitação de matérias utilizada pela Casa Legislativa.

Quais titulares saíram e quais suplentes entraram desde janeiro?

  1. Ana Aracapé (Avante) foi substituída por Juninho Aquino
  2. Apollo Vicz (PSD) deu lugar a Estrela Barros
  3. Emanuel Acrízio (Avante) cedeu a cadeira para Marcelo Tchela
  4. Erich Douglas (PSD) deu lugar para Tia Francisca
  5. Eudes Bringel (PSD) abriu espaço para a Tony Brito
  6. Germano He-Man (Mobiliza) deu lugar para Igor Nogueira
  7. Júlio Brizzi (PT) deu lugar a Dr. Vicente
  8. Kátia Rodrigues (PDT) foi substituída por Raimundo Filho
  9. Bá (PSB), deu lugar para Luiz Sérgio
  10. Márcio Martins (União) teve a cadeira ocupada por Renê Pessoa
  11. Michel Lins (PRD) se licenciou para Nilo Dantas assumir
  12. Pedro Matos (Avante) deu lugar a Cláudio Lima
  13. Soldado Noelio (União) abriu espaço para Tam Oliveira

O que dizem as especialistas

Ao que indicou a socióloga e cientista política Paula Vieira, pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), "é comum que haja um revezamento no partido entre as lideranças que ficaram na suplência". 

"É uma forma de fortalecer o partido, que essas lideranças vejam uma legitimidade intrapartidária, dentro do partido ser reconhecida como uma liderança. Então, esse revezamento da suplência, essa visibilidade que é dada, é uma forma de fortalecer o partido e de mostrar que ele não tem apenas uma liderança, mas várias que possam representar a população", disse.

Segundo Vieira, é possível observar como essa visibilidade se dá para com as lideranças e ainda, nesse processo, a formação de uma "identidade partidária". Outro aspecto pontuado por ela é que a alternância se mostra como "uma forma de representar essa base eleitoral".

Apesar de concordar que tais atores são "somadores de voto", a pesquisadora os visualiza como sujeitos que podem promover "pluralidade de representação política" nos Parlamentos. 

Já a doutora em Ciência Política e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Mariana Andrade, discorreu que "a presença de um número elevado de suplentes em exercício revela uma característica da dinâmica interna das legendas que, ao promover a circulação de mandatos, buscam contemplar diferentes grupos e lideranças".

Ela concordou que "isso pode fortalecer a coesão partidária e o engajamento", mas que "não garante a estabilidade na composição da Câmara a longo prazo".

Segundo Andrade, "os suplentes têm um peso estratégico importante para os partidos, porque ampliam a base de representação e mantêm vivas as redes políticas que dão sustentação à legenda".

"Eles participam do jogo político e fortalecem a presença da sigla na Câmara, podendo levar novas pautas e dar visibilidade para outros grupos sociais de eleitores ainda não contemplados pelos debates legislativos", comentou.

Na visão dela, essa é uma questão que costuma confundir o eleitorado, "porque ainda há pouca familiaridade com o funcionamento do sistema proporcional pela maioria da população". "O pensamento recorrente é que o eleitor confiou seu voto em um candidato ou candidata que, de repente, passa a não ocupar mais a função", argumentou. 

Lideranças comentam 'rodízio'

Líder do Partido dos Trabalhadores no Legislativo municipal, a vereadora Mari Lacerda (PT) explicou que "não há uma orientação nacional do partido sobre rodízio de suplentes". "O PT permite que diretórios estaduais e municipais adotem ou não o rodízio conforme a conjuntura local", continuou.

"Na Assembleia Legislativa, o partido já usa o rodízio como uma estratégia de fortalecimento do partido. Na atual legislatura, a bancada dos vereadores ainda não fez esse debate de forma mais estratégica", falou Lacerda ao Diário do Nordeste.

O líder do Partido Socialista Brasileiro na CMFor, vereador Luiz Sérgio, por sua vez, afirmou que o partido "entende o rodízio de suplentes como uma prática legítima, prevista em lei, que pode contribuir para fortalecer a democracia e dar oportunidade a lideranças que também foram legitimadas pelo voto popular".

Ele próprio é um dos suplentes contemplados pela estratégia. "No meu caso, assumi a cadeira justamente para dar continuidade ao trabalho da vereadora Lucimar Vieira Martins, conhecida como “Bá”, para que ela pudesse assumir o cargo executivo e colaborar com a Prefeitura", pontuou. "Isso permitiu que o partido mantivesse sua presença na Câmara e, ao mesmo tempo, fortalecesse sua atuação na gestão municipal", completou. 

Outro beneficiado foi o suplente Igor Nogueira. Ele, que atualmente tem a liderança da sigla, disse que a atitude de dar vaga aos suplentes "sempre fortalece o partido", porque "os outros suplentes enxergam a responsabilidade do partido em ceder espaço". "Mostra que os suplentes também são importantes", frisou. 

"Cada vez mais, junto com o Reginaldo Moreira, nosso presidente estadual, estamos num diálogo, com frequência, e irá entrar outros suplentes para fortalecer o partido", salientou Nogueira, pontuando ainda que não há um cronograma definido para essas trocas.

Foto da fachada da Câmara Municipal de Fortaleza
Legenda: Atualmente, 13 cadeiras do Plenário são ocupadas por suplentes
Foto: Evilázio Bezerra / CMFor

Ao que comentou, o acordo para o rodízio foi colocado em discussão ainda na montagem da chapa para a eleição de 2024. "Quando fui convidado para o partido já foi deixado claro para os suplentes para deixá-los tranquilos que teriam a oportunidade de sentar na cadeira", revelou, esclarecendo que essa foi "uma das motivações para que vários permanecessem no partido". 

O vereador Tony Brito, que lidera a bancada do PSD, relatou que o rodízio "é a essência do nosso sistema democrático", uma vez que há um entendimento jurídico de que o mandato proporcional é do partido.

Segundo ele "todas as pessoas são importantes para a formação de chapa" e devem ter a "oportunidade" de mostrar seu trabalho para o eleitorado. O político admitiu que essa é uma estratégia do partido.

Aguiar Toba (PRD), 3º secretário da Mesa Diretora e uma das lideranças da sigla na Casa, justificou que a alternância é "estratégica para a cidade de Fortaleza". "A gente que forma partido sempre tem que ter cuidado com aquela valorização dos suplentes".

"Nessa formatação de hoje, se não valorizarmos, a gente não consegue futuramente fazer um grupo político", articulou, relacionando isso com o diálogo com as comunidades representadas pelos suplentes.

O PontoPoder contatou as demais lideranças partidárias que têm suplentes ocupando vagas na Câmara Municipal, mas não houve nenhum retorno dos políticos até a publicação desta matéria. O conteúdo será atualizado caso haja alguma devolutiva.

Preconceito com suplentes

No último dia 26 de agosto, durante a sessão plenária, a vereadora Tia Francisca, que assumiu o mandato após ficar na suplência do PSD, denunciou um suposto episódio de preconceito sofrido por sua condição. Segundo ela, vereadores teriam a discriminado por ser suplente.

"Eu aqui me ponho. E quero dizer aos meus colegas, que não fiquem denegrindo [sic] minha imagem por onde andam, pelos bairros, por locais, porque não sou vereadora. Posso não ser vereadora eleita, mas estou nessa casa como vereadora e preciso que tenha respeito", rebateu. 

Sua manifestação, na tribuna da Casa, ao que falou seria para tornar de conhecimento do Legislativo, "a falta de respeito com os suplentes". Sem mencionar nomes, a representante afirmou que os colegas "marcam" e "desrespeitam". Ao que relatou, emocionada, o preconceito direcionado a ela também consideraria fatores como seu gênero e sua idade. 

A declaração repercutiu entre alguns dos políticos que estavam presentes no Plenário. Os vereadores Adail Júnior (PDT), Igor Nogueira (Mobiliza), Jorge Pinheiro (PSDB), Marcelo Mendes (PL), Bruno Mesquita (PSD), Benigno Júnior (Republicanos) e Tony Brito (PSD) se manifestaram demonstrando solidariedade com Tia Francisca. 

A assessoria de imprensa da política, quando acionada, alegou que a fala levada à tribuna não tinha como objetivo a exposição de nomes, "mas denunciar uma prática recorrente de desrespeito e preconceito com suplentes dentro da política". "A vereadora entende que esse tipo de postura não deve ser naturalizado, pois quem perde é a população que precisa de soluções para os seus problemas", definiu.

Na sexta-feira (29), a Procuradoria Especial da Mulher da Câmara Municipal de Fortaleza publicou, no perfil mantido nas redes sociais, uma nota contrária aos "episódios de desrespeito e discriminação relatados pela parlamentar".

"Reafirmamos nosso compromisso com a defesa da dignidade, do respeito e da igualdade no ambiente legislativo, repudiando qualquer forma de preconceito, seja por gênero, idade ou pela condição de suplente", destacou um trecho do comunicado.

No mesmo dia, ao ser indagada, a responsável pela Procuradoria, a vereadora Adriana Almeida (PT), informou que colocou o órgão à disposição do mandato de Tia Francisca, uma vez que a divisão do Legislativo tem como uma das prerrogativas a proteção dos mandatos de vereadoras.

A reportagem buscou a equipe de comunicação que assessora a vereadora do PSD, mais uma vez, a fim de saber se haveria o registro da denúncia na Procuradoria. No entanto, não houve resposta.

Ao que evidenciou a pesquisadora Paula Vieira, o episódio envolvendo Tia Francisca "é um caso de violência política de gênero somado ao racismo e ao etarismo". "E não é de hoje, ela teve outros problemas durante o exercício do mandato e não sei se chegou a protocolar denúncias", declarou a especialista, articulando que a suplência "é um elemento a mais" nesse contexto de agressões alegadas. 

Mariana Andrade lembrou que há um "aspecto simbólico importante" na denúncia feita pela representante. "Suplentes, muitas vezes, enfrentam desafios adicionais de legitimidade, especialmente quando acumulam outras condições de vulnerabilidade, como ser mulher e idosa", sustentou.

"Suplentes não são apenas peças de reposição. Eles representam capital político, eleitoral e simbólico para a legenda. O modo como o partido acolhe e dá visibilidade a essas figuras influencia diretamente sua imagem pública e sua capacidade de atrair novas lideranças", finalizou a estudiosa. 

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