Como o BR do Mar pode ampliar o protagonismo do Ceará na logística portuária nacional

BR do Mar é um programa que vai estimular o transporte de cargas por cabotagem, que é a navegação entre portos do mesmo país

Escrito por
Paloma Vargas paloma.vargas@svm.com.br
(Atualizado às 07:12)
Foto que contém a movimentação de cargas no Porto do Mucuripe
Legenda: Porto do Mucuripe, oficialmente denominado Porto de Fortaleza, deverá ser um dos beneficiados
Foto: Fabiane de Paula

A movimentação dos portos do Ceará deve aumentar com a nova política pública de transporte marítimo de cargas, conhecida como BR do Mar. Sancionado há um mês pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o programa visa estimular o uso da cabotagem - transporte de mercadorias entre portos do mesmo país.

O nome faz referência a um caminho ou uma estrada entre os portos brasileiros. O Brasil tem 8 mil km de costa litorânea e 2 mil km de rios navegáveis para o tráfego de produtos.  

Para o advogado e mestre em Direito Marítimo, Larry Carvalho, a regulamentação do BR do Mar vai permitir que produtos cearenses enviados para outros estados possam chegar com um preço "bem mais competitivo" nos mercados nacionais.

Além disso, ele aponta que a intensificação da cabotagem pode fazer com que o Porto do Pecém, em São Gonçalo do Amarante, ou o Porto de Fortaleza, se transforme "em um hub na região, para concentrar contêineres e fazer distribuição para outros destinos internos".

A cabotagem, atualmente, representa menos de 20% da matriz logística brasileira, mas a tendência é que com o BR do Mar seja resolvido o déficit.

O especialista explica que a partir de mil quilômetros é vantajoso o uso da cabotagem, principalmente, para a redução dos custos e, consequentemente, do preço final para o consumidor. 

A estimativa é de que um produto transportado por navio seja até 15% mais barato por dia de viagem, em distâncias mais longas. Além disso, seria levado em conta também a segurança da carga (menos riscos de acidentes e perdas) e, ainda, uma emissão menor de CO2  para o meio ambiente. 

Segundo Carvalho, o transporte de cargas no Brasil é feito majoritariamente pelo modal rodoviário. "Assim, o BR do Mar faria com que o transporte por caminhões ficasse para trechos mais curtos e para o deslocamento das cargas até os portos".

"Sem dúvida alguma, isso melhora a logística brasileira como todo, permite a redução do custo de transporte marítimo no Brasil, permite a gente melhorar a nossa matriz logística e como eu disse, reduzindo custo, o que significa mais competitividade nos nossos produtos", reforça.

Porto de Fortaleza tem 40% da movimentação com cabotagem 

Atualmente, a cabotagem representa 40% do total da movimentação do Porto de Fortaleza, sendo granéis líquidos, como querosene, gasolina, diesel, petróleo bruto, GLP (gás liquefeito de petróleo) e óleo combustível, e granéis sólidos, como trigo, os principais produtos. 

O BR do Mar deve aumentar esse número e expandir o tráfego de cargas no porto, com a criação de novas linhas portuárias, segundo o diretor-presidente da Companhia Docas do Ceará, Lucio Gomes. 

No entanto, ele ressalta que não há estimativa de crescimento, uma vez que o programa foi regulamentado recentemente.

"Mas vale registrar que o Porto de Fortaleza está se preparando para crescer. Estamos com uma esteira de projetos que contempla navegabilidade e manobrabilidade". 

Entre as obras listadas como principais para essa expansão do local estão batimetria (para futuras dragagens), modernização de berços, descarbonização, novo sistema de segurança com CFTV (circuito fechado de televisão) e reforma do píer petroleiro.

Também está prevista a ampliação de área de armazenamento, nova câmara frigorífica e novo sistema de acesso ao porto, entre outras ações. 

Questionado sobre quais produtos cearenses poderiam ser beneficiados com o programa, Gomes apontou a castanha de caju, cera de carnaúba, sal, arroz, peças automotivas, calçados e frutas, dentre outros.

Muitos destes produtos estão sendo impactados pelo tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos. Por conta disso, o diretor-presidente ressalta que o transporte por cabotagem pode acelerar a comercialização entre estados brasileiros, o que seria uma alternativa de venda para estas cargas.

Pecém pode se tornar hug regional para escoamento de produtos

O especialista Larry Carvalho aponta que o Porto do Pecém tem potencial para se tornar um hub regional de concentração de contêineres, com distribuição para outros destinos internos. Isso seria possível por conta da rota direta que o Pecém tem para a Ásia

"Isso permitiria, tendo em vista que é um porto de águas profundas, fazermos um canal de importação, transformando o Pecém em um hub de cabotagem importante no país", ressalta.

A reportagem do Diário do Nordeste demandou o Porto do Pecém sobre o programa BR do Mar e sobre a possibilidade de se tornar um hub de cabotagem regional, mas não houve retorno até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto e o material poderá ser atualizado.

Para Heitor Studart, coordenador do Núcleo de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), existe uma grande possibilidade dos dois portos cearenses se tornarem hub de cargas por conta da posição geográfica, bem como pela incapacidade de escoamento rápido dos terminais das regiões Sul e Sudeste, que registram atrasos devidos ao congestionamento de navios.

"Portos, como o de Santos (SP), Itajaí (SC) e Paranaguá (PR), estão com problemas de superlotação e até congestionamento rodoviário, para a chegada e saída de cargas. Os portos aqui do Ceará, principalmente o do Pecém, por conta do seu calado profundo, que possibilita receber navios grandes, pode ser tornar um grande hub de distribuição de cargas", afirma Studart.

Além disso, ele lembra que a ligação com a Transnordestina também é ponto positivo para o processo de ampliação de cabotagem no Porto do Pecém.

Projeto de BR do Mar iniciou na greve dos caminhoneiros

O advogado Larry Carvalho lembra que o programa BR do Mar é uma discussão que vem sendo travada no Brasil há muitos anos e que teve o início na greve dos caminhoneiros, em maio de 2018.

"Com a greve foi identificada, efetivamente, pelas autoridades, que o Brasil não tinha como continuar dependendo, quase que exclusivamente, em sua matriz logística, do transporte rodoviário. Inclusive, foi objeto também de análise do TCU (Tribunal de Contas da União), que na época entendeu que o Brasil precisava de um plano de Estado com políticas públicas voltadas ao desenvolvimento e à promoção de outras matrizes logísticas. Aí começou o debate que culminou com a BR do Mar". 

Ele conta que antes dessa nova regulamentação, só poderiam fazer cabotagem navios de bandeira brasileira, pertencentes a empresa brasileira, com tripulação brasileira e construído no Brasil. Agora, é possível que um terço das embarcações seja estrangeira.

"Assim é permitido que empresas brasileiras busquem no mercado estrangeiro fretar embarcações e trazer para operar no Brasil. A tendência disso é dar um choque no mercado, porque o preço da cabotagem no Brasil, historicamente, é elevado, com oferta e tonelagem de navios limitada, tendo em vista o critério protecionista que existia e a pouca construção de navios no Brasil que será também incentivada agora", analisa.

O que é o BR do Mar

O BR do Mar é uma lei apresentada em 2022 e regulamentada em 16 de julho deste ano. A regulamentação foi elaborada pela Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação, do Ministério de Portos e Aeroportos, e prevê a redução do custo do frete e do impacto ambiental do transporte de cargas no país.

Ao todo, o governo prevê uma economia logística de R$ 19 bilhões ao ano. 

Custo da cabotagem

Atualmente, a cabotagem representa 11% da carga total transportada por navios e o Plano Nacional de Logística (PNL) projeta um crescimento de 15% nos próximos 10 anos, devido à tendência de redução de custos. O valor médio do frete de uma tonelada transportada por cabotagem é 60% menor que o transporte rodoviário e 40% menor que o ferroviário.

Segundo estudos da estatal Infra SA, as modificações vão estimular a concorrência, podendo reduzir o frete em até 15%, o que pode representar uma economia de até R$ 19 bilhões anuais nos custos logísticos. A navegação também reduz em 80% a emissão de gases de efeito estufa.

Em 2024, a cabotagem movimentou 213 milhões de toneladas no Brasil. Cerca de 77% da carga transportada foi em petróleo, especialmente das plataformas offshore até o porto na costa. O BR do Mar deve estimular o transporte de carga em contêiner e carga geral, que hoje respondem por 11% e 2%, respectivamente, do total transportado por cabotagem.

De acordo com estimativa da Infra SA, um eventual aumento de 60% no transporte por cabotagem de carga conteinerizada pode representar uma redução de mais de 530 mil toneladas de CO2 equivalente por ano, quando comparado com o modo de transporte rodoviário.

Empresas de navegação

Para as Empresas Brasileiras de Navegação (EBN), o programa incentiva a formação e capacitação de marítimos nacionais, operações para novas cargas, rotas e mercados, além de otimizar emprego dos recursos do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM).

Um dos instrumentos estipulados no decreto do BR do Mar prevê ainda que a EBN poderá ampliar em até 50% a tonelagem de sua frota própria com afretamento de embarcação estrangeira. Ou seja, se hoje tem dois navios próprios, poderá alugar mais um semelhante em capacidade.

Este percentual sobe para 100%, caso a embarcação afretada seja sustentável. Se a EBN tem embarcações sustentáveis, poderá afretar o dobro de navios tradicionais com a mesma capacidade. Caso contrate embarcações estrangeiras sustentáveis, poderá afretar até três navios.

De acordo com a Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação, há dois tipos básicos de contratação de embarcações previstas em lei: afretamento a casco nu, quando a EBN aluga a embarcação sem tripulação, assumindo os custos de operação e manutenção; e o afretamento a tempo, quando o armador coloca à disposição do afretador o navio completo, com tripulação, por tempo determinado.

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