Aeroportos de Aracati e Jeri: o que muda na estrutura e na qualidade após a concessão?

Concessionárias terão de realizar importantes obras nos equipamentos.

Escrito por
Luciano Rodrigues luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contém os aeroportos de Aracati e Cruz-Jericoacoara.
Legenda: Aeroportos de Aracati e Cruz-Jericoacoara serão privatizados pelo Governo Federal.
Foto: Fabiane de Paula e Marcos Studart/Governo do Ceará.

Os aeroportos de Canoa Quebrada (Aracati) e Jericoacoara (Cruz), que serão concedidos à iniciativa privada em leilão previsto para a próxima quinta-feira (27), terão de passar por mudanças estruturais importantes para se adequar às condições operacionais previstas no edital lançado pelo Ministério dos Portos e Aeroportos (MPor).

Entre elas estão a ampliação do pátio de aeronaves e reformas nos terminais de passageiros, conforme detalhou a pasta.

Ainda dentro dos principais investimentos, está definido no edital que Aracati deve passar por ampliação do estacionamento de veículos. Já Jericoacoara precisará receber a construção da Área de Segurança de Fim de Pista (Resa).

Aracati e Jericoacoara são os únicos aeroportos do Estado presentes na primeira rodada do Programa AmpliAR, programa de concessões para 19 equipamentos aeroportuários no Nordeste do País e na Amazônia Legal que visa modernizar e ampliar a infraestrutura em empreendimentos considerados deficitários em ambas as regiões.

Principais mudanças na estrutura

A empresa que arrematar os dois aeroportos tem obrigações contratuais impostas pelo Governo Federal. No caso de Aracati e Jericoacoara, isso inclui:

  • Reforma dos terminais de passageiros;
  • Ampliação dos pátios de aeronaves.

Aracati terá de passar por uma ampliação no estacionamento de veículos. O investimento estimado para as melhorias no aeroporto são de R$ 42,08 milhões. 

Já a concessionária de Jericoacoara terá que construir uma Resa. Trata-se de uma área de escape, localizada nas extremidades da única pista do equipamento. 

No Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC) 154, elaborado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), resas são utilizadas principalmente "para reduzir o risco de danos a aeronaves que realizem o toque antes de alcançar a cabeceira (undershoot) ou que ultrapassem acidentalmente o fim da pista de pouso e decolagem (overrun)".

No aeroporto do litoral oeste, o investimento previsto é de R$ 99,4 milhões para as obras, e é tratado pelo AmpliAR como um dos mais promissores para crescimento no País.

Foto que contém ilustração de resa em pistas de aeroportos.
Legenda: Resa (em laranja) em ilustração feita pela Anac. Trata-se de uma área de escape para aumentar a segurança aeroportuária.
Foto: Anac/Divulgação.

Quais serão os critérios de qualidade após a concessão?

Conforme o MPor, a metodologia para monitoramento da qualidade de serviço nos aeroportos incluídos no Programa AmpliAR será simplificada, devido ao porte reduzido desses ativos. Não haverá aplicação dos Indicadores de Qualidade de Serviço (IQS) nem das Pesquisas de Satisfação de Passageiros (PSP).

“A metodologia será baseada no monitoramento simplificado por meio do sistema de registro e tratamento de demandas dos usuários, com relatórios periódicos e acesso integral da Anac aos dados, constituindo o principal critério de aferição contratual da qualidade de serviço”, diz o edital.

A pasta acrescenta que não se trata de inovação contratual e que essa metodologia já é aplicada nos aeroportos concedidos com movimentação inferior a 1 milhão de passageiros por ano.

Valor da tarifa de embarque

O teto da Tarifa de Embarque para as concessionárias aplicarem em voos domésticos será de R$ 44,27, tomando como referência o IPCA (inflação oficial do País) divulgado pelo IBGE em julho de 2024.

Esses valores poderão ser atualizados de acordo com o indicador divulgado no mês anterior. O não cumprimento do teto tarifário estabelecido neste anexo é passível de multa de R$ 25.000,00 por evento.

Para se ter uma ideia, atualmente o valor da tarifa de embarque cobrado pela Fraport em Fortaleza para voos domésticos é de R$ 56,88, segundo o site da companhia.

Quando começarão as mudanças?

De acordo com o edital, a concessionária é obrigada a realizar investimentos na infraestrutura aeroportuária, como a adequação da capacidade de processamento de passageiros (terminal de passageiros e equipamentos mínimos) e melhorias na área de movimentação de aeronaves, no prazo máximo de 36 meses após a manifestação do Poder Público sobre o Relatório de Diagnóstico Inicial (RDI).

Quais responsabilidades terá a concessionária vencedora?

Ao assumir a gestão dos aeroportos de Aracati e Cruz, a concessionária terá cerca de 15 atribuições, incluindo executar, investir, operar e assumir os riscos do aeroporto. Veja lista abaixo:

  1. Operar, manter e explorar os aeroportos do AmpliAR.
  2. Prestar serviços de embarque, desembarque, pouso, permanência e cargas.
  3. Explorar atividades comerciais (receitas não tarifárias).
  4. Manter a área aeroportuária regularizada e desocupada quando necessário.
  5. Executar obras e melhorias para atender às especificações mínimas.
  6. Concluir os investimentos obrigatórios em até 36 meses.
  7. Expandir capacidade (terminal, estacionamento, vias) e área de movimento (pistas e pátios).
  8. Implantar e manter o serviço de combate a incêndio (Sescinc).
  9. Realizar o diagnóstico inicial do aeroporto.
  10. Elaborar e enviar o Relatório de Diagnóstico Inicial (RDI) à Anac.
  11. Assumir a maior parte dos riscos operacionais e financeiros.
  12. Arcar com custos adicionais por erros de estimativa, aumento de preços ou queda de demanda.
  13. Custear aquisições de áreas necessárias à ampliação (exceto as decorrentes de decisões judiciais).
  14. Ter sistema de atendimento e tratamento de demandas dos usuários.
  15. Enviar relatórios periódicos à Anac e apresentar planos de ação para correções.

Já Governo regula, fiscaliza, define limites e mantém sob sua responsabilidade os serviços essenciais de navegação aérea e os riscos sistêmicos.

Por que equipamentos serão concedidos à iniciativa privada?

Viviane Falcão, pesquisadora em aeroportos do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil -da Universidade Federal de Pernambuco (PPGEC/UFPE), aponta que o objetivo primordial da concessão de um equipamento aeroportuário é reduzir os custos governamentais, mas também buscar maior conhecimento no tema.

"Quando se opera um aeroporto, tem um gasto muito grande, que não necessariamente está ligado com o know-how de um governo estadual. É algo extremamente específico e técnico que pode trazer gastos muito grandes. Além disso, criar toda uma equipe para operar um aeroporto enquanto já tem concessionárias que estão fazendo isso há anos pode trazer prejuízos", pondera.

"No caso brasileiro, as concessões vieram por vários fatores. Um deles é o aumento substancial da demanda aérea, fazendo com que os aeroportos não tivessem capacidade suficiente para atender aos passageiros. A Infraero, sendo uma empresa pública, tinha dificuldades de conseguir a manutenção adequada. Uma empresa pública administrar o aeroporto daria não só menos conforto, como menos celeridade do que uma empresa privada", acrescenta a especialista.

Como está o aeroporto de Aracati?

Dos dois equipamentos cearenses a serem concedidos, somente o de Aracati não conta com voos comerciais regulares. Dados da Anac apontam que a única pista do aeroporto conta com 1.800 metros de extensão por 30 metros de largura.

O local tem capacidade para receber voos visuais VFR (traduzido para regras para pouso visual) e IFR (traduzido para regras para pouso por instrumentos), seja em dia claro (diurno) ou escuro (noturno).

Foto que contém vista externa do Aeroporto de Aracati.
Legenda: Aeroporto de Aracati é administrado pela Setur, e passará para as mãos de concessionária privada.
Foto: Setur/Divulgação.

Desde março deste ano, no entanto, Aracati não recebe voos comerciais. A descontinuidade das operações da Azul Conecta no interior do Ceará tiraram a conectividade do local com Fortaleza, única ligação a partir do local.

O aeroporto de Aracati foi inaugurado em 2012, remodelando o antigo aeroclube da cidade. Foi o primeiro equipamento aeroportuário aberto no litoral leste e chegou a receber voos comerciais para destinos como Recife (PE) e Campinas (SP), além de Fortaleza. 

Como está o aeroporto de Jericoacoara?

Ao contrário de Aracati, o equipamento em Cruz (chamado de Cruz-Jericoacoara) é o único dos aeroportos públicos do Ceará a receber voos comerciais regulares. Entregue em 2017, rapidamente se consolidou como um dos principais destinos de passageiros no Estado.

É também o maior dos aeroportos públicos do Ceará, com a única pista chegando a 2.200 metros de extensão por 45 metros de largura, acima de Juazeiro do Norte (1.940 metros x 45 metros). Também pode receber voos seguindo regras VFR e IFR.

Entre janeiro e setembro deste ano, dados da Anac apontam que o equipamento recebeu mais de 206 mil passageiros. São voos que partem sobretudo da região Sudeste, em especial do Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo.

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Assim como Aracati, Jericoacoara foi o equipamento inaugurado pelo Governo do Estado na década passada.

Os dois, ao lado de outros sete aeródromos cearenses já existentes (Camocim, Campos Sales, Crateús, Iguatu, Quixadá e Tauá), além de Sobral, entregue em 2022, são administrados atualmente pela Secretaria de Turismo do Ceará (Setur). 

Até o início deste ano, estiveram sob o guarda-chuva da Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), que administrou os 10 aeroportos por pouco mais de um ano.

Concessão será diferente de Fortaleza e Juazeiro do Norte

Ao contrário do que ocorreu com a maioria dos aeroportos privados do País, com concessões em blocos, cada um dos 19 aeroportos do AmpliAR poderá ser arrematado por uma concessionária diferente.

Como pré-requisito, a empresa já precisa atuar no País na administração aeroportuária. Por exemplo, Fraport, concessionária do Aeroporto de Fortaleza, e Aena, de Juazeiro do Norte, podem entrar na concorrência.

Procuradas, as concessionárias não comentaram se há interesse em participar da disputa pela administração dos aeroportos de Jericoacoara e Aracati.

O edital do programa traz que “a proposta econômica vencedora será baseada no maior deságio percentual sobre os parâmetros anuais calculados”. 

Na prática, isso significa que o Governo cederá a gestão dos aeroportos às empresas que apresentarem propostas com os maiores descontos percentuais em relação às quantias de investimentos previstos para os empreendimentos, ou seja, o valor da concessão às empresas será menor que as cifras inicialmente determinadas.

Foto que contém fachada do aeroporto de Cruz-Jericoacoara.
Legenda: Aeroporto de Cruz-Jericoacoara é o único dos dois a contar com operações aéreas regulares.
Foto: Ingrid Coelho/Diário do Nordeste

Outro ponto considerado pelo edital é o fato de o investimento no aeroporto de Jericoacoara ser mais do que o dobro no de Aracati. Isso acontece porque os valores dos investimentos previstos consideram custos operacionais, fluxos de caixa e receitas dos empreendimentos.

O Ministério dos Portos e Aeroportos ressalta que o prazo de concessão dos aeroportos varia conforme o atual contrato da concessionária que arrematar o novo ativo. No caso específico do Ceará, a Fraport tem concessão válida até 2047 em Fortaleza, e a Aena até 2049 em Juazeiro do Norte.

Não existe uma data exata para o início da operação, mas a tendência é de que ela comece apenas em 2026 pelos prazos estabelecidos para assinatura do contrato e entrada em vigor. 

Vale a pena conceder os aeroportos regionais?

Com exceção do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, a Infraero não opera mais nenhum equipamento aeroportuário em capitais brasileiras, além de estar fora de empreendimentos importantes no interior dos estados, como é o caso de Juazeiro do Norte, administrado pela espanhola Aena.

Para Viviane Falcão, "as concessões são positivas", pois são "uma tentativa do Governo Federal para ver os aeroportos voando alto". O desafio fica na conta do desenvolvimento de operadores aéreos, que a especialista destaca que o País vive sob um "oligopólio" das três principais companhias nacionais - Azul, Gol e Latam.

"O Brasil hoje carece de companhias. Não vai ser fácil para os aeroportos regionais atrair as aéreas. O primeiro passo está sendo feito. Muito importante ter infraestrutura mínima, que as próprias empresas solicitam operação de qualidade, com contrato bem amarrado, onde a futura concessionária terá que seguir certos critérios e restrições para que o aeroporto mantenha a operação", classifica.

Foto que contém aeronave da Gol no aeroporto de Jericoacoara.
Legenda: Voos no aeroporto de Cruz-Jericoacoara são diários a depender da época do ano, mas em Aracati, não.
Foto: Tiago Stille/Governo do Ceará.

A especialista também enxerga com bons olhos o fato de as concessões serem individualizadas para cada um dos equipamentos, principalmente pelo fato de que cada um deles vai contar com investimentos personalizados: "Quando temos propostas em bloco, isso pode ocasionar a situação que um aeroporto fica mais de lado do que o outro", diz.

"O que achei mais interessante foi essa questão de obrigatoriamente a concessionária já atuar no Brasil. Isso é extremamente interessante para minimizar os riscos de uma futura devolução, porque essa operadora já conhece o mercado brasileiro", enfatiza Viviane Falcão.

Obras em Jeri miram internacionalização; Aracati é desafio

Em reiteradas declarações, o secretário do Turismo do Ceará, Eduardo Bismarck, afirmou que o aeroporto de Cruz-Jericoacoara deve, até o ano que vem, ser internacionalizado, e o pedido deve partir da nova concessionária.

Na homologação da Anac, o aeroporto pode receber aeronaves 4D, como modelos Airbus A320 e A321, além de Boeing 737 e suas variantes. 

Viviane Falcão expõe o destaque da região de Jericoacoara, e uma eventual homologação para voos internacionais (atualmente o local está habilitado apenas para operações nacionais) reforça a necessidade da obrigatoriedade contratual da construção de Resa.

A Resa, hoje, é obrigatória para aeroportos classes 3 e 4. Muitos aeroportos brasileiros estão se adequando a isso justamente fazer a solicitação de internacionalização, mas também da homologação de tudo que a Anac que solicita. A Resa é um dos critérios obrigatórios no tocante à segurança do lado da pista. Jericoacoara pode vir a ser um aeroporto de âmbito internacional".
Viviane Falcão
Especialista em aeroportos do PPGEC/UFPE

Foto que contém aeronave pousando no Aeroporto Internacional de Fortaleza - Pinto Martins.
Legenda: TAP pode voar para Jericoacoara com Airbus A321 XLR, nova aeronave a ser recebida pela empresa em 2026.
Foto: Renato Bezerra/Diário do Nordeste.

No caso de Aracati, as raras e esvaziadas frequências ao longo dos últimos 13 anos culminaram na falta de operações aéreas regulares nos últimos meses, como frisa a especialista. 

A proximidade com Fortaleza, distante cerca de duas horas por via terrestre de Aracati, também pode ser um entrave para atração de voos para o aeroporto do litoral leste. Para Viviane Falcão, é necessário uma política pública estruturada a nível nacional.

"Acho que falta hoje, além do programa AmpliAR, uma política pública para fomentar ainda mais essas regiões e atrair turistas internacionais. O Brasil é um dos países que tem menor incidência de turistas internacionais. Esses dois aeroportos, com as belezas e as cidades próximas, poderiam ser a porta de entrada para o turismo do Ceará", considera.

"As pessoas não precisam vir para Fortaleza. A minha preocupação maior é com a Aracati, pela proximidade de Fortaleza e por hoje ter uma boa acessibilidade. Aracati vai ser um aeroporto que vai ter que ter um jogo de cintura para atrair essas companhias. É importante que a futura concessionária e o Governo do Estado estejam juntos para fazer um trabalho turístico sobre a região e atrair passageiros. O aeroporto de Aracati tem de ser esse aeroporto muito bem pensado", completa.

Negociações recentes com as três principais companhias aéreas demonstram que há interesse em trazer voos para Aracati. A Gol já descartou a possibilidade, mas o Governo do Estado mantém contato direto com a Azul e com a Latam.

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