Do bug no Super Mario à tela azul do PC: entenda o fenômeno que levou ao recall da Airbus

Escrito por
Igor Pires igor.aer.ita@gmail.com
Legenda: O voo da JetBlue, com o Airbus 320 que ia de Cancún para Newark (próximo a Nova Iorque), em 30 de outubro de 2025, teve 15 passageiros machucados.
Foto: Divulgaço.

A Airbus informou, no último dia 28, um recall de grande parte da sua frota ativa de jatos da família A320 para corrigir um software após uma aeronave da JetBlue receber “radiação solar intensa”, que pode corromper dados que ajudam a manter o funcionamento dos controles de voo.

Esse fenômeno é conhecido como “radiação invertendo zeros e uns” (bit flip), que descreve como a radiação cósmica pode interferir diretamente no funcionamento da tecnologia digital.

No caso do Airbus 320, isso causou erro de leitura de um software e, consequentemente, fez com que o piloto automático comandasse, não intencionalmente, um pitch down, ou seja, inclinasse o nariz do avião para baixo.

Esse voo da JetBlue, com o Airbus 320 que ia de Cancún para Newark (próximo a Nova Iorque), em 30 de outubro de 2025, teve 15 passageiros machucados, obrigando o piloto a declarar emergência e desviar a rota.

Nesse caso, o computador responsável por gerenciar os profundores e os ailerons, componentes fundamentais para a estabilidade do voo, o ELAC (Computador de Profundor e Aileron), estava comandando a atuação sobre o profundor da aeronave, que controla o movimento do nariz para cima ou para baixo. É um caso extremamente raro, do qual eu não tinha conhecimento.

Essa inversão de bits (menor unidade de informação digital, podendo ser 0 ou 1) em computadores é conhecida desde os anos 1970 e pode causar má interpretação de parâmetros. No computador em que escrevo agora, poderia causar a famosa tela azul.

Também já causou erro de contagem de votos em uma urna eletrônica na Bélgica (caso de 2003) e até mesmo levou um jogador de Super Mario World a uma zona proibida do jogo, quando uma radiação poderia ter alterado um bit relativo à posição vertical do Mario, impulsionando o personagem ao teto do cenário.

O que está por trás do fenômeno

Essa radiação entra na atmosfera vinda do espaço (de várias estrelas do universo) e também é emitida pelo Sol. Já em missões espaciais, a proteção de eletrônicos é fundamental, dado que não há camadas de atmosfera para filtrar a força da radiação.

Os computadores de naves espaciais possuem 40 vezes mais proteção à radiação externa do que um computador comum. Em 2025, informações da imprensa especializada indicam que a Terra tem recebido alta atividade eletromagnética do Sol em níveis que não aconteciam desde 1921.

Essa radiação teria causado um bit flip (inversão de bit, de 0 para 1 ou de 1 para 0), alterando a informação de ângulo de ataque e acionando o aviso de perda de sustentação (stall) no voo da JetBlue.

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Quem tem vivência com aeronáutica sabe que a reação primária à suposta perda de sustentação é jogar o nariz da aeronave para baixo; foi justamente o que o piloto automático do JetBlue fez.

Como corrigir a falha nos Airbus?

A correção envolve reverter para uma versão anterior do software utilizado no computador (ELAC-103), que possui uma espécie de filtro eletrônico e bypassa (desconsidera) qualquer informação conflitante que um dos computadores possa emitir, neutralizando a falha.

Além disso, como no Brasil não havia Airbus 319, 320 e 321 com o ELAC-104 (versão que falhou), as frotas de operadoras como Latam e Azul não devem ser impactadas, já que a Agência Nacional de Aviação Civil ainda não havia homologado o ELAC-104.

Para algumas operadoras do mundo, mais de 6 mil aeronaves precisaram ter o software ou o computador trocados antes que pudessem voar novamente, conforme um boletim enviado às companhias aéreas. Para a maioria das aeronaves afetadas, a atualização necessária levou apenas entre duas e três horas.

A Airbus emitiu uma Diretiva de Aeronavegabilidade de Emergência (2025-0268-E), informando a necessidade de recall:

  • ELAC afetado: Elevator Aileron Computer, ELAC B L104.
  • ELAC válido: ELAC B L103+.

A maioria das aeronaves afetadas já teve o problema ajustado e está novamente pronta para voar. O evento raro já foi mitigado, e a aviação passa por mais um ciclo de melhoria, tornando-se ainda mais segura.

Outro caso de 'nariz para baixo'

Em outubro de 2008, um A330-200 da Qantas, que voava de Singapura para Perth, teve o mesmo pitch down, ou nariz para baixo. Na ocasião, 119 pessoas se machucaram, batendo a cabeça no teto da aeronave.

O erro acabou sendo identificado como má informação relativa à altitude, bem como ao ângulo de ataque (ângulo que a corda da raiz da asa faz em relação ao ar externo).

A causa potencial foi então relacionada a radiações atmosféricas de alta energia atingindo um dos circuitos integrados dentro dos módulos da CPU do avião.

Desde então, os órgãos investigadores associaram essa radiação a riscos às aeronaves, sobretudo porque as radiações cósmicas são mais frequentes e energéticas a 12 km de altitude.

O Airbus 330 foi construído em 1992, quando ainda não havia regulamentos que exigiam que os sistemas eletrônicos fossem resilientes ao “ataque” de radiação.

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