'Deve estar orgulhoso', diz criadora de projeto de combate à fome em Fortaleza após perder o pai
Em 2020, o projeto ajudou cerca de 400 famílias da capital cearense, informou a fundadora.
O último sábado (10) teve um gosto agridoce para a advogada e surfista Tayane Sales. De luto pela perda do pai, vítima da Covid-19 no ano passado, a ativista passou o dia em que completou 31 anos doando alimentos por meio de um projeto social criado por ela ainda no início da pandemia: "Acho que papai deve estar orgulhoso de mim''.
Acostumada a enfrentar o mar em cima de uma prancha, a surfista, que entrou no esporte para tratar a depressão, viu seu pai ser levado por uma das ondas de Covid-19 depois de 12 dias de luta contra a doença. Após uma pausa, na qual lidou com o sofrimento, Tayane decidiu retomar o projeto ''Onda Solidária'', iniciado em abril de 2020, que procura enfrentar uma das mazelas da pandemia sofrida pelos fortalezenses: a fome.
''Tive a ideia em março de 2020, logo que começou a pandemia. Eu comecei a ver que pessoas estavam saindo de casa porque estavam passando por privações. Eu me juntei com alguns amigos e com o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM-CE), no qual eu presido uma comissão'', afirmou a advogada.
Vendo de perto o que as comunidades litorâneas estavam passando, a surfista decidiu apoiar os moradores de localidades, como as do Titanzinho, Bairro Pirambu e da Leste-Oeste. No primeiro ano do projeto, cerca de 400 famílias foram ajudadas.
O Onda Solidária se estendeu até o final do ano passado. Com a morte do pai, em novembro de 2020, Tayane teve quere unir forças para voltar com a ação. A primeira leva de doações em 2021, 100 cestas básicas, foi realizada na Barra do Ceará, um dos bairros mais afetados pela pandemia em Fortaleza. Lá, a ativista foi parabenizada e não conseguiu conter a emoção.
''Ontem (10) foi o meu aniversário, foi a primeira entrega que a gente fez, e foi o pior dia da minha vida, e eu queria que o pior dia da minha vida não fosse tão ruim assim. [...] Descobriram que era meu aniversário e começaram a bater parabéns para mim. Chorei demais, mas acho que papai deve estar orgulhoso de mim'', relata Tayane.
Em 2021, a nova empreitada do Onda Solidária pretende ajudar outras localidades de Fortaleza. De acordo com Tayane, o objetivo é atender também as famílias, em situação de vulnerabilidade, de comunidades do Jangurussu, Poço da Draga e Granja Portugal.
ONG e doações
Tayane conta que o projeto a ajudou a enfrentar a pela perda do pai. ''Eu tive um mês de luto. Eu não conseguia nem comer direito, não conseguia tomar banho, não conseguia me levantar da cama. Ele era a primeira pessoa a me parabenizar. Eu sabia que não ia ter isso, então, ontem deu meia-noite, pronto, meu pai não está aqui, mas se eu estou aqui é por alguma razão''.
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A ativista falou ainda que espera criar, a partir do Onda Solidária, uma Organização Não Governamental (ONG).
''A perda do meu pai mexeu muito comigo, e eu tentei ressignificar essa minha dor. Eu vou transformar o projeto em ONG para que a gente possa receber repasses de empresas e poder ajudar ainda mais pessoas, pois eu acredito que a pandemia ainda vai deixar um rastro de destruição e fome muito grande. A gente já voltou para o mapa da fome'', disse Tayane.
As doações para o projeto podem ser feitas em dinheiro, por meio de PIX ou pela entrega de alimentos na sede do projeto, localizada na Avenida da Universidade, 2322, Bairro Benfica, em Fortaleza. As informações estão no perfil @ondasolidariafortaleza no Instagram.
Epidemia da fome
De acordo com dados do Inquérito Nacional desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Pensam), o Nordeste, em 2020, apresentou uma das posições mais elevadas no ranking de insegurança alimentar. O quadro evidencia o contexto de crise nacional, no qual a pesquisa aponta que no país, 19 milhões de brasileiros estão passando fome, e 43,4 milhões não têm alimentos em quantidade suficiente.
Conforme Vitor Hugo Miro, economista e coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC), o desemprego e a informalidade são as principais causas associadas à insegurança alimentar.
''Com a pandemia, há aumento do desemprego e redução do nível médio de renda familiar. Então, deve-se esperar que um maior número de famílias enfrente situação de insegurança alimentar e fome'', aponta.