Taxa do lixo: Prefeitura quer arrecadar R$ 154 milhões com o tributo, se lei voltar a vigorar
A cobrança segue suspensa pela Justiça, que analisa a legalidade da lei municipal. E quem pagará o serviço se o taxa for extinta?
A legalidade da taxa do lixo em Fortaleza continua em discussão na Justiça. Enquanto isso, a cobrança do novo tributo segue suspensa até que o Tribunal de Justiça do Ceará retome o assunto. O tema tem gerado debates. Diante disso, o Diário do Nordeste explica quanto a Prefeitura pretende arrecadar com o novo imposto; em que o dinheiro será usado, caso a taxa vigore; e quem pagará pelo serviço de coleta e manejo dos resíduos domiciliares se o imposto for extinto.
O primeiro ponto é que, em caso de validade da lei, ao somar todos os contribuintes pagantes da taxa do lixo, a estimativa do valor a ser arrecadado pela Prefeitura é de R$ 154.020.897,91, conforme dados repassados pela Secretaria Municipal de Finanças (Sefin) ao Diário do Nordeste, via Lei de Acesso à Informação (LAI).
A pasta ressalta que “para estimar uma expectativa de arrecadação, é necessário aguardar o fim deste exercício para avaliar o nível de inadimplência”. Outro dado é que somando as isenções e as não incidências, o montante a ser arrecadado com a taxa, conforme a Prefeitura, chegaria a R$ 270.394.599,40.
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Mas, uma das questões é que o valor de R$ 154 milhões, ainda que seja completamente recolhido, segundo a Prefeitura, sequer paga, no ano, o contrato com a Ecofor, empresa que realiza a coleta e o manejo dos resíduos domiciliares em Fortaleza.
Quando a lei foi proposta pela Prefeitura, no final de 2022, a gestão indicou que a receita requerida, ou seja, o valor necessário para pagar os custos relacionados ao serviço, era de R$ 350.134.471,69, por ano, ou seja, R$ 196 milhões a mais do que o previsto para ser arrecadado caso a taxa vigore esse ano.
“Já se esperava que o valor arrecadado não cobriria o valor total do serviço por temos quase 70% de isenção. O que financia mais de 90% da receita do Fundo Municipal de Limpeza Urbana é a arrecadação do tesouro municipal. Os recursos arrecadados com a taxa vão, então, complementar esse Fundo. A parcela que não for coberta vai continuar sendo paga com os recursos do tesouro”.
O valor total do contrato com a Ecofor para os próximos 12 meses (a contar de maio), indica Paulo, é de R$ 414 milhões. Desses, R$ 313 milhões são específicos da coleta e do manejo do lixo domiciliar.
Desse modo, a projeção do custo do serviço, feita em 2022 (350 milhões), caiu em 2023 (R$ 313 milhões). Ainda assim, o que pode ser arrecadado (R$ 154 milhões), no melhor cenário, pagaria apenas 49% da despesa, segundo a Prefeitura.
Em resumo:
- Valor do contrato com a Ecofor especificamente para a coleta e manejo do lixo domiciliar: R$ 313 milhões
- Estimativa de arrecadação da Prefeitura com a taxa de lixo: R$ 154 milhões;
- Diferença a ser custeada pelo Fundo Municipal de Limpeza Urbana: R$ 159 milhões.
Quem pagará o serviço se o imposto for extinto?
Antes da existência da taxa do lixo, o serviço que inclui a coleta, o transporte, o transbordo, a triagem e o tratamento adequado do lixo produzido nas residências de Fortaleza, é pago com o dinheiro do Fundo Municipal de Limpeza Urbana (FUNLIMP), criado em 2002. E de onde vem essa verba?
O dinheiro do Fundo tem diversas fontes como, por exemplo, o orçamento do município (dinheiro arrecadado, dentre outros, via impostos pagos pelos cidadãos) e também de fontes específicas, como os valores de multas aplicadas pela Agência de Regulação, Fiscalização e Controle dos Serviços Públicos de Saneamento Ambiental de Fortaleza (ACFor) em decorrência de infrações.
Na prática, sem a taxa específica do lixo, é o dinheiro da coletividade que paga o serviço. Então, em certo grau, toda a população de Fortaleza, custeia o manejo dos resíduos domiciliares. Uma das diferenças é que sem a taxa, a contribuição ocorre de forma indireta. Logo, a cobrança fica “diluída” e a população não sente o impacto imediato e explícito.
Com a taxa do lixo, criada em Fortaleza pela Lei Municipal 11.323/2022, o pagamento passa a ser feito de modo direto, por cerca de 30% dos contribuintes da cidade, já que a isenção pode alcançar até 70% dos proprietários de imóveis.
Assim, se a taxa for considerada ilegal pela Justiça e for extinta, o mais provável é que, a princípio, a cobrança volte a contar com o dinheiro do Fundo Municipal de Limpeza Urbana e, então, o manejo do lixo domiciliar, inicialmente, voltaria a ser custeado indiretamente pela coletividade.
São fontes de recursos do Fundo Municipal de Limpeza Urbana:
- Dotações orçamentárias do Município;
- Eventuais repasses de outros entes públicos, de qualquer natureza;
- Dotações de pessoas físicas ou jurídicas, públicas e privadas, e recursos eventuais;
- Empréstimos nacionais e internacionais, e recursos provenientes da ajuda e cooperação internacional e de acordos intergovernamentais;
- Rendas provenientes de aplicações financeiras;
- Sobras de recursos destinados ao Fundo Municipal de Limpeza Urbana e não utilizados no exercício;
- 60% da arrecadação a título de multas aplicadas em razão das infrações recolhidas pela ACFor referentes à fiscalização da limpeza urbana;
- Arrecadação a título de multas aplicadas em razão das infrações recolhidas pelo município.
Mas, vale ressaltar que durante a discussão para a criação da taxa de lixo ainda em 2022, as isenções foram um ponto de intensa discussão, pois no projeto original enviado pela Prefeitura à Câmara Municipal a isenção contemplava menos de 30% dos imóveis.
Somente após intensos debates e mobilização de vereadores e da sociedade, a isenção chegou a 70% dos contribuintes. Desses, 60% têm isenção automática e 10% estão enquadrados nos critérios e podem solicitar a isenção.
Entre os vereadores que se opõem a taxa, há argumentos de que:
- Apesar do contrato milionário com o serviço de coleta e manejo dos resíduos em Fortaleza não há, efetivamente, coleta seletiva dos resíduos;
- Em algum grau, a cobrança é por um serviço que a sociedade já paga e;
- O cálculo da cobrança é feito em cima da área do imóvel e não guarda relação com a quantidade de resíduos produzida e nem considera se o contribuinte já adota, por exemplo, ações de reciclagem.
A Prefeitura é obrigada ou não a criar a taxa?
Outro ponto é se a Lei Federal 14.026 de 2020, o novo Marco Legal do Saneamento Básico, obriga as prefeituras a criarem a taxa do lixo. A norma diz que: “a não proposição de instrumento de cobrança pelo titular do serviço configura renúncia de receita”, isto é, há uma cobrança para que as gestões evidenciem o estabelecimento de uma receita que garanta sustentabilidade econômico-financeira para o manejo do lixo domiciliar.
Mas em outro trecho, a lei também diz que, além de taxas, tarifas e outros preços públicos, os serviços em questão podem “ser custeadas por meio de formas adicionais, como financiamentos ou incentivos”. Desse modo, a forma de garantir essa sustentabilidade financeira não está restrita à criação de uma taxa.
“Pode ser que o Tribunal entenda que especificamente essa lei tem algum problema de referibilidade e isso leve a alguma arguição da legalidade, embora eu não consiga enxergar isso. Pode ser que a Justiça decida, e a Justiça decidindo, vai ser cumprido. Mas certamente, senão essa gestão, na próxima, em breve, o tema voltará à pauta".
O representante da Prefeitura destaca que os municípios cearenses, de modo geral, estão discutindo a questão. “Se a Prefeitura não aumentar tributo ou não mostrar a fonte de receita para financiar isso (coleta e manejo do lixo domiciliar), pode estar cometendo crime de responsabilidade fiscal. O marco do saneamento não obriga. Não, não é obrigado. Mas se você não fizer, você vai ser enquadrado em crime de responsabilidade fiscal”, ressalta.
Se a taxa cair, há outra possibilidade de cobrança?
Questionado sobre a possibilidade de a lei ser considerada ilegal e se já há alguma alternativa de arrecadação para custear a coleta e manejo do lixo residencial projetada pela Prefeitura, Paulo Lustosa, indica que “no curto prazo, não”.
De acordo com ele, em uma eventual ilegalidade da lei, “há previsão orçamentária para realizar a despesa”. Mas pondera: “o que estamos tentando ajustar é fazer migrar para uma fonte que seja mais gerenciável e permita que a Prefeitura faça uma política de justiça fiscal e justiça social na cobrança desse serviço”.
Se a lei for extinta, reitera ela, “O que vai acontecer é que o orçamento geral da Prefeitura vai financiar o serviço. É um serviço essencial, não pode ser parado. Aí a consequência é a gente fazer escolha na alocação dos recursos”.
Caso a taxa vigore, explica ele, a perspectiva da Prefeitura ao arrecadar os R$ 154 milhões é usá-lo diretamente para pagar o contrato com a empresa que faz a coleta e manejo do lixo domiciliar, e com isso fazer com que esse montante que sairia do tesouro municipal via Fundo Municipal de Limpeza Urbana seja usado em áreas como saúde e educação.