Saneamento e renda são maiores problemas para 1,7 milhão de crianças e adolescentes pobres no CE, mostra Unicef
Pessoas negras e moradores de áreas rurais enfrentam ainda mais desafios de acesso
O Ceará reduziu a proporção de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos vivendo na pobreza, nas múltiplas dimensões do termo. Em 2019, eram 79,7% do total; em 2023, o número caiu para 73,2%. Apesar da redução, quase 1,7 milhão de crianças são privadas de qualquer um de seus direitos fundamentais – mas, sobretudo, de saneamento e renda.
As informações constam no relatório "As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil", divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) na manhã desta quinta-feira (16).
Segundo a entidade, a redução da pobreza multidimensional foi influenciada principalmente pelo aumento da renda – beneficiado pela ampliação do programa Bolsa Família, do Governo Federal –, e pela melhoria no acesso à informação.
O estudo, baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE, avaliou sete dimensões fundamentais: renda, educação, acesso à informação, água, saneamento, moradia e proteção contra o trabalho infantil, além de uma análise sobre segurança alimentar.
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Em 2023, cerca de 1,1 milhão de crianças e adolescentes (48,2%) cearenses viviam em privação intermediária de direitos, quando o acesso a eles é limitado ou de má qualidade. Outras 575 mil (25%) estavam em privação extrema, na qual não há nenhum tipo de acesso.
Os principais problemas que afetam essa população, conforme o levantamento, são:
- 54% de saneamento, sendo 5,9% no nível extremo
- 32,3% de renda, sendo 13,8% no nível extremo
- 10% de moradia, sendo 3,7% no nível extremo
- 9% de água, sendo 5,4% no nível extremo
- 6,8% de educação, sendo 1,7% no nível extremo
Apesar dos avanços, o Relatório destaca Educação e Trabalho Infantil como áreas críticas nas quais houve deterioração. “Na dimensão educacional, houve um aumento preocupante no analfabetismo, especialmente marcante entre as crianças que sofreram interrupções em sua educação durante a pandemia de Covid-19”, avalia.
Crianças de famílias de baixa renda, pretas/pardas e moradoras de áreas rurais também foram “foram desproporcionalmente afetadas”, indicando que os impactos negativos da pandemia na Educação recaíram mais severamente sobre grupos já vulneráveis.
Investir em acesso
Segundo Liliana Chopitea, chefe de Políticas Sociais do Unicef no Brasil, se a pobreza infantil não tiver atenção desde o início, os impactos podem ser duradouros e prejudicarem não só o futuro das famílias, mas também do próprio país.
Qualquer direito que não seja garantido na idade certa pode ter consequências a médio e longo prazo. Se não tivermos crianças desenvolvidas, não teremos adultos que possam contribuir economicamente, por isso é importante dar prioridade a esse acesso na idade certa.
A representante lembra ainda que “a renda não resolve todo o problema da vulnerabilidade”, visto que problemas na alimentação – o Ceará reduziu a proporção de jovens em insegurança alimentar de 59,2% para 44,2% –, na moradia e no transporte podem comprometer os ganhos educacionais infantis.
Assim, pontua a necessidade de se investir nas famílias como um todo através da proteção social. “É preciso assegurar não só renda, mas trabalho, carteira assinada e segurança para que isso se reflita nos direitos e evite o trabalho infantil. O núcleo familiar constitui o primeiro entorno de segurança e garantia de direitos, junto ao estado e comunidade”, sublinha.
O Fundo ainda recomenda que a pobreza infantil multidimensional seja mensurada e incorporada como estatística oficial do Brasil, sendo base para o desenvolvimento de políticas públicas.
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Dados do Brasil
Nacionalmente, dos 34,3 milhões (62,5%) contabilizados em 2017, o número caiu para 28,8 milhões (55,9%), em 2023. Com relação à pobreza multidimensional extrema, o número passou de 13 milhões (23,8%) para 9,8 milhões (18,8%), no mesmo período.
O percentual de jovens privados de renda caiu de 25,4% em 2017 para 19,1%. Na dimensão água, a queda foi de 6,8% para 5,4%. Na dimensão de saneamento, foi de 42,3% para 38%. Eram 13,2% crianças e adolescentes sem acesso adequado a moradia em 2017, caindo para 11,2% em 2023.
O estudo mostrou ainda que houve melhora na dimensão segurança alimentar. Em 2018, 50,5% das crianças estavam em situação de insegurança alimentar. Em 2023, foram 36,9%.
No geral, a análise indica avanços na maioria dos estados. Embora o Norte e Nordeste mantenham os maiores desafios, houve reduções de até 10 pontos percentuais da pobreza multidimensional em alguns estados dessas regiões, entre 2017 e 2023.
O Relatório conclui pela necessidade de “persistir no desenvolvimento e na implementação de políticas públicas multifacetadas, assim como de políticas específicas para grupos em situação de maior vulnerabilidade social”.
“Além de focar na redução da pobreza monetária, essas políticas devem garantir também acesso igualitário e de qualidade a serviços básicos”, finaliza.