Projeto prevê desapropriar 700 famílias para urbanizar afluentes de um dos principais rios de Fortaleza

A iniciativa busca a recuperação socioambiental de riachos e canais afluentes do rio Maranguapinho e a melhoria das condições de habitação de quem mora no entorno

Escrito por
Gabriela Custódio gabriela.custodio@svm.com.br
(Atualizado às 13:09)
Casas em rua às margens de afluente do rio Maranguapinho
Legenda: Intervenção nos Afluentes do Rio Maranguapinho foi uma das propostas selecionadas em maio de 2024 para a modalidade “Periferia Viva - Urbanização de Favelas” do Novo PAC, do Governo Federal
Foto: Ismael Soares

Um projeto do Governo do Estado do Ceará prevê desapropriar 700 famílias que vivem em áreas próximas a riachos e canais afluentes do Rio Maranguapinho, em Fortaleza. A intervenção foi uma das propostas selecionadas para a modalidade “Periferia Viva - Urbanização de Favelas”, do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), do Governo Federal, em maio de 2024.

O objetivo do Projeto de Urbanização dos Afluentes do Rio Maranguapinho, de acordo com a Secretaria das Cidades (SCidades), é melhorar as condições de habitação dessas pessoas e realizar a recuperação socioambiental de seis afluentes — cursos d’água menores que desaguam em um rio principal. A reportagem questionou à Pasta sobre quantas famílias já foram desapropriadas até o momento, mas não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.

Em meio às medidas para implementar as obras, o Governo do Estado publicou um decreto, no último 23 de julho, em que declara um terreno com pouco mais de 4 mil m², no bairro Granja Portugal, como local de utilidade pública para desapropriação.

Ainda sem essa formalização por parte do Governo do Estado, os moradores dessa área já têm consciência de que esse momento vai chegar, explica Marcos Arcanjo, liderança local do bairro. Isso porque outras famílias que viviam perto dali já passaram pela desapropriação no mesmo processo de urbanização dos afluentes do Maranguapinho.

“Esses afluentes foram sendo urbanizados por etapas. Então, esse é um decreto complementar a uma área que já está em processo de remoção há algum tempo. Inclusive, na área anterior, algumas famílias ainda nem saíram totalmente, porque questionam os valores, questionam a ação em si de sair de onde moram”, afirma Arcanjo.

A intervenção nos afluentes de um dos principais rios de Fortaleza é uma complementação do Projeto Rio Maranguapinho, que é ainda maior e abrange a região metropolitana. As obras tiveram início em 2009 e, entre as ações já realizadas, estão a construção de uma barragem, a eliminação de 21 das 22 áreas de risco propostas e a desapropriação ou indenização de 5.902 famílias, segundo informações atuais da SCidades.

Veja também

Para o projeto voltado aos afluentes do Maranguapinho, o orçamento é de mais de R$ 83 milhões — sendo cerca de R$ 69 milhões da União e R$ 14 milhões do Estado. Atualmente, a SCidades afirma que está trabalhando na elaboração dos projetos executivos e de leis, além do cadastramento das famílias a serem afetadas e/ou beneficiadas.

A Secretaria afirma que já iniciou os trabalhos de cadastramento das famílias envolvidas e está em fase de contratação de uma Organização da Sociedade Civil (OSC) para realizar trabalhos sociais junto à área de atuação do Projeto.

O Projeto de Urbanização dos Afluentes do Rio Maranguapinho prevê as seguintes ações:

  • Drenagem e limpeza dos canais;
  • Implantação de vias em uma das margens dos canais;
  • Implantação de passeios;
  • Passarelas ligando as duas margens, quando necessário;
  • Desapropriações dos imóveis que estão às margens dos riachos e em situação de risco;
  • Ampliação e implantação de rede coletora de esgoto e abastecimento de água, pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).

O planejamento enviado pela Pasta detalha a realização de todas as etapas — da aquisição do terreno à avaliação pós-intevenção — até setembro de 2028. Mas o cronograma ainda precisa ser aprovado pelos órgãos competentes e pode ser alterado, dependendo do início da implantação efetiva do projeto de urbanização.

Uma das ruas do terreno que será desapropriado
Legenda: O terreno declarado de utilidade pública para desapropriação tem pouco mais de 4 mil m² e está localizada no bairro Granja Portugal, em Fortaleza
Foto: Ismael Soares

Ao todo, de acordo com a SCidades, o projeto prevê que, entre as 700 famílias que serão afetadas, 400 serão indenizadas, com orçamento previsto de R$ 40 milhões por meio de recursos do Estado.

As outras 300 famílias serão reassentadas nos Residenciais Vila Nova I e II, no bairro Quintino Cunha, pelo Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e no Residencial Urucutuba, no bairro Granja Lisboa, por meio do Programa de Atendimento Habitacional através do Poder Público (Pró-Moradia).

R$ 40 milhões
É o valor previsto para as 400 indenizações com recursos do Estado

A SCidades também detalhou quantas desapropriações estão previstas para cada trecho do projeto:

  • Canal 1: 1,4 km e 280 desapropriações;
  • Canal 2: 0,2 km e 80 desapropriações;
  • Canal 3: 0,3 km e 0 desapropriações;
  • Canal 4: 1,0 km e 210 desapropriações;
  • Canal 5: 1,0 km e 150 desapropriações;
  • Canal 6: 0,2 km e 0 desapropriações.

Veja, abaixo, o mapa geral do projeto de urbanização dos afluentes do rio Maranguapinho:

Mapa do projeto para requalificação dos afluentes do Rio Maranguapinho
Legenda: Mapa da intervenção do projeto de urbanização dos afluentes do rio Maranguapinho
Foto: Reprodução/Secretaria das Cidades

Estimativa de impacto

O número exato de pessoas e imóveis que serão atingidos pela desapropriação no bairro Granja Portugal, prevista no decreto de 23 de julho, não foi informado pela Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE), responsável por esse processo. Em nota enviada à reportagem, o órgão explicou que esse levantamento ainda não foi finalizado e, por isso, os moradores ainda não foram notificados.

Apesar de ainda não haver números oficiais, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mapeou, durante a realização do Censo Demográfico 2022, 19 endereços que estão localizados dentro da região que será desapropriada. Todos os locais recenseados naquele ano estão registrados no Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (Cnefe).

Para chegar a essa quantidade estimada de imóveis atingidos, o Diário do Nordeste cruzou a base do Cnefe com as informações sobre o polígono descrita no anexo I do decreto nº 36.753, que detalha as coordenadas da área declarada de utilidade pública.

Casas em área próxima a rio
Legenda: Segundo a Secretaria das Cidades do Governo do Ceará, 700 famílias serão afetadas pelas obras de urbanização
Foto: Ismael Soares

Com auxílio de ferramenta de inteligência artificial, foi criado um algoritmo na linguagem de programação python para transformar as informações georreferenciadas do decreto em um polígono, para conseguir visualizar a área a ser desapropriada em um mapa. Isso também permitiu filtrar as coordenadas dos endereços do Cnefe e selecionar apenas aqueles que estão localizados dentro da área delimitada pelo documento.

Como resultado dessa consulta, o Cnefe mostra que, durante a realização do Censo Demográfico de 2022, o local contava com 17 endereços caracterizados como “domicílio particular” e outros dois identificados como “estabelecimento de outras finalidades”.

Porém, em um caso, há sobreposição entre um dos comércios e uma casa. Em outra situação, duas casas aparecem bastante próximas, dificultando a visualização no mapa. 

Veja abaixo:

De acordo com a nota da PGE, o órgão quer concluir essa etapa inicial de levantamento “o mais breve possível” e “de forma melhor encaminhar os processos e acolher as pessoas envolvidas”. Além disso, foi destacada a intenção de conduzir o diálogo com os moradores de forma que as pessoas recebam indenizações “dignas e justas” pela desapropriação e não fiquem desassistidas.

A Procuradoria intenciona acolher em forma de indenização inclusive os moradores da área que não dispõem da propriedade do imóvel, apenas da posse. O objetivo é garantir a todas as pessoas um tratamento digno e adequado no trato da questão.
Procuradoria-Geral do Estado
Em nota enviada à reportagem

Vista de uma ponte sobre um rio, com uma grade simples
Legenda: Mesmo sofrendo com cheias do rio em época de chuvas, algumas famílias que vivem próximo ao Maranguapinho e seus afluentes resistem à saída do local
Foto: Ismael Soares

“Eles estão aguardando. Alguns, com preocupação”, explica liderança comunitária

Com foco nos riachos e canais afluentes do Maranguapinho, o projeto busca, segundo a Secretaria das Cidades, “integrar as periferias à vida da cidade, reduzindo desigualdades socioterritoriais e promovendo melhorias nas condições de vida”.

Porém, parte da população que tem sido afetada por essas desapropriações têm resistido à mudança de moradia, afirma Marcos Arcanjo, liderança local na Granja Portugal.

Ainda que, a cada cheia do Maranguapinho, moradores sejam afetados pelo transbordamento da água, algumas dessas famílias questionam a saída do local onde sempre viveram. Um dos motivos é por não concordarem com o valor pago nas indenizações.

Veja também

“Mesmo o valor tendo sido avaliado a partir de um técnico, de um profissional, eles questionam, porque a casa deles é em uma área que tem alguns elementos que desvalorizam (o imóvel). Quando eles vão sair dali para ir para outro espaço, eles não encontram outras casas com o mesmo valor”, explica Marcos Arcanjo.

Além disso, também pesa o fato de se sentirem “arrancados” do espaço onde vivem e nutrem lembranças e histórias. “Mesmo morando em áreas de risco, elas (as famílias) têm uma relação de identidade, de construção dos laços sociais e familiares no território e se recusam a sair”, finaliza o líder comunitário.

Newsletter

Escolha suas newsletters favoritas e mantenha-se informado
Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados