Depois da COP 30, segue a luta e a necessidade de ouvirmos as ciências indígenas
Da Aldeia Mundo Novo, no Ceará, Teka Potiguara acompanhou a conferência global que reuniu milhares de delegados indígenas. Para ela, a luta é local e global.
Nos últimos meses, Teka Potiguara deixou a Aldeia Mundo Novo, no município de Monsenhor Tabosa, e viajou até Fortaleza para participar de eventos com o intuito de discutir temas a serem levados para a COP 30, a conferência do clima que aconteceu em Belém, no mês de novembro. “Acho que a nossa parte como indígena estamos fazendo. Não estamos desmatando nem fazendo queimadas. Estamos preservando as matas, as caças e os animais”, diz ela. “Estamos fazendo a nossa parte de deixar a mata em pé”, diz.
O evento acabou sem que os países se comprometessem de fato com a eliminação de combustíveis fósseis e do desmatamento, mas ficou marcado pela ampla participação dos povos ancestrais. Em plena Amazônia, quase 3 mil delegados indígenas participaram do evento global, levando seu conhecimento e lutas pela conservação da natureza. Teka Potiguara não cortou o norte do país até o Pará, mas acompanhou tudo da Aldeia Mundo Novo.
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“Eu não fui para a COP 30, mas acompanhei tudo daqui. Foram vários companheiros indígenas do Ceará: Tapeba, Tabajara. Minha participação maior foi na pré-COP”, conta. Antes da cúpula do clima, Teka falou para parentes e não indígenas sobre os riscos do aquecimento global e a necessidade de frear o desmatamento.
Em meio a tudo isso, ela conta que sua luta é global, mas também local. “A gente também luta pela demarcação do nosso território. Uma coisa é o território, a outra é a terra”, diz. “O território tem muitas riquezas. Tem pintura rupestre, a caça, a pesca,a medicina tradicional, as árvores em extinção”, enumera. Dos museus aos sítios arqueológicos, o povo Potiguara tenta preservar o máximo de tudo. Luta pela demarcação, luta contra a mineração de urânio. Sabe que é preciso respeitar a ancestralidade para manter o equilíbrio e garantir o futuro.
A milhares de quilômetros da aldeia onde Teka mora, na Amazônia, especialistas indígenas e não indígenas têm defendido que, para haver futuro, os não indígenas precisam entender que o conhecimento indígena é ciência. Há poucos meses, fiz um trabalho com alguns deles para o veículo jornalístico Sumaúma. À distância, ouvi uma aula de Francy Baniwa e Justino Rezende, que ressaltavam a necessidade de considerar seus fundamentos filosóficos, científicos e políticos e suas contribuições para a sustentabilidade nestes tempos de emergência climática.
Justino, que é doutor em antropologia social pela Universidade Federal do Amazonas, onde atua como pesquisador, e também foi o assessor e especialista em questões indígenas durante o Sínodo da Amazônia no Vaticano, nos lembra que todos os povos têm capacidade de pensar sobre o mundo, sobre seus territórios, sobre diversidade de vidas.
“Não existe nenhum povo que não consiga fazer essa leitura profunda de sua realidade. A antropologia, ou filosofia ocidental grega, chamou isso de cosmologia, cosmovisão, cosmovivência. Então [é] este sentir, [esta] capacidade de enxergar, de saber organizar. Em Tuyuka se diz wedé-iño-tiré, que significa “falar-mostrar-fazer”. Essa é a aplicação da ciência, a aplicação dos conhecimentos que os nossos especialistas vão elaborando a partir da sua compreensão do cosmo, do mundo, dos territórios, do mundo das águas, das florestas, através de diversas práticas de vida”, bem pontuou.
Com Francy Baniwa e seu livro Umbigo do Mundo, recebemos um convite para nos iniciar a outros saberes, outras fórmulas.
“Às vezes, você acha que já conhece seu mundo porque nasceu para esse mundo seguindo regras, seguindo orientações, mas você nunca questiona o porquê de toda essa orientação rígida, que tem a ver com o corpo, que tem a ver com lugares sagrados, que tem a ver com território, que tem a ver com o humano e os animais do território, com o território vivo.Mas você nunca se questiona sobre o processo de como isso surgiu”, disse naquela aula para Sumaúma.
Ela conta que escrever o Umbigo do Mundo sob a orientação do pai a fez repensar mil vezes o próprio mundo, a partir das explicações sobre as ciências indígenas, as antropologias indígenas e os conceitos Baniwa. “É olhar para o mundo e saber que aquele mundo é vivo, respira como nós, é um grande xamã. Você vê que está em um território vivíssimo. Tem que ter esse olhar”, ela disse naquela ocasião.
Precisamos aprender com os indígenas como olhar para este mundo para produzir futuros possíveis. A COP 30 em Belém diversos povos dos mais variados lugares do Brasil, embora tenha deixado mesmo compromissos — necessários! — pelo caminho como tantas outras conferências. Que na luta que vai continuar, as ciências e vozes indígenas sejam protagonistas.