Obras de urbanização do Rio Maranguapinho ocorrem há 11 anos

Intervenções de limpeza do manancial e melhorias no entorno estão divididas em oito trechos, dos quais quatro passam por obras. Milhares de famílias que vivem em situação vulnerável aguardam negociações para serem realocadas

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br
Legenda: Moradores reclamam da falta de estrutura: mau cheiro e esgoto a céu aberto
Foto: Foto: Camila Lima

No quintal da dona de casa Francimar Silva, de 52 anos, correm as águas do Rio que trazem mau cheiro durante o dia e muitos pernilongos à noite. Há quatro anos, ela vive no Parque Genibaú, em Fortaleza, onde algumas casas já foram desapropriadas e deixaram apenas ruínas. Ela é uma das milhares de cearenses afetadas pela requalificação das margens do Maranguapinho, considerada a maior obra de intervenção urbana do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal, que abrange os municípios de Fortaleza, Maranguape, Maracanaú e Caucaia.

A obra, cuja ordem de serviço foi iniciada em novembro de 2008, se avoluma há 11 anos. A última atualização da Secretaria das Cidades do Governo do Estado é que foi solicitada a prorrogação do prazo de conclusão para dezembro de 2021. Em evento no início de setembro, porém, o governador Camilo Santana declarou que quer entregar a margem direita do Maranguapinho e todos os 23 km de limpeza e dragagem do manancial "até o fim de 2022".

"Fizeram (o cadastro para realocação) das outras casas aí. Aqui, já são outras pessoas. A gente não tem onde morar e construímos aqui. Mora eu, minha filha e um neto", explica dona Francimar. Ainda que precário, ela tem zelo com o lugar em que vive e faz questão de mantê-lo limpo e organizado. Sua maior vontade "é uma casa própria para dar um bom lar ao neto", embora haja dificuldade para conseguir um emprego.

Segundo a Secretaria das Cidades, 3.256 famílias ainda devem ser retiradas das margens do Maranguapinho. O número é semelhante às 3.071 famílias fornecidas pela Pasta em junho de 2018, quando a reportagem do Diário do Nordeste acompanhou a situação de outros moradores do entorno do manancial ao fim da quadra chuvosa. Os grupos que aceitam a mudança são realocados para o Residencial Cidade Jardim, no José Walter, bairro de Fortaleza.

O órgão declarou que a retirada das famílias "demanda tempo", já que depende das negociações de indenizações e pagamento dos valores. "Informamos ainda que as famílias estão sendo chamadas conforme as obras vão avançando, para que não possa haver uma reocupação na região", emenda.

Esperança

Ana Maria Borges é uma das que está próxima de sair de onde há 20 dos 52 anos de idade mexe nos tijolos, plásticos e pedaços de madeira para se abrigar. Ela já negociou com o Estado, vai receber uma quantia em dinheiro, que preferiu não comentar, e planeja o futuro longe dos prejuízos que a chuva traz para o lugar. "Eu vou comprar um quartinho pra mim em outro canto que não seja no brejo de um rio. Aqui é enchente todos os anos que a gente passa, aqui a gente é desprezado. No próximo mês, se Deus quiser, eu saio daqui", conta.

Quem também gostaria de ter a situação resolvida é o mestre de capoeira Everardo Gomes, 55, que há 40 anos vive às margens do Rio e que procurou os órgãos públicos para encontrar um novo lar.

Eu é que fui lá várias vezes atrás e o que me dizem é que vão mandar um técnico para analisar o meu caso, só que ele nunca chegou. E a gente fica à mercê do tempo, desse matagal, dessa podridão

O homem viu outras casas serem derrubadas e alguns vizinhos saindo do local, mas ele mesmo não tem expectativas de sair da rua em que mora, onde não há serviços básicos, como abastecimento de água e energia elétrica, e não passa coleta de lixo. Os materiais são despejados a céu aberto e atraem a presença de animais peçonhentos, como cobras e escorpiões. Não há indicadores ambientais por parte da Secretaria das Cidades.

Waleska Eloi, coordenadora da Pós-Graduação em Tecnologia e Gestão Ambiental do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), reforça que o monitoramento da qualidade da água do manancial deveria ser realizado continuamente para, caso houvesse alteração de indicadores, "aplicar intervenções e impedir que ele se degrade ainda mais".

Recuperação

A especialista lembra que o acúmulo de sedimentos ocorre naturalmente nos cursos do rio, mas é potencializado pelo despejo irregular de lixo. "Essas requalificações têm seu lado bom, mas muitas vezes elas apenas minimizam o problema naquele momento. Tirar o resíduo momentaneamente não vai resolver. Você precisa de uma requalificação que envolva também o reflorestamento - claro, estamos falando de uma área urbana, então você não vai ter uma floresta - porque a vegetação é um dos fatores que vai segurar o sedimento e atenuar as enchentes", avalia.

No entanto, para minimizar o problema, a Secretaria informou que tem realizado um Plano Socioambiental com programações marcadas até janeiro de 2020 em trechos já urbanizados. Ele inclui atividades como mutirões ambientais, palestras e teatro de fantoches em escolas, que visam a limpar as regiões do entorno do Rio e sensibilizar os moradores para questões ambientais do lugar. Uma das principais metas é evitar a reincidência de focos de acúmulo de lixo. As atividades são realizadas em parceria com órgãos estaduais e municipais.

Atualmente, ocorrem tanto a dragagem do rio entre a Avenida Fernandes Távora e a barragem do curso d'água, em Maracanaú, e a urbanização de três áreas: a margem direita dos Trechos 0 (da Av. Mister Hull à Av. Independência), III A (entre as Avenidas General Osório de Paiva e Jardim Fluminense) e III B (entre as Avenidas Jardim Fluminense e o 4º Anel Viário), e a esquerda do III B.

A requalificação completa do rio Maranguapinho está orçada em torno de R$ 659 milhões, sendo R$ 385 milhões do orçamento da União - 58% do total - e mais R$ 274 milhões do Tesouro Estadual.