Projeto prevê demolir Ponte Velha do Poço da Draga, erguida há mais de 100 anos em Fortaleza, diz SPU

Construção do século XX é ocupada por fortalezenses e turistas diariamente, em meio a ferrugem e pilares desgastados

Escrito por Theyse Viana e Dahiana Araújo , ceara@svm.com.br
Pessoas passeio pela Ponte Velha, no Poço da Draga
Legenda: Local de pesca para moradores da Comunidade do Poço da Draga, a Ponte Velha virou "point" para pessoas de toda a cidade
Foto: Thiago Gadelha

Ponto de lazer para fortalezenses e turistas e símbolo de pertencimento para a comunidade, a Ponte Velha do Poço da Draga, na Praia de Iracema, pode ser demolida devido aos danos da atual estrutura. A informação foi obtida pelo Diário do Nordeste com Vandesvaldo Moura, superintendente da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) no Ceará.

Segundo o gestor, a SPU retomou, no último mês, o diálogo com a Prefeitura de Fortaleza a fim de avaliar alternativas para a Ponte. "A demolição é uma das possibilidades, talvez seria a metodologia mais fácil, mas acho que precisamos mesmo é revitalizar", destaca.

Moura afirma que a SPU, co-responsável pela gestão da orla, aguarda elaboração de plano pelo Município para definir o destino da Ponte Velha. Ele frisa que as tratativas sobre isso foram iniciadas ainda na gestão do prefeito Roberto Cláudio, quando Fortaleza assumiu a gestão da orla por 20 anos, por meio de assinatura de termo.

Eu nasci e me criei em Fortaleza, e como fortalezense sei que demolir seria apagar uma parte da nossa História. Estamos buscando soluções, queremos sugestões.
Vandesvaldo Moura
Superintendente da Sec. de Patrimônio da União no Ceará

Inicialmente, o projeto entre SPU e Prefeitura chegou a prever a construção de um muro de contenção para que pedestres e banhistas não acessassem a Ponte e não se machucassem. A reportagem solicitou acesso ao documento, mas Moura informou que "precisaria ser revisto", já que "foi feito há muito tempo".

O Diário do Nordeste procurou o gabinete da Prefeitura de Fortaleza para falar sobre as possibilidades de demolição da ponte e sobre as tratativas com a SPU, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Ocupação da Ponte Velha 

Em fins de semana, feriado e até dia útil, o Poço da Draga vira anfitrião para gente de todo canto. Saltar da Ponte Velha, mergulhar e contemplar o intrigante Mara Hope entrou no roteiro da cidade. Mas em meio à beleza, há ruínas – estrutura e memória são levadas dia a dia pela maresia, sem resgate.

A ponte que já foi porto, antes de o Mucuripe existir, parece ter sido relegada ao esquecimento. Os pilares e lajes restantes sucumbem à ferrugem, as muretas que ainda não caíram no mar estão bambas, rachadas, e as ferragens do teto se penduram como espetos.

O Diário do Nordeste contatou a Defesa Civil de Fortaleza, que informou não haver ações ou processos abertos relacionados à ponte.

De acordo com o termo firmado entre Prefeitura e SPU, a responsabilidade por gerir e manter praias e bens de uso comum é compartilhada entre 20 órgãos que compõem o Comitê da Gestão das Praias Marítimas Urbanas do Município de Fortaleza, entre eles:

  • Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma);
  • Secretaria Municipal do Turismo de Fortaleza (Setfor);
  • Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP);
  • Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor);
  • Secretaria Regional II;
  • Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinf);
  • Secretaria Municipal do Planejamento, Orçamento e Gestão (Sepog);
  • Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis);
  • Capitania dos Postos do Estado do Ceará (CPCE);
  • Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace);
  • Secretaria do Meio Ambiente do estado do Ceará (Sema).

Pilares da Ponte do Poço da Draga desgastados
Legenda: Pilares e estruturas da Ponte Velha são dominados por ferrugem; em alguns trechos, colunas já ruíram
Foto: Thiago Gadelha

Em fevereiro de 2020, o projeto “A queda é livre”, selecionado por edital do Instituto Cultural Iracema (ICI), previa a instalação de uma escada de metal na Ponte Velha e de um deck flutuante no mar, itens de lazer. A pandemia chegou e a intervenção nunca aconteceu.

Em nota, o ICI informou que exigiu dos autores do projeto um laudo técnico da Capitania dos Portos, atestando a instalação, e acrescenta que o prazo de finalização do “A queda é livre” e prestação de contas dos R$ 6 mil investidos é até setembro de 2022.

Legenda: Ideia é instalar uma escada de marinheiro metálica de cerca de 13 metros, com degraus antiderrapantes, além de um deck flutuante no mar
Foto: Reprodução

“Existe risco considerável de colapsar”

O professor Esequiel Mesquita, pesquisador do Laboratório de Reabilitação e Durabilidade das Construções, da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que em regiões costeiras, como o Poço da Draga, o processo natural de degradação de estrutura é acelerado, já que os sais oxidam as ferragens e geram fissuras no concreto.

Por se tratar de uma construção histórica, a preocupação é aumentada, uma vez que foi erguida com “materiais mais antigos, com porosidade maior e resistência menor, sendo mais vulneráveis do que as estruturas atuais”, como contextualiza o engenheiro.

Ponte Velha
Legenda: Jovens se arriscam, diariamente, em saltos da ponte ao mar; uma das estruturas resiste com apenas 3 pilares
Foto: Thiago Gadelha

Para apontar quais os reais riscos, precisaria visitar a ponte. Mas existe um risco considerável de a estrutura colapsar.
Esequiel Mesquita
Engenheiro e professor da UFC

Em nota, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio da Secretaria Executiva das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e Planejamento Urbano de Fortaleza, informou que irá instaurar um Procedimento Administrativo para averiguar as condições estruturais da Ponte Velha.

Importância histórica

Movimentação na Ponte do Poço da Draga nos anos 1930
Legenda: Hoje "Ponte Velha", estrutura recebeu o nome oficial de Viaduto Moreira da Rocha após reconstrução, em 1929
Foto: Arquivo Nirez/Reprodução Fortaleza Nobre

Não é a primeira vez na História que a ponte se rende aos efeitos da maresia. Inicialmente chamado de Ponte Metálica, o equipamento foi reconstruído em concreto, em 1929, devido ao comprometimento do material anterior.

Quase 100 anos depois, o problema se repete. Para Esequiel, a erosão poderia ter sido mitigada por medidas de manutenção frequentes, “mas não é sempre que os órgãos públicos têm as competências necessárias ou uma política acertada para isso”.

O engenheiro destaca que “é preciso que se adote medidas de vistoria para se avaliar o estado atual” da Ponte Velha, mas que “para recuperá-la de forma definitiva, é necessário um estudo histórico, com equipe multidisciplinar”.

É importante definir a geometria e os detalhes dos pilares, para manter a volumetria dessas peças históricas. Depois, desenvolver concreto com impermeabilização e resistência realçadas, para que haja mais durabilidade.
Esequiel Mesquita
Engenheiro e professor da UFC

Legenda: Moradias erguidas na Ponte do Poço da Draga em 1991
Foto: Ana Aragão/Arquivo Diário do Nordeste

Cândido Henrique, geógrafo e superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/Ceará), relembra toda a história que confirma a importância da Ponte Velha para o desenvolvimento e urbanização da cidade.

“Antes desse porto, Fortaleza era uma vila acanhada. Mas pela demanda econômica de exportar algodão e café, a estrutura portuária se desenvolveu. Tanto que (a atual Ponte do Poço da Draga) era interligada à ferrovia de Baturité”, recobra Cândido. As estacas dos trilhos podem ser vistas, ainda hoje, por quem frequenta o local.

A relevância histórica da Ponte Velha, aliás, está além do que se vê. Segundo o geógrafo, está sendo programada uma visita com arqueólogos ao local, já que há possibilidade de haver soterrados vestígios de peças, mercadorias, louças e até ossadas humanas dos séculos XIX e XX.

Por isso, a ponte que desenha a paisagem da Praia do Poço da Draga – comunidade que, ela mesma, é símbolo de resistência à especulação imobiliária – já é parte do Centro Histórico de Fortaleza, um polígono que ainda está sendo estudado e será delimitado pelo Iphan para tombamento como patrimônio histórico e arquitetônico do Brasil.

“É preciso resguardar o lugar e buscar processos de restauro onde haja necessidade. Outro ponto é a educação patrimonial da população: as pessoas precisam ter consciência do patrimônio que as cerca”, alerta Cândido Henrique.

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