Jovem do Grande Pirambu conquista bolsa integral para estudar na Universidade de Hong Kong

Cearense se destacou graças às medalhas nas Olimpíadas Científicas e, hoje, busca incentivar jovens a se interessar por essa área

Escrito por
Clarice Nascimento clarice.nascimento@svm.com.br
(Atualizado às 16:02)
A imagem mostra um jovem vestindo uma camiseta branca com um logotipo no lado esquerdo do peito. O logotipo tem um fundo amarelo, um ícone de uma mochila azul e o texto
Legenda: João Davi se destacou no Colégio Militar do Corpo de Bombeiros e, por isso, ganhou uma bolsa para estudar em uma escola privada de Fortaleza
Foto: Arquivo Pessoal

“A gente deve se orgulhar da nossa história e ver o quão alto a gente chegou, mesmo com tudo que nos limitou”. É com essa fala que o cearense João Davi de Morais Barbosa, de 19 anos, conta ao Diário do Nordeste a preparação para viver uma experiência do outro lado do mundo

O morador do Grande Pirambu, em Fortaleza, foi aceito na Universidade de Hong Kong, com bolsa integral que vai bancar os custos de vida, estadia e outras taxas. Logo mais, no fim do mês de agosto, João Davi partirá para uma experiência do outro lado do mundo. 

Em entrevista, João revela que o sonho de estudar fora do Brasil vem desde criança e não foi surpresa para a família quando a notícia saiu. “Desde pequeno, eu falava que queria ir para fora. Então, inconscientemente eu tava preparando todo mundo para isso”, afirma. 

Quando tinha 6 anos, João Davi se tornou aluno do Colégio Militar do Corpo de Bombeiros, no bairro Jacarecanga. Ainda criança passou por uma situação difícil: a perda do pai. Foi por meio da escola que ele, cheio de curiosidade, aprendeu as primeiras lições de vida.

Ao falar sobre sua trajetória, ele ressaltou: “História para mim não se compara. Cada um tem que se orgulhar de onde chegou porque só você sabe a cruz que carregou, os desafios que foram enfrentados”.

O caminho iniciou quando ele foi único cearense aprovado no Programa Oportunidades Acadêmicas do EducationUSA, em 2024, uma rede filiada ao Departamento dos Estados Unidos. Por meio dele, recebeu mentorias, custeio das aplicações para universidades americanas e outros auxílios. 

Foram cerca de 8 meses de um processo que teve um final diferente do que ele sonhava. Todas as 11 aplicações para as instituições americanas foram negadas.

“Como toda reprovação, vem um sentimento de decepção e tristeza. É ambíguo porque você também fica feliz com seus colegas que passam, mas fica pensando: poxa, quando vai ser a minha vez?”, diz

Mesmo com as negativas, desistir nunca foi uma opção. Foi então que uma nova oportunidade surgiu pelas redes sociais, era o ‘Second Chance’, um programa criado em 2018 que buscava auxiliar estudantes com bolsas de estudos revogadas. 

A equipe do programa procura, todos os anos, por estudantes brilhantes que tenham sido impedidos de acessar o ensino superior nos Estados Unidos e possam ser realocados em outras universidades com bolsas integrais. João Davi é o segundo brasileiro a passar pelo projeto.

Em poucas semanas, a candidatura foi avançando, com entrevistas em grupo e outras etapas. Até que, em maio deste ano, veio a notícia tão esperada: o jovem foi aprovado na Universidade de Hong Kong com uma bolsa 100%. 

“Eu consegui mudar tudo aquilo que estava contra mim em pouco tempo. Se não desse certo, eu ia dedicar mais um ano para as aplicações”, afirma

João Davi também foi aprovado, neste ano, em Jornalismo na Universidade Federal do Ceará (UFC) e em Ciências da Computação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em Hong Kong, ele irá estudar Humanidades e Tecnologias Digitais, uma área de estudos que envolve tecnologia com aplicação no mundo real e estudos humanísticos. 

“Aqui no Brasil, existe uma divisão de área. Já no exterior há muita integração e interdisciplinaridade”, afirma. 

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DESTAQUE E RETORNO À COMUNIDADE

Na escola pública João Davi descobriu as Olimpíadas Científicas e se destacou nessa área, conquistando medalhas e incentivando outros alunos a participarem também. Graças a essa visibilidade, João ganhou uma bolsa de estudos para uma escola particular de Fortaleza. Hoje, a instituição irá custear a passagem de ida dele para Hong Kong. 

Ele também recebeu o apoio do programa Primeira Chance, uma instituição sem fins lucrativos que busca promover a transformação social de jovens com vulnerabilidade econômica. Com essa bolsa, ele recebeu material didático gratuito, transporte para as atividades escolares, uniforme e acompanhamento escolar. 

João Davi mora no bairro Cristo Redentor, mas também frequenta a Barra do Ceará, onde a família vive. Esses dois bairros compõem a região do Grande Pirambu, a sétima maior favela do Brasil, conforme a plataforma Fortaleza em Mapas. 

Desde 1940, esse é um território que vive atrelado ao estigma de perigo, miséria e criminalidade. Para o jovem, essa é uma realidade que, infelizmente, ainda persiste, mas a principal ausência é a de oportunidades.  

“Eu vejo a área, infelizmente, ainda com uma parte muito violenta. A gente vê uma escassez de oportunidades, principalmente para alunos de escolas públicas. As próprias algumas escolas faltam recursos”, diz. 

Por isso, ele tenta retornar à comunidade todo apoio que recebeu. João foi presidente da Academia Jovem de Letras (AJL), onde promove literatura, poesia e artes para outros jovens. “Dou depoimento de como a literatura pode ajudar e salvar, independente da área que você siga”, afirma. 

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Com outros nove jovens de todo o mundo, João representa o Brasil no Pioneers Post, um programa de treinamento de seis meses em narrativa jornalística, promovido pela organização Theirworld. Até setembro de 2025, ele passará por workshops que abordam habilidades de narrativa e mentorias individuais. 

João conta que está realizando uma produção audiovisual sobre educação na primeira infância. Ele grava o cotidiano de uma creche da própria comunidade no Cristo Redentor, mostrando os desafios, os pontos positivos e dados sobre a região. O filme será apresentado na 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada no fim de setembro de 2025, em Nova York (EUA). 

Além disso, ele compõe um projeto social chamado Pitagóricos, que busca democratizar o acesso à educação de qualidade e preparar os estudantes para as Olimpíadas Científicas. João dedica parte do tempo para dar palestras e mentoria para alunos das escolas públicas e privadas para motivá-los e inspirá-los a transformar a vida por meio da educação. 

“Compartilho um pouco da minha trajetória para afirmar que sou a prova viva de que é preciso de uma vila para cuidar de uma criança”, escreveu nas redes sociais. 

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