Internações por câncer: Fortaleza recebe 70% dos deslocamentos de pacientes do interior do CE

Das 18,3 mil internações hospitalares por câncer no Estado, em 2021, em 53% dos casos o paciente precisou sair da cidade onde mora

Escrito por Gabriela Custódio , gabriela.custodio@svm.com.br
Pátio do Lar Amigos de Jesus
Legenda: O Lar Amigo de Jesus oferece abrigo a crianças com câncer vindas do interior do Estado e seus acompanhantes
Foto: Kid Junior

Percorrer uma distância de 531,5 km entre Salitre e Fortaleza para uma internação. Ou enfrentar 339 km de Tabuleiro do Norte a Barbalha para dar entrada em um hospital. Ir de Quiterianópolis a Sobral ao longo de 306 km de estrada. Esses são alguns exemplos dos quilômetros trilhados por pacientes do Ceará em 2021 para realizar tratamentos oncológicos.

De todas as 18,3 mil internações hospitalares por câncer no Ceará naquele ano, em mais da metade (53%) dos casos o paciente precisou sair da cidade onde mora para ter acesso ao tratamento. Os dados são do painel de deslocamentos e gastos hospitalares dos municípios brasileiros, do Tesouro Nacional, com filtro pelos códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID) associados a neoplasias malignas.

E na maioria (70%) dos 9.421 casos em que houve deslocamento partindo do município de residência, em 2021, a Capital, Fortaleza, foi o destino.

Naquele ano, viajar até a Capital tornou-se rotina para Natalia da Conceição, 32, e Yuri Rocha, 6. Após um diagnóstico de pneumonia, o pequeno ficou internado em Viçosa do Ceará — cidade onde mãe e filho moram. Em seguida, foi transferido para Sobral e, depois, para Fortaleza.

Na realidade, o diagnóstico correto era neuroblastoma, um câncer que acomete principalmente crianças menores de 10 anos, conforme o Instituto Nacional de Câncer (INCA).

Depois da transferência para Fortaleza, em março de 2021, foram diversas internações na capital para as sessões de quimioterapia, em que ele passava 7 dias no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS).

Natalia da Conceição e o filho, Yuri Rocha
Legenda: Depois de ser transferido para Fortaleza, em março de 2021, o pequeno Yuri, que mora em Viçosa do Ceará, internou-se várias vezes em Fortaleza para realizar sessões de quimioterapia
Foto: Kid Junior

O começo foi o período mais difícil, conta a mãe. O fato de passar apenas 3 dias da semana em casa e depois já voltar para Fortaleza e a "novidade" de toda a situação somavam-se às mais de 5 horas de duração das viagens constantes e à apreensão pelo sobe-e-desce da serra.

"Ao mesmo tempo, quando a gente vai entendendo o quanto a situação é grave, a gente acaba agradecendo a Deus por estar com ele bem. A gente acaba deixando a questão do desgaste de lado", complementa.

Origem e destino

Há pessoas saindo de todas as cidades do Ceará para se internar devido a tratamentos de câncer, mas uma pequena parte dos 184 municípios tem capacidade de receber a demanda de pacientes de todo o Estado. Ao todo, são 9 hospitais habilitados para atendimento a esses pacientes, 7 estão localizados em Fortaleza, 1 em Barbalha e 1 em Sobral.

Em 2021, o maior fluxo que ocorreu foi saindo de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, em direção à Capital. Também teve destaque, como segundo trecho mais realizado em 2021, a internação em Barbalha de residentes em Juazeiro do Norte, municípios localizados no Cariri cearense. Foram 489 deslocamentos entre as duas cidades ao longo daquele ano.

Já o principal fluxo com destino a Sobral, na região Norte do Ceará, partiu de Massapê, cidades distantes 19 km uma da outra. Foram 48 deslocamentos nesse trajeto.

A situação da oncologia no Ceará atualmente

Desde julho de 2023, o Diário do Nordeste vem acompanhando a dificuldade que os pacientes com câncer do Ceará que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) têm passado. Longas filas de espera, atraso para iniciar o devido acompanhamento médico e redução de vagas são alguns desses problemas.

No último dia 14 de agosto, 1.368 pessoas do Interior estavam na fila de regulação da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa) para consulta inicial e para cirurgia. Dessas, 243 aguardavam consulta inicial e 1.125 estavam na espera por cirurgia eletiva. Na Capital, mais 462 pessoas estavam na mesma situação, no dia 18 de agosto.

O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) tem acompanhado a situação devido a reclamações recebidas por meio de promotores e secretários de municípios do Interior. No dia 26 de julho, ocorreu uma audiência pública para debater o tema, e a próxima está marcada para o dia 30 de agosto.

Para a próxima sessão, foram solicitados:

  • As filas ambulatorial e cirúrgica;
  • Proposta para um custeamento tripartite da oncologia no Ceará.

A promotora de Justiça Ana Cláudia Uchôa afirma que, ao longo desse mês entre as duas sessões, a Sesa e a SMS "ficaram de atender o máximo de pessoas possível para poder dar vazão à fila, porque estava muito grande". Além da primeira consulta, o objetivo do MPCE é que os pacientes continuem sendo acompanhadas durante todo o tratamento.

"Quando tem recidiva, o paciente volta. Ele volta direto para a unidade, não entra mais nem na fila. É para dar uma garantia para o paciente, a qualquer momento, voltar lá, e é isso que estamos a pleitear", destaca. Após a primeira audiência, a promotora afirma que as reclamações do Interior diminuíram e que, em Maracanaú, os pacientes que estavam em uma fila de espera represada começaram a ser chamados.

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Para a promotora, ainda os primeiros passos foram dados, mas a situação da oncologia no Ceará ainda é "muito grave" e deve haver uma união entre Estado, Município e União para criar um plano de financiamento para a oncologia.

"Ainda está muito centralizado em Fortaleza, é muito sofrimento para os pacientes terem que sair do Interior para fazer um novo tratamento na Capital. É muito sofrido para ele e para a família dele", afirma.

Como noticiado no dia 1º de agosto, a Prefeitura de Fortaleza chegou a reduzir 1.170 vagas para consultas oncológicas iniciais disponibilizadas para a central de regulação da Sesa. Em janeiro de 2022, foram ofertadas 1.620 vagas, enquanto em janeiro de 2023 esse número caiu para 450.

Em entrevista, a coordenadora de Regulação, Avaliação, Controle e Auditoria das Ações e Serviços de Saúde da Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza (SMS), Helena Paula Guerra dos Santos, afirmou que foi acordado com o Estado que Fortaleza iria ofertar 600 vagas por três meses — julho, agosto e setembro.

A proposta, segundo a coordenadora, é que a Sesa amplie a cobertura de serviços oncológicos no Estado e essas vagas sejam uma "transição".

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A gestora explica que as consultas são possíveis graças à Programação Pactuada e Integrada (PPI), um instrumento que, entre outros aspectos, define os limites financeiros destinados à assistência da população do próprio município e de outras cidades.

"Eu precisava sanear financeiramente minha situação como município. (...) Acontece que eu só tenho pactuado do Interior, de modo geral, dos outros 183 municípios, cerca de 429 consultas por mês para oncologia. E eu vinha entregando um volume muito grande, desorganizado, que tava sufocando a minha capacidade instalada", explica.

Em nota, a Sesa informou que o plano de atenção à oncologia do Estado do Ceará está em construção, com previsão para ser apresentado na reunião da Comissão Intergestora Bipartite (CIB), que será realizada em setembro.

No mesmo mês, na segunda quinzena, há previsão de abertura do serviço de oncologia do Hospital Regional do Vale do Jaguaribe (HRVJ). Esse serviço preencherá o vazio assistencial existente nas regiões do Sertão Central e Litoral Leste, segundo a Secretaria.

TRANSPARÊNCIA

Para essa matéria, foram analisados dados do painel de deslocamentos e gastos hospitalares dos municípios brasileiros, do Tesouro Nacional, com filtro pelos códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID) associados a neoplasias malignas. Disponibilizamos os dados neste link para garantir transparência e permitir outras análises.

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