Escola do CE cria óculos de leitura para pessoas cegas ou com baixa visão e vence prêmio nacional

Equipamento com microfone é capaz de processar materiais impressos e realizar a descrição de ambientes em tempo real

Escrito por Nícolas Paulino* , nicolas.paulino@svm.com.br
Equipe cearense vence disputa nacional após criação de solução
Legenda: Equipe cearense vence disputa nacional após criação de solução
Foto: Nícolas Paulino

A Escola Estadual de Educação Profissional (EEP) Prof. Francisco Aristóteles de Sousa, em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza, foi uma das vencedoras do prêmio Solve For Tomorrow 2024, que reconhece projetos de inovação com grande impacto social. O anúncio ocorreu em cerimônia na manhã desta terça-feira (3), em São Paulo. Ao todo, 10 iniciativas de todo o país foram finalistas.

O Solve for Tomorrow  (Respostas para o Amanhã) Brasil é uma iniciativa da Samsung que estimula estudantes do Ensino Médio de escolas públicas a identificar problemas reais e desenvolver soluções baseadas em ciência e tecnologia.

Cearenses comemoram destaque na competição
Legenda: Cearenses comemoram destaque na competição
Foto: Nícolas Paulino

A EEP cearense venceu o 3º lugar do Júri Técnico, formado por especialistas em educação, ciências da natureza e matemática e até do Ministério da Educação (MEC). O projeto premiado foi o “E-Vision”, um protótipo de óculos especial feito para auxiliar pessoas com deficiência visual, baixa visão ou dislexia. 

De acordo com o professor Rodrigo Castro, analista de sistemas e coordenador da equipe, a ideia partiu de uma inquietação: um ex-aluno da escola é cego e enfrentou barreiras pedagógicas para ter acesso aos mesmos recursos dos demais. O material didático adaptado em braille, por exemplo, só chegava meses após o início do ano letivo.

"Ele estava dentro de um curso muito intenso, em tempo integral. Então, a gente visualizou como podemos proporcionar, de forma mais imediatista, que uma pessoa assim possa ser engajada no contexto educacional e ter as informações como todas as outras", explica. 

Para dar melhores condições a outros estudantes com a mesma condição, no início deste ano, uma equipe de oito alunos do 2º ano da turma de Rede de Computadores topou a empreitada de criar um dispositivo tecnológico para transformação de dados visuais em áudio.

O resultado foi um projeto de visão computacional dotado de uma assistente virtual, batizada de "Ivy", capaz de obedecer comandos básicos pré-definidos, incluindo leitura de textos escritos, slides e até mesmo de ambientes (descrição do que está acontecendo ao redor).

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Como funciona o óculos?

Com o óculos acoplado na cabeça, o usuário aciona a assistente e faz o pedido num microfone. "Ivy, ler texto". É preciso ficar parado por 3 segundos para que ela capture o registro do que se está olhando. Em seguida, o texto tratado é devolvido em áudio narrado num fone de ouvido.

Ivy foi testada tanto com o ex-aluno da escola como com estudantes de um instituto em Fortaleza especializado no atendimento à deficiência visual. O feedback foi positivo, segundo o professor.

"Eles não querem ser só um número, uma estatística de inclusão, mas querem ter o direito de aprender de fato", ressalta Rodrigo.

"Nosso produto ajuda, mas sempre existe algo a melhorar. Pediram para gente agregar mais funcionalidades ao que a ferramenta já traz".  

Além de alunos com deficiência visual leve, o óculos pode ser utilizado por pessoas com baixa visão e dislexia. A equipe está buscando parcerias para consolidar novos protótipos e dar mais oportunidade e estímulo a esses estudantes.

O E-Vision foi desenvolvido por Jadson da Silva, Ana Caroline Bandeira, Francisca Ferrer, Kayane Almeida e Sophia Martins. Além do Solve for Tomorrow, o projeto foi apresentado no Ceará Científico (1º lugar na categoria Robótica), na Feira do Conhecimento promovida pelo Governo do Ceará e no Siará Tech Summit 2024.

Como premiação do Solve For Tomorrow, cada estudante recebeu um smartwatch e um fone de ouvido sem fio. Além disso, a escola receberá um projetor, além de troféu, placa comemorativa e selo digital.

Outro destaque cearense

O Ceará tinha outros representantes na competição. Os alunos da Escola de Ensino Médio de Tempo Integral (EEMTI) Marconi Coelho Reis, de Cascavel, criaram a Membrana Polimérica Biodegradável (MPB). Ela promove o tratamento de água de forma acessível, eficaz e sustentável para uso doméstico, comunitário e industrial em regiões que enfrentam problemas de acesso à água potável.

A Escola Marconi Coelho já recebeu o 1º lugar do Júri Técnico em duas ocasiões. A primeira vez foi em 2019, tendo reconhecida uma matriz polimérica biodegradável a partir de folhas de goiaba que pode ser usada em curativos para vítimas de queimaduras ou pessoas com lesões cutâneas.

O bicampeonato veio em 2022, com o projeto Arbocaps. A equipe responsável produziu cápsulas que, quando colocadas em água parada, liberam gradualmente biocompostos que combatem a proliferação do mosquito Aedes aegypti, responsável por transmitir dengue, zika e chikungunya - problemas de saúde pública no Estado.

Na edição passada, em 2023, a escola também venceu o Júri Popular com o projeto “PectiVitalis: Revestimento Sustentável Anti-Desperdício para Frutos”. O produto comestível e biodegradável, à base de pectina e outras fibras extraídas da casca do maracujá, podia ser aplicado em frutas, legumes e verduras para aumentar a vida útil desses alimentos.

Descentralização do conhecimento

No Brasil, o Respostas para o Amanhã é coordenado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e estimula o interesse de jovens de escolas públicas em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (abordagem STEM). 

Helvio Kanamaru, diretor de Cidadania Corporativa da Samsung para a América Latina, destaca que nenhum projeto finalista veio de uma capital estadual. Assim, o programa dá visibilidade ao conhecimento produzido em áreas que, muitas vezes, estão fora do radar das redes de ensino.

“Às vezes, as ideias nem são super inovadoras - e nem precisam ser. Mas para aquele contexto, para aquele grupo, é um diferencial. Eles conseguiram materializar uma ideia que tem o objetivo de ajudar a comunidade onde eles estão. Essas são competências importantes que amadurecem durante o programa”, explica.

Para Letícia Araújo, coordenadora de programas e projetos do Cenpec, essa evolução é um dos principais ganhos da iniciativa. “São grandes os desafios que eles têm para conciliar os projetos com a vida escolar. Eles aprendem a se organizar, a dividir tarefas, a ter uma colaboração mais efetiva e entender melhor o processo de iniciação científica”, comemora.

“Em educação, todos ganham. A visão aqui é o quanto eles se desenvolveram e estarão empoderados para definir seus caminhos daqui pra frente”, completa Kanamaru.

Projetos vencedores

As iniciativas desenvolvidas pelos estudantes de todo o Brasil identificam problemas das comunidades onde estão inseridos. Nesta edição, eles deram soluções para o descarte incorreto de isopor, sonolência de motoristas, monitoramento de áreas de risco e falta de água potável, dentre outros temas. Confira os campeões:

Júri Técnico

  • 1º lugar: Filtropinha: dos resíduos aos recursos (Escola Técnica Estadual Professor Paulo Freire - Carnaíba/PE)

A equipe criou um filtro de baixo custo à base de cascas da fruta-pinha com o objetivo de reduzir a poluição da manipueira (líquido tóxico extraído da mandioca) e desenvolver um biofertilizante, minimizando danos ambientais.

  • 2º lugar: Projeto H.E.R - Hand Exoesqueleton for Rehabilitation (Escola Estadual Profa. Iraci Sartori Vieira da Silva - Franco da Rocha/SP)

A equipe desenvolveu um exoesqueleto de mão, voltado para a reabilitação de pessoas com dificuldades motoras ou para a ampliação da mobilidade. O dispositivo oferece suporte ergonômico, auxilia na ampliação de movimentos finos e pode mover objetos de até 5kg.

  • 3º lugar: E-Vision: Transformando a Educação Com Tecnologia Inclusiva (Escola Estadual de Educação Profissional Prof. Francisco Aristóteles de Sousa - Itaitinga/CE)

Júri Popular (votação aberta na internet)

  • Bio cimento: blocos de papel para pavimentação intertravada de calçadas (Escola Estadual Centro Territorial de Educação Profissional do Sisal - Serrinha/BA)

A equipe desenvolveu blocos para pavimentação de calçadas usando papel e fibra de coco como matéria-prima, substituindo a areia convencional na massa do cimento a fim de reduzir a erosão no solo.

  • InfoLadies - Sustentabilidade e Nanotecnologia (Escola Estadual Prof. Sebastião de Oliveira Rocha - São Carlos/SP)

Pensando na não decomposição e no descarte incorreto de isopor, a equipe produziu uma tinta sustentável utilizando o material, diluindo-o em óleos essenciais.

  • Pharmakos (Escola Técnica Estadual Cel Fernando Febeliano da Costa - Piracicaba/SP)

Com o objetivo de beneficiar idosos e pessoas com deficiência, a equipe criou um aparelho que separa e dispensa comprimidos automaticamente.

*O repórter viajou a São Paulo a convite da Samsung.

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