Avenida dos pátios comerciais, Godofredo Maciel vive 'explosão' econômica e é comparada à 'Aldeota'
A percepção de quem trafega por Fortaleza é de que vias tradicionais de comércio, como Bezerra de Menezes e Gomes de Matos, vivem um declínio quase que inevitável. Essa sensação, no entanto, é totalmente diferente para quem percorre os cerca de seis quilômetros (km) da avenida Godofredo Maciel, que passa por um périodo de efervescência econômica próprio.
A avenida começa na frente do terminal de ônibus urbano da Parangaba, no entroncamento com a rua Eduardo Perdigão, e segue até o limite de municípios com Maracanaú, próximo ao balão do Mondubim.
Ao todo, a Godofredo Maciel corta sete grandes bairros de Fortaleza (Parangaba, Itaperi, Jardim Cearense, Maraponga, Mondubim, Aracapé e Planalto Ayrton Senna).
Fica na Godofredo Maciel a sede do Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE), um dos primeiros equipamentos de grande porte inaugurados na avenida. Até o início dos anos 2000, a via contava, além da matriz do órgão estadual, com diversos restaurantes e casas de shows.
Ela mantém a característica desde aquela época de ser o principal ponto de chegada de municípios da Grande Fortaleza, como Maracanaú e Maranguape, e do interior, a exemplo de Baturité.
Nos últimos 20 anos, a avenida passou por transformações permanentes e deixou de lado a distância de regiões mais centrais e nobres de Fortaleza e passou a ser o principal corredor entre os bairros e municípios ao sul da cidade.
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Maraponga cresce ao longo dos anos
Maria Luísa Arruda é proprietária de um quiosque na frente do Detran-CE da Godofredo Maciel. Ela é natural de Parnaíba, no litoral do Piauí, e veio para Fortaleza no início dos anos 2000 para ser empregada doméstica.
O emprego acabou não dando certo e ela migrou para um trabalho de carteira assinada em uma fábrica especializada em artigos de cama, mesa e banho em Maracanaú. Pouco tempo depois, saiu do cargo e montou o próprio negócio. Desde 2009, Maria Luísa mantém um quiosque na frente do Detran, onde vende lanches e outras refeições.
"Moro perto aqui do Detran, na Maraponga mesmo. O meu marido trabalha do outro lado da rua numa loja de emplacamento de veículos. Gosto muito daqui, o ponto é muito bom", conta ela.
Aqui o movimento já foi muito melhor, porque tudo do Detran ficava aqui. Agora, tem outros postos do Detran espalhados em Fortaleza. Não posso dizer que está ruim porque não está não, continua muito bom, excelente", explica.
Em relação à época que chegou à Maraponga, Maria Luísa acredita que o bairro cresceu e se desenvolveu. A comerciante diz que, mesmo com uma certa queda no movimento na sede do Detran, que agora conta com mais postos de atendimentos pelos bairros de Fortaleza, o tráfego de consumidores e de clientes continua em alta. Sair da Maraponga, hoje, está fora de cogitação.
"Agora aqui tem muito comércio, muitos mercantis e outras coisas. Não pretendo sair daqui, adoro a Maraponga. Pretendo continuar sendo essa empresária dona do meu próprio negócio, sustentei meus filhos com o dinheiro daqui".
"Aldeota" da região sul de Fortaleza
Esqueça a ideia inicial de que tudo o que está fora do perímetro das regionais 2 e 7 não pode ser considerado área nobre. O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza), Assis Cavalcante, até relembra o ditado cearense de dizer que a Maraponga é "a Aldeota da região", em referência à localização do bairro, na regional 10 e ao sul do mapa da Capital.
"É uma região que está ficando muito densa, muita gente está querendo morar lá. Tem até um adágio que o pessoal diz que a Maraponga é a Aldeota da região. Ela tem crescido muito em razão também de ser uma saída para uma parte da região metropolitana que cresce muito: Maracanaú, Maranguape, Redenção. Tem uma circulação de veículos muito grande e muita gente está se estabelecendo", expõe.
"Acredito que é a avenida que mais cresce economicamente em Fortaleza. Acho que tem algumas avenidas que são realmente bem densas e bem desenvolvidas. Mas se olhar para as outras, a Maraponga é a que a mais cresce", completa Assis Cavalcante.
Esse crescimento exponencial visto na avenida Godofredo Maciel acontece enquanto a Maraponga mantém a essência de um bairro mais tranquilo e muito fincado na vocação residencial. É o que comenta Michelle Freitas, gerente de uma padaria na via.
Ela trabalha no local há 17 anos, e o estabelecimento foi aberto em 2003. Ela avalia que o movimento de clientes, para além dos consumidores fiéis dos produtos da padaria, aumentou com a construção de moradias.
"A Maraponga cresceu muito, a gente percebe as melhorias que tanto a gente teve aqui como ao redor. Abriram mais comércios, a clientela também aumentou. Como tem muitos condomínios e empresas ao lado, a gente percebeu que cresceu o movimento de clientes", declara.
"Coroa imobiliária" de Fortaleza privilegia regiões como a avenida Godofredo Maciel
Ao longo da via e dos bairros vizinhos, cada vez mais identificados com a classe média da cidade, percebe-se o fenômeno do mercado de imóveis chamado de "coroa imobiliária", surgido na tese de doutorado da arquiteta e urbanista Beatriz Rufino.
Trata-se de um espaço de expansão de novos empreendimentos, comerciais e residenciais, que prioriza o segmento econômico (faixa de preço com imóveis de até R$ 350 mil). Em Fortaleza, essa coroa fica ao sul do mapa da cidade em relação às áreas de grande valorização (que vão da Parquelândia até a Praia do Futuro, descendo em direção ao bairro Edson Queiroz).
Com uma maior concentração de comércio, valoriza automaticamente o bairro. O fluxo que, no local, estava desanimado, passa por revitalização, e é claro que as pessoas começam a migrar para esses locais. No início não tem ainda a superlotação dos grandes bairros já estabelecidos, as pessoas ainda encontram moradias, geralmente para quem vai trabalhar nesses comércios e acessam moradias mais baratas.
Bairros como a Maraponga e o Mondubim, sobretudo nas áreas mais próximas da Godofredo Maciel, são dois dos componentes dessa coroa imobiliária da Capital. Na análise de Cláudia Buhamra, professora de Marketing da Universidade Federal do Ceará (UFC), "essa valorização acaba promovendo a especulação financeira e imobiliária".
Com a variedade de empreendimentos imobiliários surgindo nas regiões ao redor da avenida, principalmente de classe média, atrai os grandes varejistas de comércio e também aqueles que fornecem serviços, como destaca Christian Avesque, consultor de empresas e professor da Faculdade CDL.
Ele argumenta que, atualmente, a avenida "cria um fluxo contínuo e qualificado com tíquete médio de compras alto", principalmente com o estabelecimento de pátios comerciais — também conhecidos como strip malls —, cada vez multiplicados em Fortaleza e, principalmente, na Godofredo Maciel.
"O nível de renda na Godofredo Maciel é de uma classe média mais emergente. Ela conseguiu atrair malls e empreendimentos que funcionam como centros integrados de lazer e consumo. Quando a renda sobe e tem condomínios que se espalham, abre espaço para haver essa profusão de negócios ao longo da avenida. Outro ponto interessante é que não cresceu somente na parte de comércio. Serviços vieram muito fortes, como clínicas, petshops, bancos, farmácias", classifica.
Movimento de esmalteria na Godofredo Maciel quase duplica
O contexto de expansão econômica e imobiliária na região da avenida fez com que a empresária Taty Santos a abrir uma loja na via. Ela é dona de uma esmalteria que leva o seu nome e que começou no bairro Bonsucesso.
Em 2017, surgiu a oportunidade de alugar um ponto comercial na Godofredo Maciel, próximo da rua Primeiro de Janeiro. Ela desenvolveu a própria rede de negócios, e o movimento continua em alta.
"Vim do Bonsucesso e trouxe para a Maraponga. Quando comecei, eram dois pontos e agora já estou no terceiro ponto, alugado mesmo. Aqui tem melhorado bastante, a avenida Godofredo Maciel está abrindo muitos comércios e dando muitas oportunidades".
Ao longo dos últimos oito anos, Taty analisa que instalar uma filial da esmalteria na avenida se revelou um negócio extremamente lucrativo, com a clientela chegando perto de dobrar no período. As obras realizadas na avenida também ajudaram na valorização dos pontos comerciais.
A clientela aumentou uns 80%. Como fica na avenida, passa muita gente que diz que passou na avenida e veio conhecer. Aqui é perfeito, eu amo e não troco por nada. A infraestrutura é muito boa, melhorou com a nova sinalização. Em frente ao meu comércio, não tinha um semáforo. Eles colocaram, foi muito bom. Para o futuro, quero conseguir ficar com todos os meus pontos, conseguir comprar o meu comércio na Maraponga e ficar na Godofredo Maciel.
Para Assis Cavalcante, a região da Godofredo Maciel foi privilegiada com o crescimento sobretudo de Fortaleza, mas também de cidades do entorno, e principalmente por ter muitas casas e áreas ainda pendentes de expansão, o que pode contribuir para o desenvolvimento mais acelerado.
"A Aldeota está muito bem verticalizada, e a Maraponga ainda tem muitas casas. Se a pessoa quer morar em uma habitação plana, busca ali, tanto pelo bucolismo, pelo clima, não tem muitas edificações. Esse hospital da Uece vai atrair muita gente ainda para morar no entorno, como também muitos prédios para ser alugados por temporada para atender aos médicos, enfermeiros que vêm trabalhar e pessoas que vão se consultar. Aquele entorno vai crescer demais", pontua.
Marcas de grande impacto aceleraram desenvolvimento
Cláudia Buhamra relembra que, em 2005, a avenida ganhou a primeira unidade no Ceará do hipermercado francês Carrefour. A loja ficou aberta por quase 20 anos, e encerrou as atividades em janeiro do ano passado. Atualmente, funciona no local um atacarejo Atacadão, do mesmo grupo da bandeira varejista.
"Quando se diz que o Carrefour chegou na Godofredo Maciel, a gente encontra - e justifica essa mudança - os componentes do composto mercadológico (produto, preço, praça e promoção). Ele tem atração geradora, assim como farmácias. São ambiências que, quando instaladas em um determinado local, têm força de atrair movimentação. Isso não é para todo mundo. Negócios menores acabam orbitando esses grandes negócios como atração de vizinhança, se aproveitando da movimentação", diz.
A especialista usa como exemplo as aberturas dos dois shoppings RioMar: uma no bairro Papicu e outro no Presidente Kennedy. Conforme Cláudia, grandes empresas têm capacidade de atrair investimentos diretos e indiretos, o que ajuda pequenos e médios comerciantes a se desenvolver, como tem ocorrido com a expansão da Godofredo Maciel.
Esses negócios redefinem áreas quando um grande player chega para se estabelecer com um equipamento que faz a diferença para a região. Automaticamente, vai levar novos empregos, transportes e, consequentemente, a vizinhança comercial começa a se redefinir. Todos esses ambientes que você cita trazem essa característica de redefinição logística e de identidade a partir do seu varejo.
O Diário do Nordeste questionou a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico de Fortaleza (SMDE) sobre o crescimento da região da avenida Godofredo Maciel. Por meio de nota, a pasta limitou-se a informar que está realizando ações, em procedimento praticamente idêntico ao realizado com as avenidas Gomes de Matos e Bezerra de Menezes.
"(A pasta), junto com outros órgãos da Prefeitura, realiza diagnóstico da área econômica de Fortaleza para viabilizar a criação de ações e projetos específicos para cada região, que impulsionem o comércio em diversos bairros", declara.
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