Por que o comércio da avenida Gomes de Matos em Fortaleza está em decadência? Entenda

Reflexos do fechamento durante a pandemia, mudança de perfil de lojas e falta de conforto afastam consumidores

Escrito por
Paloma Vargas paloma.vargas@svm.com.br
Avenida Gomes de Matos
Legenda: Comércios de serviço, como farmácia e posto de gasolina, resistem ao fechamento dos comércios na Avenida Gomes de Matos
Foto: Davi Rocha

O que já foi uma rua de referência para confecção, aviamentos e autopeças, pode estar ‘morrendo a míngua’. A Avenida Professor Gomes de Matos, no Bairro Montese, em Fortaleza, chama a atenção de quem passa pelo grande número de salas comerciais para alugar ou vender. Além disso, há pouco movimento nos comércios que sobrevivem na via, enquanto as pessoas preferem o conforto dos shoppings, dos centros populares especializados ou da venda online. 

Veja também

Funcionário de um lava-jato, no início da via, Francisco Eduardo, 59 anos, é saudosista do comércio da Gomes de Matos. Em poucos minutos de conversa, ele relembra restaurantes, grandes lojas de tecidos e aviamentos e até agências bancárias que o local já teve e que fecharam.

"O Montese já foi bom de comércio, mas é só andar por aqui para você ver, as coisas tudo fechadas e até os telhados estão levando".

Francisco Eduardo
Legenda: Francisco Eduardo relata com saudosismo tempo em que comércio na Avenida Gomes de Matos era pujante
Foto: Davi Rocha

O pouco movimento reflete no número de carros que Eduardo lava. "Tem dias que não para ninguém. Que passo o dia sentado sem fazer nada, é muito ruim."

Proprietário de uma Loteria, David Bezerra, 31 anos, diz que depois do fechamento na pandemia, só os grandes voltaram a abrir e "nem foram todos". Ele comenta que com o aluguel caro, se colocar mesmo na ponta do lápis, só consegue "empatar" no final do mês.

Tô há 10 anos aqui e fico porque ainda tenho os clientes fiéis. Quando cheguei ainda era bom, mas, agora, tá bem complicado".
David Bezerra
proprietário de Loteria

A vendedora Silvana Lessa, 57 anos, acredita que o fechamento do comércio em geral, na região, tem relação com a economia.

"Tudo só aumentando, o governo só colocando encargos. Isso tira o poder econômico dos investidores, dos comerciantes e vai afastando o consumidor também, que não consegue comprar. Noto que não é só a Gomes de Matos, é o bairro todo. Aqui na Expedicionário também o tanto que tem de imóveis vazios, é muito triste. O pouco que tá aberto, não tem gente dentro, não vende".

O vendedor de uma loja de redes que preferiu não se identificar, afirmou que o movimento é fraco. "Tem dias que vende, tem dias que não entra ninguém".

E, enquanto a reportagem esteve no local, o movimento de consumidores era fraco. As únicas lojas com mais gente eram as autopeças. Nestas, principalmente em frente a uma rede com diversos prédios no local, havia muitos carros estacionados em frente e filas no balcão.

Já outros estacionamentos de calçada até estavam cheios, mas não de consumidores. Um flanelinha que diz trabalhar há tempo no local, mas não soube precisar quanto, afirmou que as pessoas estavam em atendimento médico em uma clínica de um plano de saúde.

"Essa gente não tá comprando, tá em consulta. E quando tinha as Americanas aqui também não tinha movimento, não. Por isso fechou".  

Sem levantamentos ou estudos do local

A reportagem procurou a Câmara de Dirigentes Logistas (CDL), mas a entidade não possui estudos sobre os comércios de ruas de bairros, como a Avenida Gomes de Matos.

Local abandonado
Legenda: Prédio era oficina mecânica, mas fechou após a pandemia
Foto: Davi Rocha

Já a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico (SMDE) afirma que está preparando um "diagnóstico da área econômica da cidade para apresentar ao prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão".

Assim, conforme informações da assessoria de comunicação, a SMDE enviaria uma equipe técnica do núcleo de Empreendedorismo e Sustentabilidade de Negócios, ainda na semana passada, para "conversar com os empreendedores, acolher as demandas e avaliar que ações podem ser desenvolvidas para o comércio da região".

Para Christian Avesque, consultor de empresas e professor da Faculdade CDL, há três questões fundamentais influenciando na diminuição dos corredores comerciais mais antigos da cidade, como esse da Avenida Gomes de Matos. São elas: estrutura, segmento de mercado e comportamento de compra.

Ele relata que historicamente a região do Montese teve um destaque demográfico muito grande, nas décadas de 80 e 90 e, por isso, o comércio de rua era muito forte, e não apresentava problemas ligados a estacionamento, segurança e conveniência. Porém, de 2015, 2018 para cá, sobretudo no pós-pandemia, esses corredores comerciais que eram fortes perderam densidade.

Ou seja, elas têm um fluxo intenso de passantes, de transporte público e individual, mas a densidade, o qual é um conceito importante, onde o consumidor para, tem conforto, tem um estacionamento, pode se deslocar sem ter trânsito, sem ter nenhum atrito, a Gomes de Matos perdeu muito, assim como a Bezerra de Menezes, dentre outras".
Christian Avesque
professor da Faculdade CDL

Sobre o pós-pandemia, Avesque comenta que comércios mais populares, como os de utilidades, também perderam força nas ruas. "O consumidor tem preferido comprar esses produtos de forma híbrida, sobretudo nos canais digitais, recebendo em casa em até 24 ou 48 horas".

A outra questão ligada ao consumidor, propriamente dito, é que com a compra pela internet "ele não se sujeita mais ao calor, barulho e insegurança, dessas grandes vias das áreas mais periféricas de Fortaleza".

"O consumidor já tem condições de ter uma compra com nível de preço semelhante, sem correr tanto risco, sem ter tanto atrito e sem ter um, vamos dizer assim, sofrimento no processo de compra", comenta.

As novas tendências do comércio

Sobre os segmentos de mercado que a Gomes de Matos apresentava, o especialista diz que no tempo de comércio mais forte, eram cinco. O primeiro era o segmento bancário, "que está completamente no ambiente digital".

O segundo é o de confecções. Avesque diz que o Montese, historicamente, tinha muitas facções, oficinas e tinha as lojas próprias dessas empresas. "E esse comércio de roupa, vestuário, ou ele migrou para o ambiente digital, ou migrou para os centros populares e outros modelos de operação semelhantes". 

"E dentro dessa questão de infraestrutura, o consumidor fica muito mais confortável e com conveniência comprando vestuário via smartphone, ou então em centros populares que têm preços mais baixos", reforça

Fios e aviamentos também ligados às confecções eram comércios facilmente encontrados no local. Porém, pequenos e médios empreendedores têm ido a São Paulo comprar produtos ou então compram em ambiente digital, podendo ter preços e condições melhores, comprando em escala maior. 

Lojas de materiais de construção são citadas como um terceiro segmento que já foi muito forte naquela área. Mas com o surgimento dos home centers (lojas de materiais de construção), Avesque afirma que o consumidor acaba atraído por ter tudo no mesmo local e pelas condições de preço. 

Prédio placa de aluguel
Legenda: Muitos imóveis podem ser observados na Avenida Professor Gomes de Matos com placas de "Aluga" ou "Vende"
Foto: Davi Rocha

"Assim, essas lojas de materiais de construção acabam servindo só para emergências. Então, acabam sem ter um ticket médio de compra que banque a operação na totalidade".

E o quarto segmento que era importante, dentro daquela área, era de miudezas e utilidade. Este ainda pode ser encontrado, mas em menor escala. Na avenida ainda é possível ver casa de venda de redes, de material escolar e brinquedos, além de grandes nomes estaduais, como Casa Freitas e nacionais como Magazine Luiza e Casa Bahia, entre outras.

Vale lembrar que no início deste ano a unidade das Lojas Americanas da Gomes de Matos foi fechada.

Lojas Americanas Montese
Legenda: Unidade fechou suas portas no início deste ano e consumidores são direcionados ao bairro vizinho
Foto: Davi Rocha

"Neste aspecto, há um movimento de preferir ir aos shoppings para estas compras, como também a 'shoppização' do centro da cidade, em que muitas vezes vale mais a pena você se deslocar e ter uma condição econômica para poder barganhar os preços", reforça Avesque.

Perfil do bairro mantém vivas as autopeças

Diferente de todos os outros segmentos de comércio que sofreram com a chegada de novas opções e do conforto para o consumidor trazido pelo comércio virtual, andando pela rua é possível encontrar muitas autopeças ou lojas relacionadas.

Essas lojas se mantêm, conforme o professor da CDL, por conta do perfil dos moradores da região. De classe média baixa, eles teriam veículos mais antigos que precisam de manutenção de oficinas de bairro.

"Essa é uma demanda primária, quando quebra o carro, quando precisa fazer um reparo. Então, circundante em um raio de 3 a 5 km dessas autopeças há oficinas tradicionais, que não são autorizadas das marcas, ou pequenas oficinas, que precisam de rapidez para entregar esses carros e segurança para ser feito o reparo."

Avesque afirma ainda que esse tipo de comércio e serviço muitas vezes fazem parceria e, inclusive, o consumidor consegue pagar tudo junto e parcelado.

"A grande explicação disso é o poder de renda do entorno desse bairro, com a densidade demográfica de pessoas com renda média baixa, a idade média da frota de veículos entre 10 e 15 anos, a necessidade de consertos ágeis e maquinetas compartilhadas, para  oferecer uma forma de pagamento que caiba no bolso".

Salas ociosas e aluguéis caros

Andando pela avenida a reportagem se deparou com muitas salas e prédios com placas de venda ou aluguel. Não há uma entidade que faça levantamento sobre esse dado, mas, na percepção da equipe, cerca de um terço dos locais disponíveis está vazio. Buscando algumas imobiliárias com placas afixadas, foi possível saber média de preços e de tempo aberto de locação.

Prédio na avenida Gomes de Matos
Legenda: Grandes pontos comerciais fechados há bastante tempo chamam a atenção de quem trafega pelo local
Foto: Davi Rocha

Com 7 anos de corretagem de imóveis, Felipe Arrais afirma que os preços de locações na avenida iniciam em R$ 2 mil. Com uma sala disponível na imobiliária em que trabalha, ele comenta que o local entrou em sua carta de negócios há 5 meses.

"Depois da pandemia o mercado aqui da região teve um grande colapso. Como o comércio está mais online, os comerciantes estão optando por pegar pontos mais baratos e investir em tráfego pago (estratégia de marketing digital que visa atrair visitantes para um negócio por meio de anúncios)", relata.

Luiz Carlos Pinheiro Bastos, corretor em Fortaleza há 32 anos, reforça ter muitos imóveis desocupados na avenida. "Isso aconteceu nos últimos 10 anos. Antes essa avenida era um polo de lojas do setor de aviamentos e tecidos para confecção. Esse setor transferiu suas lojas para lugares mais baratos, pois a virtualização dispensa a loja física", conta.

Sobre os valores no local, ele afirma que para venda o metro quadrado (m²) está de R$ 3 mil a R$ 3,5 mil de terreno, conforme as benfeitorias e padrões de construção. Já para alugar, galpão está na faixa de R$ 20 o m² e terreno seria de R$ 10 a R$ 30 o m². As lojas teriam os valores de 0,5% a 1% do valor do imóvel.

Acesse nosso canal no Whatsapp e fique por dentro das principais notícias.

Newsletter

Escolha suas newsletters favoritas e mantenha-se informado
Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados