Comércio da Avenida Bezerra de Menezes sofre com debandada de grandes marcas e declínio de lojas tradicionais

Estabelecimentos comerciais foram reduzidos com o passar dos anos; mudanças na infraestrutura e insegurança surgem como fatores negativos

Escrito por
Luciano Rodrigues luciano.rodrigues@svm.com.br
(Atualizado às 11:59)
Placa da Avenida Bezerra de Menezes
Legenda: Avenida Bezerra de Menezes vive revés comercial, com debandada de grandes marcas e declínio de lojas tradicionais
Foto: Thiago Gadelha

A principal ligação entre Fortaleza e a região Oeste do Estado, a avenida Bezerra de Menezes, pouco a pouco, deixa de ser o mais expressivo corredor comercial da Zona Oeste da cidade. Nos últimos anos, a via, que conta com mais de três quilômetros (km), perdeu lojas importantes e até mesmo representatividade no segmento e viu cair radicalmente a movimentação.

A Bezerra de Menezes começa na rua Padre Ibiapina, no limite com o Centro, e segue até o túnel sobre a avenida Humberto Monte. É uma importante rota de conexão com cidades da Região Metropolitana, como Caucaia e São Gonçalo do Amarante, além de ser o ponto de partida para as BRs 020 (Fortaleza — Brasília) e 222 (Fortaleza — Marabá).

São exatos 3,3 km em uma via que conta com diversos empreendimentos comerciais. São supermercados, escolas, igrejas, comércio varejista em geral. Tudo isso em franco declínio nos últimos anos, principalmente após 2012. O que toma conta da via são atualmente as inúmeras placas de venda e aluguel de estabelecimentos.

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É o que explica Climério Pinheiro, responsável por uma loja de autopeças há mais de 30 anos no bairro São Gerardo. Para ele, "a Bezerra morreu" com as intervenções de infraestrutura feitas na avenida, especialmente nos últimos 13 anos.

O sistema que estamos vivendo é muito triste porque acaba com a gente. A Bezerra de Menezes nos anos 1990 era outra coisa. Eu tinha 22 empregados aqui, hoje estou com três. A perspectiva é tirar esse gelo baiano e dar uma penteada na avenida. Desde que eles fizeram esse BRT, não fizeram mais nada. A avenida é cheia de buracos e não tem manutenção de jeito nenhum.
Climério Pinheiro
Responsável por loja de autopeças na Avenida Bezerra de Menezes

"Não está dando para manter a loja"

Um dos empreendimentos mais tradicionais do ramo da alimentação da via é a sorveteira Pardal. O local ficava localizado ao lado de restaurantes, farmácias, em frente a um parque infantil de diversões e próximo de lojas de móveis e de uma escola pública estadual. No quarteirão, praticamente só restou o estabelecimento nos últimos anos. 

O proprietário da sorveteira, Josimar José de Lima, abriu a loja há 20 anos. A movimentação era intensa no local, mas caiu gradativamente com o passar dos anos. Hoje, manter o estabelecimento aberto só é possível por causa da tecnologia.

"Nos anos 2000, a Bezerra era muito boa, a gente trabalhava até meia-noite. Hoje, o comércio aqui, quando dá 20 horas, se acaba. Depois que fizeram esse BRT, não tem mais estacionamento, e ainda tem muita multa para os carros. A Bezerra está em sua maioria no escuro, estamos com quatro postes aqui apagados", comenta.

Josimar José de Lima
Legenda: Josimar José de Lima é proprietário da Pardal da Avenida Bezerra de Menezes há 20 anos. Ela deve fechar as portas para ir para outro local.
Foto: Thiago Gadelha

Conforme Josimar, o movimento da sorveteria caiu 20% nos últimos 10 anos, principalmente após o fechamento de diversos estabelecimentos nos arredores. A tendência, caso se mantenha a situação, é migrar para outro lugar, ainda na avenida Bezerra de Menezes.

Só estou aqui por causa do iFood e da internet. Se não fosse isso, não estava dando para manter a loja. Estou pensando em mudar para outro canto, ir para mais perto do North Shopping, porque o comércio agora é mais para lá. Tem esse problema de não ter estacionamento.
Josimar José de Lima
Dono de sorveteria na Avenida Bezerra de Menezes

Bezerra de Menezes foi pioneira em intervenções viárias em Fortaleza

Até 2008, a avenida contava com três faixas em cada sentido, e a última, junto às calçadas em ambos os sentidos, era destinada à carga e descarga, estacionamento e área de escape para parada de ônibus. A partir daquele ano, a avenida começou uma série de obras.

As reformas adicionaram mais uma faixa de tráfego à via, sendo quatro em cada sentido, e uma ciclovia bidirecional, uma das primeiras em grandes avenidas de Fortaleza. Em 2012, porém, começou a maior transformação: as faixas do Bus Rapid System (BRS).

Com um esquema de paradas seletivas, numeradas de 1 a 3, as duas faixas mais próximas às calçadas foram destinadas ao uso preferencial de transporte coletivo. Na ocasião, começaram mais intensamente os problemas para os comerciantes.

Estação BRT Bezerra de Menezes North Shopping
Legenda: BRT da Bezerra de Menezes está em funcionamento desde 2015 na avenida
Foto: Thiago Gadelha

"Botaram duas pistas para uma infinidade de carros e duas pistas para um percentual de ônibus que é infinitamente menor do que de carro. Concordo que o transporte público tem que ser de boa qualidade, mas o problema é que eles viram um lado e esqueceram o outro, que dá rentabilidade para os governos", critica o comerciante Climério Pinheiro.

A mudança mais expressiva, no entanto, foi em 2015. Passou a entrar em funcionamento o Bus Rapid Transit (BRT), o primeiro de Fortaleza. Com isso, os ônibus saíram das faixas junto às calçadas e foram para o canteiro central, onde permanecem até hoje. Somente a avenida Aguanambi, em 2018, ganhou outro BRT na Capital.

Nos arredores do shopping, imóveis ociosos e baixa movimentação são destaques

Ao contrário de demais grandes vias da cidade que tiveram que lidar nos últimos anos com o crescimento do número de shopping centers, a avenida teve o North Shopping Fortaleza aberto em 1991, e as adequações logísticas e de comércio seguiram a lógica do centro comercial com o passar do tempo.

Em demais áreas, porém, o comércio era pujante e bem distribuído, com características próprias. Grandes varejistas estavam na avenida, e conseguir um ponto comercial na Bezerra de Menezes era disputado.

"Em 2010, a Bezerra de Menezes era muito movimentada. Tinha uma churrascaria aqui, não tinha essa questão do BRT, ônibus parava do lado direito. Não tinha transporte por aplicativo, era bem melhor também", recorda Alexandre Freitas, taxista.

Ele trabalha em um ponto de táxi no cruzamento da rua Professor Raimundo Vítor com a Bezerra de Menezes, em frente ao North Shopping Fortaleza, há 15 anos. Antes, ele fazia de 15 a 20 corridas diariamente. Agora, dependendo do dia, esse número chega a sete. Com muito esforço, em épocas excelentes, são 10. 

Deu uma caída muito grande, tanto com a chegada dos aplicativos de transporte como com o fim da parada de ônibus nas calçadas. A gente pegava muito os clientes que chegavam aqui, aqueles que estavam atrasados para a escola, para o trabalho. Quando passou a parada mais para a frente, diminuiu muito.
Alexandre Freitas
Taxista na Avenida Bezerra de Menezes

Bezerra de Menezes
Legenda: Antigo canteiro central da Av. Bezerra de Menezes
Foto: Kiko Silva

Trabalhando há 5 anos na Bezerra de Menezes, a cabeleireira Marta Maria atua em um salão especializado em cortes de cabelo infantis, já próximo da avenida Humberto Monte. A queda no movimento, para ela, ficou mais acentuada com o fim da pandemia.

"Sinceramente não sei o que aconteceu, se foi por causa da pandemia que as coisas ficaram difíceis, ou se o pessoal começou a entregar as lojas, aí essa parte da Bezerra foi ficando morta. Acho que foi por conta disso".

Pouco após a pandemia, a região contou ainda com o fechamento de duas lojas importantes na região: uma Freitas Varejo, no cruzamento com a rua José de Pontes, e o Habib's, já na esquina com a avenida Humberto Monte. Marta Maria fala que essa saída também contribuiu para a queda expressiva do movimento do salão.

"Muita gente vinha e estacionava aqui, já ficava conhecendo e tudo. Ia na Casas Freitas, aproveitava e cortava o cabelo. Uma coisa ajudava a outra. As coisas do jeito que estão e a carestia do jeito que está, difícil. Sem estacionamento, piora", lamenta.

O que explica esse cenário?

O processo que a Bezerra de Menezes vem passando nos últimos anos não é diferente do que outras importantes avenidas do comércio de rua de Fortaleza e até mesmo do País vêm passando. Os problemas são em série e estão até mesmo interligados.

A diferença da avenida em questão para os especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste é que a Bezerra de Menezes perdeu densidade junto às calçadas, como explica Christian Avesque, consultor de empresas e professor da Faculdade CDL.

Passou o BRT reduzindo o espaço do fluxo dos carros, e quando acontece isso, aumenta o fluxo de pessoas, mas perde o que se chama de densidade — são pessoas que estão trafegando no corredor e que têm a vontade e o impulso de frequentarem as lojas no entorno do raio geográfico. Aonde passa BRT, aonde tem um fluxo muito grande e não tem zonas de acesso facilitadas e de deslocamento, perde densidade.
Christian Avesque
Consultor de empresas e professor da Faculdade CDL

Sobretudo a partir dos anos seguintes, vários estabelecimentos importantes fecharam na Bezerra, como o hipermercado Carrefour e as Lojas Americanas, ambos encerrados em 2024. Elas eram importantes para o estacionamento de veículos na avenida, de acordo com o especialista.

Carrefour Bezerra de Menezes fechado
Legenda: Carrefour da avenida Bezerra de Menezes foi fechado em janeiro de 2024
Foto: Thiago Gadelha

"Quando tinha as lojas-âncora, os grandes varejistas, muita gente parava porque tinha esse estacionamento. Quando perde esses grandes varejistas e não tem players oferecendo essa conveniência, as pessoas que têm um poder de renda maior e transporte próprio evitam", considera Avesque.

O economista e presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Wandemberg Almeida, vai além e afirma que não é possível "enxergar uma política pública voltada para os bairros" em Fortaleza, atrelando às mudanças na infraestrutura de ruas e avenidas com a queda no comércio local.

"Começa-se a se mexer na infraestrutura do bairro sem um estudo prévio, sem conversar com os lojistas, procurando adequar à realidade daquele local, entender o fluxo de pessoas e as lojas que estão ali. Isso acaba contribuindo para um declínio muito forte daquela região", classifica.

Comerciantes reclamam de insegurança

Uma das queixas de alguns comerciantes ouvidos pela reportagem é que o BRT da Bezerra de Menezes, embora tenha auxiliado na questão do transporte público e que funciona na avenida entre as ruas Justiniano de Serpa e Armando de Oliveira, tirou parte do movimento das calçadas. Com isso, fica bastante reduzida a movimentação de pessoas junto aos comércios, aumentando a insegurança.

"O entorno fica em uma área que não tem uma segurança percebida muito grande, principalmente nas ruas laterais que servem como artéria para a Bezerra de Menezes", pontua Christian Avesque.

A gente vê mais placas de aluga-se do que propriamente abertas, vemos também mais pessoas de carros do que caminhando naquela região. Além disso, tem a questão da segurança, as pessoas não se sentem seguras, não tem uma movimentação para as pessoas pararem e caminharem.
Wandemberg Almeida
Economista e presidente do Corecon-CE

Comércio fechado Bezerra de Menezes
Legenda: Comércio fechado na Bezerra de Menezes mostra declínio da via ao longo dos últimos anos
Foto: Thiago Gadelha

A Avenida Gomes de Matos, principal corredor comercial e logístico do Montese, também vem sofrendo nos últimos anos com o declínio da movimentação. Para Christian Avesque, dois fatores explicam essa redução no movimento em ambas as vias:

  1. Entradas de lojas no estilo 'Shopee' em centros comerciais como o Centro;
  2. Falta de investimentos em equipamentos que funcionem como atrativos de clientes.

"As lojas mais baratas foram perdendo terreno para venda na internet, sobretudo utilidades de baixo valor e também perderam venda para os centros mais populares de consumo. De 2021 para cá tem outros canais mais atrativos. Esses corredores também não investiram muito em operações de entretenimento, operações ligadas à gastronomia, à indústria criativa. Nenhum corredor comercial de alto fluxo pode viver só de comércio", defende.

No caso da Bezerra de Menezes, Wandemberg Almeida salienta que o BRT do local não fornece "paradas em pontos estratégicos": "o comércio que era pujante, hoje está reduzido. Isso acaba contribuindo de forma negativa para esse distanciamento entre o consumidor e essas lojas".

CDL defende "requalificação comercial" da avenida

A reportagem questionou a Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza) sobre a questão envolvendo a avenida Bezerra de Menezes. Conforme a entidade, o local era "antes um polo comercial dinâmico, especialmente nos setores de acessórios automotivos e calçados".

"A região sofreu grande impacto com as reformas viárias, resultando no fechamento de diversas lojas, muitas das quais não retomaram suas atividades", considera.

Para o presidente da CDL Fortaleza, Assis Cavalcante, é necessário adotar uma série de medidas para que a avenida volte a ter grande movimentação comercial e de serviços.

“É fundamental reestruturar a avenida, permitindo que os veículos circulem em menor velocidade e que as calçadas e áreas de estacionamento das lojas sejam melhoradas, viabilizando o retorno sustentável do varejo na região. O Poder Público precisa oferecer incentivos para que as lojas voltem a se estabelecer na região, seja por meio de isenções fiscais estaduais ou municipais", ressalta.

O que pode e o que está sendo feito para mudar a situação da avenida Bezerra de Menezes?

Até o momento, pelo menos dois novos grandes empreendimentos no local estão previstos, ambos do ramo de supermercados: um é a loja 'combo' do Mix e do Eletro Mateus, no local do antigo Carrefour. O outro é o Cometa, no São Gerardo, construído do zero.

Christian Avesque reforça que "não adianta ter somente e ter uma venda passiva, esperar que o cliente vá. Tem que ter atratividade para ter uma densidade". Para isso, os lojistas da avenida precisam se organizar para retomar a pujança econômica do local.

"A sugestão que encontra-se é que os varejistas criem um hub para que possam investir em qualificação de conforto, conveniência e atratividade de venda. Eles têm que ser também multicanais. O ponto de venda pode ser somente depósito para que se entregue na casa de quem compra. Garante-se mais faturamento e o ponto de venda fica sendo como uma sede, um ponto de retirada e no caso quando o consumidor vai retirar, pode ter uma compra por impulso aumentando o ticket médio", aponta.

Americanas fechada Bezerra de Menezes
Legenda: Lojas Americanas foi fechada na avenida Bezerra de Menezes em 24 de dezembro do ano passado
Foto: Thiago Gadelha

A reportagem procurou a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico de Fortaleza (SMDE) para entender o que está sendo feito para retomar o número de lojas abertas e em funcionamento na Bezerra de Menezes. Em nota, a pasta limitou-se a informar que está realizando ações em procedimento similar ao que foi feito na avenida Gomes de Matos.

"(A pasta), junto com outros órgãos da Prefeitura, realiza diagnóstico da área econômica de Fortaleza para viabilizar a criação de ações e projetos específicos para cada região, que impulsionem o comércio em diversos bairros", declara.

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