Enem 2026: o que dizem especialistas sobre prova para Mercosul e fim do Saeb no 3º ano?
Ministro da Educação anunciou que o Exame do próximo ano poderá ser aplicado em países do Mercosul.
O Ministério da Educação (MEC) anunciou que, a partir de 2026, estudantes do 3º ano do Ensino Médio poderão utilizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como substituto da prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Paralelamente, o órgão estuda aplicar o Enem 2026 em três capitais de países do Mercosul: Argentina, Paraguai e Uruguai.
Mas quais os impactos dessas mudanças? Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste acreditam que é preciso refletir sobre o Saeb, tendo em vista que a metodologia de avaliação é diferente daquela aplicada e cobrada no Enem.
Já em relação à "internacionalização do Enem", pesquisadores avaliam que pode ter um efeito positivo, pois é uma tendência mundial voltada ao fortalecimento da educação, abrindo portas para estrangeiros e também as portas de universidades estrangeiras para o Brasil. Entretanto, há quem peça cautela em ralação à distribuição de vagas.
Segundo o Ministério, no caso do Saeb, a mudança visa aproveitar o maior engajamento dos alunos no Enem e utilizar os resultados para o diagnóstico das redes de ensino. A medida foi confirmada pelo ministro Camilo Santana após a aplicação do Enem 2025, no último domingo (16).
De acordo com o MEC, os alunos do 3º ano que realizarem o Enem terão a nota automaticamente integrada ao sistema de avaliação, sem necessidade de fazer a prova específica do Saeb.
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A iniciativa pretende reduzir a quantidade de testes aplicados aos estudantes e unificar informações sobre desempenho. O Ministério ainda avalia como será feita a adaptação metodológica para que o Enem cumpra essa função.
Já no caso do Enem para estrangeiros, a prova poderá ser aplicada em português e atender tanto brasileiros residentes no exterior quanto cidadãos desses países interessados em ingressar no Ensino Superior brasileiro.
A ideia é iniciar a aplicação internacional já em 2026, se houver viabilidade técnica. Para isso, o Inep avaliará questões logísticas, como estrutura de aplicação, segurança, número de participantes e possíveis adaptações para o modelo digital.
Segundo o MEC, a expansão do Enem faz parte de uma estratégia de fortalecimento da integração educacional entre os países do Mercosul.
EXPANSÃO PODE TER IMPACTOS POSITIVOS
Maria Helena Guimarães de Castro, titular da Cátedra Instituto Ayrton Senna de Inovação em Avaliação Educacional, vinculada ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente do Conselho Nacional de Educação e da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), vê com positividade a expansão do Enem.
“Provavelmente terá impacto positivo, considerando que a internacionalização é um processo mundial e importante para a formação profissional em todas as áreas”, pontua a titular. Segundo ela, “as nossas universidades estão se preparando para a internacionalização que ainda é muito incipiente no Brasil”.
Para Maria Helena, o principal impacto dessa movimentação é a possibilidade de aumentar o número de candidatos do Mercosul interessados em participar do Enem e também de universidades estrangeiras em adotar o exame para ingresso nas suas instituições. Ela lembra ainda que universidades portuguesas já usam os resultados do Enem para selecionar estudantes brasileiros.
Sobre como essa mudança pode impactar a ocupação de vagas nas universidades no Brasil, a professora analisa que a ocupação de vagas depende do desempenho dos estudantes. “Trata-se de um processo que pode estimular ambientes que favoreçam o compartilhamento de projetos e inovações relevantes para o futuro da educação superior”, salienta.
Em uma primeira visão, Renato Hyuda de Luna Pedrosa, membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) como representante com Notório Saber Científico, Filosófico e Artístico, e Reconhecida Competência em Avaliação ou Gestão da Educação Superior, não vê problemas relacionados à aplicação do exame brasileiro no exterior, e pontuou que essa dinâmica já é feita por outros países no Brasil
“Isso existe, a gente tem exames de vários tipos internacionais para admissão, inclusive, em universidades, que são aplicados aqui no Brasil e em outros países. Nessa parte, eu não vejo nenhum problema, acho interessante, inclusive, porque amplia um pouco a demanda, qualifica o sistema. Sempre qualifica a demanda com o aumento”, pensa o especialista.
DIFERENÇA DE AVALIAÇÕES ENTRE ENEM E SAEB
Sobre a mudança no Saeb, o educador percebe alguns problemas: ele acredita que, em geral, quando se faz avaliação do sistema, a metodologia é diferente de quando está sendo realizada uma seleção de pessoas.
“Não sei se é o ideal, eu entendo a questão da repetição do trabalho, de você ter um grupo grande de pessoas envolvidas em desenvolver uma prova de avaliação, que é o caso do Saeb. O Saeb avalia cursos, escolas, horárias, etc. O Enem é uma prova de fim do sistema educacional, focado muito nas pessoas que querem continuar com o sistema de estudos em nível superior, então são objetivos bem diferentes”, analisa Renato.
O representante analisa ainda que, quando se faz uma prova de avaliação de sistema, que é o caso do Saeb, há a preocupação em cobrir certas áreas que não são necessariamente aquelas que são as mais importantes para seleção para o ensino superior, que é o caso do Enem.
“Eu acho que esse é um dos problemas que me parece mais preocupante com essa proposta. Você, quando avalia a formação, a questão não é o desempenho individual das pessoas, é o desempenho do sistema. Inclusive você precisa fazer, cobrir um número muito grande de coisas que você não tem condição de fazer”, pensa o estudioso.
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Já o professor Titular da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Wagner Bandeira Andriola, acredita que é possível que o Enem substitua o Saeb do 3º ano do EM, a partir da adoção de uma matriz de competências similar a usada pelo Saeb para a elaboração dos itens do 3º ano do EM.
“Dessa forma haverá a economicidade de esforços intelectuais e logísticos, ademais do uso de verbas públicas destinadas às duas ações de avaliação de alunos do EM (ENEM e SAEB) muito similares em seus objetivos pedagógicos”, analisa o pesquisador.
Com relação à possibilidade de que as vagas dos novos demandantes estrangeiros ocuparão serão subtraídas das vagas destinadas anualmente aos alunos brasileiros, Wagner pontua que é necessária uma análise mais profunda.
“Responder a esta indagação demandará análises profundas do MEC acerca dos impactos sobre a gestão acadêmica e administrativa das universidades brasileiras. De toda sorte, vislumbra-se oportunidade singular de o Brasil fortalecer os seus laços com as demais nações americanas através da Educação Superior”, salienta o professor
INTERNACIONALIZAÇÃO DAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS
Para Cláudia Costin, fundadora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas e que foi diretora Global de Educação do Banco Mundial, em entrevista à Rádio Verdinha, garantir que universidades brasileiras sejam mais internacionais é uma boa ideia. Ela aponta que nos rankings que são feitos das universidades, se verifica até que ponto ela é internacionalizada e ela perde ponto se não for internacionalizada. A acadêmica acredita que a mudança enriquece a experiência dos brasileiros que ficarão nas universidades frente a pessoas da América Latina.
“Eu acho positivo, está em estudo ainda. O Inep, que é o órgão que aplica avaliações e faz estatísticas e pesquisas dentro do MEC, está analisando, mas a ideia é que já no Enem de 2026 haja participação no Enem de pessoas da Argentina, do Paraguai e do Uruguai. Eu acho que ajuda o país”, analisa a Cláudia Costin.
Sobre as complicações que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) pode enfrentar na aplicação desse novo sistema, Cláudia analisa que a mudança vai causar uma dificuldade de compreensão, como no caso dos brasileiros que prestam exames na Argentina ou os que vão estudar nos Estados Unidos.
“As dificuldades são de ordem logística. Por isso, essa sugestão de fazer por meio digital faz sentido, até porque o nosso Enem vai caminhar cada vez mais pro meio digital e simplifica muito o processo de aplicação e a segurança do Exame”, pontua ainda a professora. Cláudia acredita ainda em um possível impacto na expansão da concorrência nas vagas disponibilizadas nas universidades brasileiras.
“É importante lembrar que nós temos um dado um pouco triste: 50% dos jovens brasileiros abandonam a universidade. Muitos deles estão em escolas particulares. É bom lembrar que o Enem também é usado em escolas particulares, em instituições de ensino superior particulares, mas a taxa de abandono do curso universitário também é alta nas federais, e a gente precisa começar a entender o porquê”, salienta a especialista.
ENEM É QUALIFICADO PARA SUBSTITUIR SEAB?
Para Marcel Costa, engenheiro (Poli-USP), especialista e desenvolvedor de modelos de IA, e CEO da IntegralMind, cursinho pré-vestibular, o Enem é um meio qualificado para substituir esse sistema de avaliação da educação básica, mas com algumas ressalvas.
“Tá bom, se ele é qualificado para substituir a avaliação do ensino básico, ele vai trazer a informação. Agora, vai haver política de compensação para redes de escola pública vulnerável, por exemplo? Ou vai só aparecer lá que essa que é pior que aquela sem isso levar a investimentos adequados?”, questiona o profissional.
Marcel acredita que o Enem tem muito potencial para substituir e virar uma ferramenta, mas que essa movimentação precisa ser feita com bastante calma e de uma maneira até, talvez, progressiva.
“Fazer um ano e ver os dados, e a partir desses dados, fazer algumas modificações como ele [ministro da Educação] prometeu para 2026, 2027, fazer algumas intervenções. E aí, a partir delas, ver o resultado. Mas andar nessa direção de fazer um raio-x anual dos problemas conhecidos do sistema educacional brasileiro”, pensa o especialista.