Como os algoritmos fazem as crianças e adolescentes entrarem em bolhas perigosas na internet
Uso das redes sem mediação pode causar a exposição a conteúdos abusivos, como incitação à violência, e moldar comportamentos
Existe uma lógica de funcionamento das redes sociais para a permanência dos usuários por mais tempo: os algoritmos (códigos computacionais) filtram os interesses e alimentam as redes sociais com conteúdo personalizado. Surgem, assim, as bolhas digitais que podem confundir a noção de realidade das crianças e adolescentes ainda em formação.
O limite entre o real e o digital fica nítido, por exemplo, para você leitor, que foi formado longe das telas – o convívio físico dá lições sobre tolerância, sociabilidade e comportamento.
Já quem mergulha no mundo digital ainda nos primeiros anos de vida pode não entender bem essa divisão. Por vezes, parece não existir outras perspectivas fora do que é apresentado no grupo de amigos.
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Num contexto político polarizado, de estímulo à violência e ao enfrentamento, o consumo indisciplinado de conteúdos inadequados nas redes sociais pode resultar em comportamentos agressivos.
Nos últimos meses, grupos neonazistas são investigados pela autoria de episódios violentos em escolas brasileiras. No Ceará, mais de 30 perfis nas redes sociais são monitorados pela disseminação de boatos associados à violência.
Mas, afinal, o que são os algoritmos? São códigos computacionais que analisam padrões, como explica Victor Albuquerque, professor do Departamento de Engenharia de Teleinformática da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Pelos textos digitados, pela análise de sentimentos – se a postagem é positiva ou negativa –, e acabam filtrando e modelando a rede social de acordo com os interesses das pessoas. Isso cria problemas porque você não consegue pensar fora da bolha”, detalha.
Com filhas de 11 e 13 anos, o especialista presencia o impacto das redes nos pequenos dentro de casa.
“Como as crianças ficam muito tempo imersas nesse ambiente virtual, não procuram aumentar a capacidade de reflexão para discutir determinados pontos. Aquilo é o certo para elas”, completa Victor Albuquerque.
Os algoritmos criam essas bolhas intencionalmente para fazer com que as pessoas fiquem cada vez mais consumindo informações a partir das redes sociais, porque o tempo gasto dá dinheiro para as empresas
Como as crianças interpretam
O mundo virtual criou uma ética paralela à realidade, porque os limites e normas de se relacionar são diferentes, como reflete a psicóloga e doutora em Educação, professora na Universidade Estadual do Ceará (Uece), Luciana Quixadá.
“Nós estamos vendo que a ética anterior ao mundo virtual, no sentido da convivência próxima, está vindo para crianças habituadas a conviver muito mais no mundo virtual, que passam muitas horas na televisão, no tablet ou jogando”, analisa Luciana.
O ambiente virtual é mais rápido, sem tempo para pensar de forma crítica, onde há o fortalecimento da política do cancelamento e as violências se multiplicam, como contextualiza a psicóloga.
“Se uma criança ou um adolescente tem acesso a isso e com muita frequência, há uma tendência que jogue o movimento para a vida social comum”, observa. Por isso, quem nasce nessa nova lógica de enxergar os outros e o mundo pode ficar mais vulnerável à violência.
“É diferente de se desenvolver e crescer nessa outra ética, que muitas vezes vai te levar para um caminho da não tolerância e da violência para o mundo real”, conclui.
Regulação dos algoritmos
Juliana Fonteles da Silveira, advogada e participante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no escritório da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, que as redes sociais possuem a capacidade de radicalização dos conteúdos exibidos.
“Crianças e adolescentes não têm a mesma consciência a respeito desses efeitos e acabam sendo mais vulneráveis aos riscos de exposição a conteúdos abusivos, como incitação à violência, publicidade abusiva e exploração sexual”, frisa.
A faixa etária de 7 a 9 anos, como explica a especialista, não consegue identificar a diferença entre publicidade e entretenimento livre e, por isso, está mais suscetível à exploração comercial.
Por isso existem propostas de regulação dos algoritmos para o respeito aos direitos humanos, democracia e diversidade. Esses valores, como defende Juliana, devem se refletir no conteúdo exibido aos usuários.
“O que determina a exibição de cada conteúdo, além de evitar a exibição de conteúdos discriminatórios, isto é, direcionados pelos algoritmos em função de raça, classe ou gênero”, completa a especialista.
Projetos de Lei, nesse sentido, são discutidos no Senado:
- PL 5.051/2019: Estabelece os princípios para o uso da Inteligência Artificial no Brasil
- PL 21/2020: Marco legal do desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial
- PL 872/2021: Marcos éticos e as diretrizes que fundamentam o desenvolvimento e o uso da Inteligência Artificial
Qual a função dos pais?
Quem cuida de crianças e adolescentes tem uma função mediadores, de explicar as boas potencialidades do uso da internet, dos comportamentos inadequados e dos riscos do ambiente virtual.
“O controle parental baseado na conscientização sobre o porquê se está limitando determinado conteúdo e quais os riscos e impactos das interações na rede pode ser um caminho efetivo para incentivar o uso responsável da internet por adolescentes”, aponta Juliana.
Familiarizar o adolescente com as discussões sobre sua privacidade e a forma como consome conteúdo, apresentando também estratégias para se proteger da exploração de suas informações pessoais, de contatos e conteúdos abusivos, e mantendo a supervisão parental pode ser efetivo para que oriente uma relação segura com a internet
Para as crianças menores, a especialista orienta que medidas mais restritivas podem ser necessárias, como uso de login próprio para crianças aliado à supervisão.
O acompanhamento dos responsáveis torna-se, progressivamente, mais relevante devido às novas tecnologias. Victor Albuquerque estima um futuro mais delicado em relação às interações virtuais.
“Isso vai se tornar ainda mais complexo, inclusive, com problemas de saúde mental. Num mundo não muito distante, a gente vai assistir aula virtual e ir até para festa virtual. Isso vai ser um problema muito sério para as crianças de hoje”, aponta.