O que é violência política e como ela pode prejudicar as eleições em 2022
Tema voltou aos holofotes antes mesmo do início da campanha política oficial após a morte de integrante do PT
O assassinato do tesoureiro do PT, o guarda municipal Marcelo Aloizio de Arruda, na madrugada do último domingo (10), em Foz do Iguaçu, no Paraná, acendeu o alerta para uma possível escalada de casos de violência política no pleito deste ano.
O aviso é de especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, que ressaltam a importância de políticos e instituições de Justiça se mobilizarem para conscientizar sobre a gravidade da situação e para dar respostas rápidas a casos do tipo.
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Marcelo Arruda comemorava seu 50º aniversário com uma festa, em sua casa, que tinha como tema o PT, quando o policial Penal Federal Jorge José da Rocha Guaranho invadiu o local aos gritos de "Aqui é Bolsonaro", conforme consta no boletim de ocorrência.
Em seguida, efetuou tiros contra o aniversariante, que revidou, em legítima defesa. Arruda faleceu. Guaranhos foi socorrido e está internado em um hospital da região, conforme informou a Polícia.
O episódio gerou reações entre autoridades políticas, inclusive cearenses, em meio a receios de uma escalada de intolerância e violência.
Somente na última semana, o juiz responsável por determinar as prisões do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e de pastores suspeitos de envolvimento em um lobby criminoso na Pasta, quando comandada por Ribeiro, teve seu carro atacado com fezes de animais; simpatizantes do PT foram atingidos por uma bomba caseira com fezes durante um evento no Rio de Janeiro; e um projétil de bala atingiu a redação do jornal Folha de S. Paulo.
Diante desse cenário, o Diário do Nordeste ouviu especialistas para explicar melhor o que é violência política e como ela pode impactar nas eleições deste ano.
Violência política
Incluída pela lei 14.197, de 1º de setembro de 2021, ao Código Penal, violência política é caracterizada pelo ato de restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena prevista é de 3 a 6 anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Para a cientista política e professora da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres, violência política se caracteriza por toda forma de agressão, seja física ou psicológica, que busca cercear o direito "ao posicionamento político do outro por questão de discordância", sem limite temporal para ocorrer - apesar de ficar mais intensa no período eleitoral.
Esse tipo de violência pode ensejar na prática de outros crimes, como ameaça, lesões corporais, injúria e até homicídio, como visto último no domingo.
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Essa escalada de violência neste ano, inclusive, pode ser agravada no período eleitoral, como projeta a professora. Para ela, os episódios devem ser mais intensos do que brigas políticas e bate-boca vistos em outros pleitos.
"É um exemplo muito emblemático de como a intolerância tem tomado parte do espaço público: um discurso voltado inteiramente para uma bolha e, por fim, uma agressão física que resultou na morte de uma pessoa. (...) Em tempos normais, é comum ter certa exaltação dos ânimos, e a gente já está vivendo um clima terrível de violência e intolerância"
Além das agressões a eleitores por discordância política, a violência contra a vida de representantes de cargos eletivos, candidatos ou pré-candidatos têm aumentado nos últimos anos. É o que mostra o levantamento realizado pelas organizações sociais Terra de Direitos e Justiça Global.
Entre janeiro de 2016 e setembro 2020, foram registrados:
- 125 assassinatos e atentados
- 85 ameaças
- 33 agressões
- 59 ofensas
- 21 invasões
- 4 casos de prisão ou tentativa de detenção de agentes políticos.
Para chegar ao resultado, o estudo mapeou notícias sobre violência política de veículos de comunicação do País.
A pesquisa "Violência política e eleitoral nas eleições municipais de 2020", de pesquisadores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), publicada Revista Brasileira de Ciências Sociais (Scielo), ressalta os prejuízos que o cenário pode causar para a democracia.
"A violência política durante o processo eleitoral gera enorme dano à sociedade, porque afeta o correto funcionamento da democracia. Em condições de elevado nível de violência, o resultado eleitoral deixa de ser considerado a expressão confiável da vontade dos eleitores e passa a ser visto como subproduto da manipulação eleitoral. Ao limitar as opções dos eleitores – que perdem o consagrado direito político de exercer a sua livre escolha e, coagidos, votam em determinados candidatos por medo de represálias –, rompe-se o vínculo programático que deveria orientar as eleições", apontam os pesquisadores Felipe Borba, Vinícius Israel, Miguel P. Carnevale e Pedro Bahia.
O impacto também é sentido, segundo o estudo, na prática da representação política. "Ao mesmo tempo, a violência traz consequências para o tipo de representação e de atuação parlamentar. Ao impedir a livre concorrência pelo voto, inibe a atuação de representantes eleitos, que agem coagidos em suas rotinas e atribuições políticas", diz o texto.
Cobrança por posicionamentos
Para barrar o crescimento da violência política, que pode culminar em crimes mais graves, o coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do Ministério Público do Ceará (MPCE), o promotor Emmanuel Girão, aponta para a necessidade de as instituições darem uma resposta rápida e adequada a casos de violência com cunho político-eleitoral.
"Seja de que lado for, é preciso que as instituições, polícia civil e federal, Judiciário, Ministério Público deem uma resposta eficaz contra essas ações já no começo", enfatiza.
Todavia, ele alega que o problema também deve ser enfrentado por candidatos, que devem se pronunciar para desencorajar tais práticas de violência.
"Nós vivemos uma polarização e um estado de acirramento nunca visto antes, descambando para vários atos de violência, não apenas contra candidatos, mas também contra simpatizantes e autoridades. E é importante que os políticos façam o papel deles, de orientar os seus seguidores que isso é totalmente prejudicial ao processo democrático, não beneficia ninguém. Eles têm que desencorajar esses atos"
Assim como Girão, Monalisa Torres também ressalta a necessidade de políticos se manifestarem contra os atos de violência, e não o contrário, para que os episódios não virem algo banal.
"Na medida em que você tem uma figura com representatividade, visibilidade, estimulando atos de intolerância, ou não dando a devida atenção, você de alguma forma estimula que esses atos sejam considerados algo normal na política, como a violência, o silenciamento, a agressão"
Emmanuel Girão acrescenta, ainda, que o MPCE já está realizando treinamentos com promotores eleitorais para coibir qualquer tipo de crime no pleito deste ano, no Ceará. Além disso, ele ressalta que os demais estão atentos a outros tipos de crimes.
"Os promotores eleitorais serão treinados para combater os crimes eleitorais em geral e os demais promotores também vão atuar para coibir esses crimes com motivação política. Se houver o crime de lesão corporal que caracterize a violência política, ele vai responder por dois crimes", informa.
Episódios no Ceará
A violência política não é novidade e há tempos atinge diversos estados, inclusive o Ceará. Em 2016, o candidato a vereador José Almir de Sousa, de Aiuaba, distante aproximadamente 240 km de Fortaleza, foi morto após sair de um comício na zona rural do município.
Logo em seguida, o filho do candidato matou um dos suspeitos e feriu outro. Na época, a polícia trabalhava com a hipótese de divergências políticas.
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Nas eleições de 2018, um jovem de 23 anos, identificado como Chalione Lessa Albuquerque, foi assassinado a tiros durante uma carreata de apoiadores do presidenciável Fernando Haddad (PT), em Pacajus, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Ele não tinha antecedentes, como informou a Polícia à época.