Sete casos que entrelaçam morte e atuação política na presidência da República do Brasil
Embora nenhum presidente em exercício tenha sido oficialmente executado, casos mudaram rumos da história do País
A recente descoberta de um plano para assassinar os então eleitos presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e vice Geraldo Alckmin (PSB) em dezembro de 2022 revela que, caso se concretizasse a investida, o Brasil teria o maior atentado direto à alta cúpula do Executivo da República nacional em 135 anos, ano que marca o fim do Império.
Nessa terça-feira (19), a Polícia Federal (PF) deflagrou a Operação Contragolpe com revelações importantes sobre os dois meses que sucederam a eleição de Lula para o terceiro mandato e a consequente derrota do então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Por se tratar de uma situação excepcional, outros casos na história da República brasileira envolvendo ameaças ou atentados contra o presidente são relembrados. Diferente de países como os Estados Unidos, jamais um chefe do Executivo em exercício ou os demais na linha de sucessão presidencial imediata no Brasil foram assassinados no cargo.
No cargo, além de casos de mortes naturais, como o presidente Afonso Pena, houve o emblemático suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, à época sede do Governo Federal do Brasil.
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O caso revelado pela PF nesta terça-feira, de longe, é o que envolve a maior quantidade de personalidades. O planejamento, que levou o nome de Punhal Verde e Amarelo, tinha por objetivo assassinar o presidente e o vice eleitos. Esse episódio contou com a participação de membros da alta cúpula militar do País.
Toda a trama tinha como maior objetivo gerar insegurança política e até mesmo jurídica, uma vez que também era planejado sequestrar ou matar o ministro do STF Alexandre de Moraes. De acordo com a PF, a finalidade dos articuladores visava um golpe de Estado no País.
Durante a manhã de terça-feira, cinco mandados de prisão preventiva, três mandados de busca e apreensão e 15 medidas cautelares diversas da prisão foram cumpridos pelos policiais federais. Em comum, eram pessoas ligadas a altas patentes das Exército e à própria Polícia Federal.
Os presos na operação são o policial federal Wladimir Matos Soares e quatro militares do Exército, ligados às forças especiais - os chamados 'kids pretos': o general de brigada Mario Fernandes (na reserva), o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo e o major Rafael Martins de Oliveira.
Outro ponto importante é que a PF afirma que o general Walter Braga Netto (PL), candidato a vice-presidente na chapa derrotada no segundo turno presidencial de 2022 encabeçada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), teria participado do planejamento do Punhal Verde e Amarelo.
Braga Netto seria um dos principais articuladores ao lado do general Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Segundo a PF, o objetivo seria instaurar um Gabinete de Crise no dia 16 de dezembro de 2022 - no dia seguinte à execução de Lula e Alckmin - logo após o golpe de Estado.
A cúpula seria composta principalmente por militares comandados por Augusto Heleno e Braga Netto. Ainda na organização, estariam presentes o general Mário Fernandes, preso na terça-feira, e o assessor especial da Presidência da República na época Filipe Martins.
Terceiro presidente do Brasil saiu ileso de tentativa de homicídio
Ainda no século XIX, o presidente Prudente de Morais foi alvo do primeiro atentado noticiado contra um chefe do Executivo nacional. Em 1897, no Rio de Janeiro, ele recebia os soldados que retornavam da Guerra de Canudos, no interior da Bahia, vencida pela União.
Em evento no Arsenal de Guerra, atual Praça Mauá, o soldado Marcelino Bispo de Melo chegou a encostar uma garrucha (espécie de pistola) no peito do então presidente, que a afastou com uma cartola. De acordo com arquivos do Senado Federal, o militar então sacou uma espada para alvejar Prudente de Morais, mas a arma feriu o então ministro da Guerra brasileiro, marechal Carlos Machado de Bittencourt.
O marechal não resistiu aos ferimentos e morreu, enquanto Prudente de Morais ficou ileso. Manoel Victorino, vice-presidente do Brasil e considerado inimigo do presidente, foi processado como mandante do atentado, mas foi absolvido por falta de provas. O chefe do Executivo nacional decretou estado de sítio e adquiriu amplos poderes para governar, o que acabou contribuindo para que a oligarquia do café chegasse com mais força à política nacional.
Candidatos foram alvo de atentados em plena campanha
Em 1966, em campanha para suceder o cearense Humberto Castelo Branco - primeiro presidente do regime militar (1964-1985) - o marechal Arthur da Costa e Silva, então ministro do Exército, percorria o País quando era esperado em Recife para cumprir parte da agenda.
O então ministro, de última hora, utilizou uma rota diferente para deixar o aeroporto e seguir de carro rumo a João Pessoa, capital da Paraíba e que fica a pouco mais de 100 quilômetros de Recife.
No aeroporto dos Guararapes, até hoje o principal da capital pernambucana, Costa e Silva pousou e deveria ir para o saguão encontrar apoiadores. Pelo fato de não haver a reunião, os seguranças dispersaram quem estava no local, incluindo uma mala abandonada.
Ao ser retirada pelo guarda Sebastião Tomaz de Aquino, explodiu, matando duas pessoas (o jornalista Edson Régis e o vice-almirante Nelson Gomes Fernandes) e ferindo outras 14. O segurança acabou perdendo a perna.
O caso foi considerado oficialmente como terrorismo, mas historiadores e cientistas políticos contestam essa versão e atribuem aos militares a responsabilidade pelo atentado, como um "plano orquestrado" para despertar medo na população e colocá-la contra o regime. Arthur da Costa e Silva seria eleito no ano seguinte e considerado um dos presidentes que mais endureceram direitos civis durante o governo militar, principalmente pelo Ato Institucional Número 5 (AI-5).
Anos mais tarde, em 6 de setembro de 2018, em plena campanha eleitoral, o então deputado federal e candidato à Presidência Jair Bolsonaro (à época no extinto PSL, hoje no PL), seria alvo de um atentado em Juiz de Fora.
Enquanto era carregado por uma multidão, Bolsonaro foi esfaqueado por um homem infiltrado entre os apoiadores. Ele foi levado ao hospital e se afastou, a partir de então, das principais atividades presenciais de campanha, incluindo debates eleitorais.
Adélio Bispo de Oliveira foi preso e condenado pela tentativa de homicídio. Apoiadores de Bolsonaro chegaram a relacionar o ataque a uma tentativa "a mando da esquerda" de matar o então presidenciável, já que o acusado foi filiado ao Psol entre 2007 e 2014, mas nunca houve provas sobre o caso.
Em junho de 2024, a Polícia Federal arquivou o inquérito que investigava o atentado contra Bolsonaro. Segundo o relatório divulgado pela instituição, "houve apenas um responsável pelo ataque, já condenado e preso".
Crime passional deflagrou crise política no País
Disputas regionais na Paraíba foram decisivas para o fim do período político do Brasil conhecido como República Velha. Um assassinato em Recife, desta vez do então presidente (cargo hoje equivalente a governador) do estado paraibano, João Pessoa, culminou com a ascensão de Getúlio Vargas para a presidência do País.
No fim da década de 1920, acirrou-se a disputa política entre João Pessoa e o advogado paraibano João Duarte Dantas. A Polícia do Estado foi até o escritório do opositor do presidente paraibano e encontrou cartas para Anaíde Beiriz, professora e militante que mantinha um caso com Dantas.
O caso foi divulgado pela imprensa apoiada por João Pessoa à época e despertou a ira do advogado. Após se mudar para Olinda, no Grande Recife, João Duarte Dantas aproveitou uma visita do presidente da Paraíba e, na Confeitaria Glória, na região central da capital pernambucana, atirou duas vezes contra o maior opositor, matando-o em 26 de julho de 1930.
Esse crime mudou os rumos da política brasileira. Por ocasião da Revolução de 1930, o então presidente Washington Luís foi deposto, assim como o presidente eleito Júlio Prestes jamais viria a tomar posse.
João Pessoa era ainda candidato a vice-presidente na chapa com Getúlio Vargas, mas foi derrotado para Prestes. Como resultado, o presidente da Paraíba passou a nomear a capital do Estado, e Vargas se tornaria presidente do Brasil por quase 15 anos ininterruptos.
Três mortes suspeitas criam teorias da conspiração
Dois dos últimos presidentes eleitos antes do regime militar, bem como o primeiro após a redemocratização tiveram a vida interrompida de modo que até hoje despertam divergências entre historiadores e cientistas políticos. Juscelino Kubistchek, João Goulart e Tancredo Neves, seja durante ou depois do mandato, morreram com mais dúvidas do que certezas.
Em 1976, em um intervalo de menos de quatro meses e em pleno regime militar, morriam dois ex-presidentes de forma suspeita. Em agosto daquele ano, foi a vez de Juscelino Kubistchek e do motorista Geraldo Ribeiro falecerem em um acidente de carro na BR-116 no trecho conhecido como Via Dutra (que interliga o Rio de Janeiro a São Paulo).
O grave acidente automobilístico aconteceu 15 anos após JK deixar a presidência, mas levantou suspeitas de complô e atentado político. O caso aconteceu na Via Dutra quando o motorista perdeu o controle do veículo e se chocou de frente contra um caminhão, em situação que levantou teorias da conspiração, incluindo um tiro na cabeça de Geraldo, que era amigo pessoal do ex-presidente.
A situação já chegou a ser analisada em diversas Comissões da Verdade pelo País, mas em 2014 ficou concluído pela Comissão Nacional da Verdade que Geraldo Ribeiro e JK morreram de forma acidental, sem nenhuma interferência externa orquestrada pelo regime militar.
Em dezembro, Jango, como era conhecido João Goulart, completava mais de 11 anos fora da presidência da República e vivia na Argentina exilado pelo regime brasileiro da época. No dia 6, ele sofreu um ataque cardíaco e faleceu. A autópsia não foi permitida pela família, o que despertou diversas dúvidas sobre a causa real da morte do ex-presidente.
Conforme dados do Senado Federal, a perícia feita em 2003 nos restos mortais de Jango descartaram a possibilidade de morte por envenenamento, como cogitou-se à época. Especialistas brasileiros e estrangeiros, no entanto, não afastaram a hipótese de um atentado, e que as substâncias possam ter desaparecido.
"Jango morreu em casa, na Argentina. A causa oficial da morte foi infarto. No entanto, parentes e amigos do ex-presidente sustentam que ele foi uma das vítimas da Operação Condor, montada pelas ditaduras militares do Brasil, da Argentina e do Uruguai para perseguir opositores. A suspeita era de envenenamento por uma cápsula colocada no frasco de medicamentos que ele tomava para controlar problemas no coração", descreveu o Senado Federal no ano da perícia.
Em 1985, foi a vez de Tancredo Neves falecer com diversas suspeitas levantadas. Figura conhecida da política mineira, ganhou ainda mais notoriedade por ser o segundo presidente do Brasil a morrer antes de assumir o cargo - o primeiro foi Rodrigues Alves, em 1918, que seria empossado para um segundo mandato.
Tancredo começou a apresentar problemas de saúde logo após ser eleito, no início de 1985, sendo ainda o primeiro presidente civil do País após mais de 20 anos de regime militar. Na véspera da posse, em 14 de março daquele ano, foi internado por questões gastrointestinais.
Com a saúde deteriorando, o vice-presidente eleito, José Sarney (MDB), assumiu interinamente o cargo. Nos dias seguintes, a imagem de Tancredo foi cercada de dúvidas sobre o real estado, com fotos emblemáticas no hospital chegando a ser produzidas para tranquilizar a população.
Em 21 de abril de 1985, porém, Tancredo morreu aos 75 anos. À época, foi divulgado que ele havia morrido de diverticulite, mas descobriu-se anos mais tarde que na verdade ele estava com um tumor benigno no intestino, e que isso poderia levar a população a entender que ele estava com câncer.
"Episódios isolados" marcam política brasileira, diz historiador
Para Carlos Zacarias, professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador de grupo de pesquisa em história política, a maioria dos atentados que envolveram presidentes, ex-presidentes e candidatos à Presidência refletem que o mais alto cargo do Executivo nacional é marcado por relativa tranquilidade em comparação com democracias como os Estados Unidos.
"Não é comum fatos na história do Brasil dessa intensidade, embora a gente saiba dos riscos que JK correu e até daquilo que se especula em relação à morte dele de carro, especula-se de que foi assassinado, como assim como João Goulart no exílio, depois de sofrer de golpe de Estado, mas essa especulação não confirmou em uma derivação desses episódios e em todo caso os dois não estavam mais governando o Brasil", defende.
Digo isso para diferenciar a história brasileira da história dos Estados Unidos, onde quatro presidentes foram assassinados. História muito violenta, vimos a eleição norte-americana, o Trump sendo vítima de um tiro que por pouco não atingiu a cabeça. Lá nos EUA isso é muito mais comum do que aqui no Brasil. Não quer dizer que aqui no Brasil não tenha, mas atinge em menos intensidade os presidentes da República, não é comum.
Apesar dessa clima de tranquilidade, o professor chama de "absurdo" e "chocante" o recente caso envolvendo o planejamento do assassinato de Lula, Alckmin e Moraes, e é preciso entender os desdobramentos da justiça com relação às investigações.
O que o especialista político projeta é que homens de confiança no entorno de Jair Bolsonaro serão ainda mais cercados pela PF, e a tendência é de que militares de alta patente, como Braga Netto e Augusto Heleno, sejam presos, assim como o próprio ex-presidente do Brasil.
"Se faltavam provas ao STF para prender os generais próximos de Bolsonaro, que estavam envolvidos no contexto do golpe e iam dirigir esse gabinete de crise que estava previsto e se faltava ao STF algo mais do que convicção, agora as provas abundam, não só para prenderem esses generais, como também para prender o próprio Bolsonaro, haja vista que o plano para matar esses três personagens foi impresso pelo menos duas vezes no Palácio do Planalto quando Bolsonaro estava lá. É impossível a gente dizer que não houve golpe e que esse golpe não ameaçou a continuidade claudicante da democracia no Brasil", classifica.