Ceará pode ter 150 mil pessoas com Alzheimer e rede de saúde define onde buscar ajuda
Especialistas defendem mais capacitações de profissionais para reconhecer os casos e dar encaminhamento precoce
O mal de Alzheimer é um quadro neurológico degenerativo que leva à perda lenta e progressiva da parte cognitiva, manifestado por dificuldades de memória de fatos mais recentes ao esquecimento de histórias distantes. Especialistas apontam que, por ser uma doença naturalizada pelo avançar da idade, muitos casos são subnotificados: estimativas epidemiológicas indicam que, no Ceará, podem haver de 130 mil a 150 mil pacientes.
A informação do neurologista Norberto Frota, coordenador da residência médica em Neurologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), foi compartilhada no lançamento da Política Estadual de Atenção à Pessoa com Doença de Alzheimer, na manhã desta terça-feira (24), na sede da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
Além dela, foi divulgada a Linha do Cuidado à Pessoa com Doença de Alzheimer. Juntos, os dois documentos fornecem orientações a famílias, cuidadores e profissionais de saúde sobre a rede de atenção a esses pacientes.
“A gente imagina que a prevalência seja em torno de 10% da população acima de 60 anos. Isso dá em torno de 150 mil pessoas no Estado do Ceará. Dessas, a maior parte não está diagnosticada”, lamenta o médico.
Nós temos uma taxa muito grande de subdiagnóstico porque encaramos como sendo algo normal da idade. Só quando ele está muito agitado, muito agressivo, ou muito contido, é que a gente acha que aconteceu algum problema.
Segundo a Sesa, os principais fatores de risco para o Alzheimer são:
- sedentarismo
- isolamento social
- baixa escolaridade
- rotina sem muito estímulo cognitivo
- fatores metabólicos como diabetes, pressão alta e obesidade.
Para a aplicação da linha de cuidado, a Secretaria vai iniciar os trabalhos pela região de saúde do Litoral Leste, que abrange 20 municípios como Aracati, Fortim e Icapuí. Para lá, Frota estima uma população em torno de 8,1 mil a 9,4 mil pessoas com a condição.
Sinais de alerta
É importante buscar ajuda profissional e acompanhamento médico assim que a doença for diagnosticada. A investigação é feita em consultório, por meio de uma série de testes para avaliar a memória, a capacidade cognitiva e a linguagem, seguidos por exames laboratoriais.
“O principal sinal é esquecer”, complementa Norberto Frota. “Passar a repetir assuntos, uma dificuldade na gestão de suas coisas financeiras, de remédios, de compromissos. Se eu estou com dificuldade de memória e tenho prejuízo com isso, tenho que procurar uma ajuda médica porque pode ser um quadro demencial”.
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O especialista ressalta que, quando o paciente tem um diagnóstico, é possível retardar a evolução da doença e permitir maior qualidade de vida.
“É importante que, aos primeiros sintomas, ele seja avaliado, para ver alguma causa que seja reversível e tratar, ou ser orientado da melhor forma de como conviver e tratar uma progressão mais lenta”, aconselha.
Tratamento para o Alzheimer
O Alzheimer não tem cura. No entanto, segundo o neurologista, tratamento e uso de medicação adequada permitem que a patologia evolua mais lentamente.
“Alguns remédios melhoram alguns sintomas de atenção, de memória e algumas questões de comportamento. Tem alguns trabalhos que mostram até um aumento de sobrevida, ou seja, uma diminuição da mortalidade”, destaca.
O Governo Federal possui uma política de fornecimento gratuito desses medicamentos, distribuídos pelo Governo do Estado, desde que os pacientes preencham alguns critérios simples e tenham prescrição médica. Contudo, apenas 4,5 mil pacientes recebem no Ceará.
Enfrentamento à doença
Pela dificuldade do cenário, dado o maior envelhecimento da população brasileira e cearense, o especialista defende a adoção de algumas estratégias:
- Capacitação da rede de atenção primária: agentes de saúde, enfermeiros e médicos da família precisam estar atentos aos sinais para dar o encaminhamento correto a cada caso;
- Disponibilização dos exames de triagem necessários pela rede de saúde;
- Facilitação na dispensação de medicamentos para o tratamento;
- Fortalecimento da rede de reabilitação próxima às residências dos pacientes (como policlínicas e instituições-dia).
Elcyana Carvalho, terapeuta ocupacional e fundadora da Abraz-CE, lembra ainda a necessidade de ampliar os atendimentos para públicos mais vulneráveis, como moradores de áreas rurais e de municípios mais distantes, e maior suporte aos familiares cuidadores, que muitas vezes lidam com os casos de maneira solitária.
O promotor de Justiça Alexandre de Oliveira Alcântara, atuante na área de Defesa do Idoso, também defendeu reservas de orçamento para que as políticas públicas efetivamente saiam do papel. Ele lembrou o dado alarmante de que cerca de 100 mil novos casos de Alzheimer são diagnosticados por ano, no Brasil.
“O Alzheimer, no caso da sociedade brasileira, é uma doença extremamente catastrófica, dada a nossa desigualdade social. Se é caro e difícil o cuidado com a pessoa com Alzheimer para uma família de classe média, para a maioria da nossa população, que é pobre, excluída e vive em uma situação de extrema desigualdade, eu diria que é um desastre”, avalia o promotor.
Ele defende ainda uma repactuação federativa entre União, Estados e Municípios para se chegar a pessoas que “vivem em uma condição extremamente difícil quando tem um familiar com demência”. “É preciso saber qual é o orçamento, com quais recursos vamos legitimar essa política”, finaliza.