Há 80 anos, mundo via o fim da II Guerra Mundial e dois combatentes do CE seguem como memórias vivas
“A guerra acabou!”. Em 8 de maio de 1945 a mensagem ecoou mundialmente. A assinatura de um documento pela Alemanha - chamado de instrumento de rendição - estabeleceu que o maior conflito bélico da história da humanidade chegava ao fim, ao menos na Europa. A Segunda Guerra Mundial ainda se estenderia no Japão, finalizando totalmente em setembro daquele ano. Mas, o 8 de maio entrou para a história oficial como o “Dia da Vitória” ou o “Dia do Fim da Guerra”.
Àquela altura, em terras italianas, cearenses de Fortaleza, Crateús, Quixeramobim, Amontada, Jaguaruana, Assaré, Caucaia e Itapipoca, dentre outras cidades, finalmente puderam comemorar. O sonho de retornar ao Brasil ganhou fôlego. Trariam consigo os horrores de uma guerra que até hoje não desapareceu. Mas eles sobreviveram. Havia esperança.
O Diário do Nordeste conta, por meio de um especial com conteúdos publicados nesta quinta-feira (8) e sexta-feira (9), fatos sobre a participação do Ceará no maior conflito bélico do mundo, cujos efeitos e repercussões mobilizam a história, e a necessidade de preservação desta memória é evidente.
Hoje, quando o mundo celebra os 80 anos do fim desse conflito mundial contra o nazifascismo, apenas 2 ex-combatentes cearenses seguem vivos. Ambos com mais de 100 anos: Geraldo Rodrigues de Oliveira, de 103 anos, e José Barbosa Sobrinho, de 107 anos. Ambos são moradores de Fortaleza, do Centro e do Parreão, respectivamente.
A idade avança e Geraldo ainda fala sobre esse passado, mesmo que a memória naturalmente guarde lacunas e a audição esteja prejudicada. Foi assim na entrevista concedida ao Diário do Nordeste, em sua residência, nesta semana.
Já José Barbosa, que guarda as glórias de ter sobrevivido ao combate e às tensões desse conflito, tem grandes dificuldades para se comunicar oralmente, conforme informado ao Diário do Nordeste pelo Tenente-Coronel Gustavo Augusto, historiador militar e pesquisador do Comando da 10ª Região Militar, que acompanha os dois ex-combatentes de perto.
Veja também
No Brasil, não se sabe precisamente quantos ex-combatentes ainda estão vivos. Mas, desde 2020, um movimento feito pela Associação Nacional de Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (FEB) tenta realizar um censo para saber quantos veteranos da FEB seguem com vida. Atualmente, conforme essa pesquisa, há 43 ex-combatentes vivos em cidades como Fortaleza, Cuiabá, Belo Horizonte, Belém, Curitiba, Recife, Rio de Janeiro, dentre outras.
Os pracinhas, como ficaram conhecidos, renasceram em maio de 1945, quando celebraram a chance de regressar à própria casa, de onde haviam partido, meses antes, em 1944, rumo ao velho continente.
Quando saíram do Brasil, muitos ainda com 18 e 19 anos, sequer tinham dimensão da grandeza e crueldade do conflito que vivenciariam. A Segunda Guerra, que durou de 1939 a 1945, deixou mais de 50 milhões de mortos.
Logo, se na história oficial a batalha teve desfecho, no cotidiano a angústia e as dores geradas pela tragédia de presenciar a fome, as dores, a miséria, o medo, não desaparecem da memória de quem sobreviveu.
Do Brasil, conforme dados do Exército, partiram 25.334 combatentes rumo à Itália - único território que recebeu brasileiros na Segunda Guerra - destes, 377 eram cearenses, e 6 perderam a vida.
Veja lista de cearenses mortos na Segunda Guerra Mundial
- 2º Sargento Hermínio Aurélio Sampaio
Natural de Crateús, morreu em combate em Monte Castelo com 36 anos; - 2º Sargento Francisco Firmino Pinho
Natural de Quixeramobim, faleceu em combate na localidade de Valdibre, Região da Toscana; - 3º Sargento Francisco de Castro
Natural de São Bento da Amontada, atual Amontada, foi morto em Zocca, Região de Modena, na Itália, aos 27 anos de idade; - 3º Sargento Edson Sales de Oliveira
Natural de Jaguaruana, morreu em combate na conquista de Montese, aos 24 anos de idade; - Soldado Clóvis da Cunha Pais de Castro
Natural de Assaré, morreu quando participava em uma patrulha de reconhecimento, próximo a Castelnuovo. Foi sepultado pelos alemães, em cova rasa; - Soldado José Custódio Sampaio
Natural de Caucaia, morreu em acidente automobilístico na cidade de Florença, na Itália, após o término da Segunda Guerra.
A decisão de entrar na Grande Guerra junto aos países Aliados (grupo que incluía Reino Unido, França, União Soviética e Estados Unidos) contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) foi tomada por Getúlio Vargas em agosto de 1942.
Isso após navios mercantes brasileiros terem sido torpedeados. Mas o veredito de ingresso na guerra é marcado pela resistência do próprio Vargas, visto que seu governo tinha um grau de apreço por elementos autoritários e pelo controle do Estado centralizado.
Ingresso na Guerra
Nas cidades do Ceará, a notícia que já era esperada, mas bastante temida, de ingresso na guerra, chegou em agosto de 1942. Na época, Vargas criou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar na Europa.
Cearenses das mais diversas cidades foram convocados. “Foi criada uma comissão volante no Ceará da 10ª Região de recrutamento de jovens para ir para a Guerra. Essa comissão viajou por vários interiores como Sobral, Quixeramobim, Juazeiro do Norte, Itapipoca, arregimentando pessoas para a Guerra. Esses cearenses eram trazidos para Fortaleza”, explica o Tenente-Coronel Gustavo Augusto, historiador militar e pesquisador do Comando da 10ª Região Militar.
Passados 83 anos deste período, o momento da convocação não foi esquecido. Quem evidencia é o ex-combatente Geraldo Rodrigues de Oliveira, de 103 anos, natural de Quixeramobim, e residente em Fortaleza.
Entre “flashes de memória”, ele recordou, em contato com a reportagem do Diário do Nordeste, nesta semana, que quando soube da guerra passou pelo processo de alistamento, junto a um primo, que não foi aprovado para prosseguir rumo ao combate. Ele seguiu.
Quando partiu para a Itália, Geraldo tinha pouco mais de 20 anos. Como outras dezenas de cearenses oriundos do interior foi deslocado para Fortaleza. Na capital, combatentes cearenses passaram pelo 23º e 29º Batalhão de Caçadores (23 BC), situados respectivamente na Av. Treze de Maio (onde permanece até hoje) e nas proximidades da Praça José Bonifácio (hoje, local do 5º Batalhão de Polícia Militar). Pontos de triagem, com inspeções de saúde, e treinamento para serem incorporados ao Exército.
As notícias sobre a Guerra seguiam, e os cearenses se mantinham em alerta sobre a necessidade de ir para a Europa. Em 1944, o temor se concretizou. Divididas em três escalões, as tropas do Ceará começaram a seguir, de julho a dezembro, do Porto do Mucuripe para o Rio de Janeiro de navio. Do Rio partiram para a Itália.
O Tenente-Coronel Gustavo Augusto, historiador militar e pesquisador do Comando da 10ª Região Militar, explica que do Brasil saíram 5 escalões. Os cearenses, embora presentes nos demais, foram em maioria no 5º, que saiu em 8 fevereiro de 1945 e chegou na Itália no dia 22 do mesmo mês. Naquela altura, a guerra já durava mais de cinco anos.
"Nosso armamento, munição, equipamento bélico eram muito precários porque ainda eram de uma doutrina precária, uma doutrina da época do exército francês incompatível com a doutrina moderna de guerra que era a alemã, e tivemos que ir para a guerra com uma nova mentalidade, a doutrina americana”.
No teatro de operações - como é chamada a área de intervenções militares como combates e outras intervenções - Geraldo fez diversos trabalhos, conta ele, dentre eles, a produção de casamatas, que são espécies de estruturas fortificadas, geralmente subterrâneas utilizadas para abrigo de tropas, armas ou proteção de equipamentos. “A gente cavava 2 metros de altura para construir a casamata”, aponta o ex-combatente.
Conforme a pesquisa "A mobilização, recrutamento e participação do Ceará na Segunda Guerra Mundial", do Tenente-Coronel Gustavo Augusto, os soldados do Ceará tiveram atuação ímpar em diversos combates importantes, dentre eles, as conquistas de Massarosa, Camaiore, Monte Castelo e Montese. Os dois últimos renderam até homenagens, virando nomes de bairros em Fortaleza.
Fim da Guerra e regresso
Em maio de 1945, a Alemanha finalmente se rendeu, e naquele momento o líder nazista Adolf Hitler e o fascista Benito Mussolini estavam mortosAntes disso, as tropas alemãs vinham perdendo força e os brasileiros tinham conhecimento de que o cenário estava se acalmando.
Em 8 de maio, com a notícia oficial do fim, contou Geraldo Rodrigues de Oliveira, o momento foi de gritos de entusiasmo entre os brasileiros, com arremesso das boinas militares para cima. “Muita alegria!” enfatizou o cearense durante a entrevista.
“A alegria que tivemos quando recebemos a notícia da rendição da Alemanha não tem comparação. Foi comemorada com um desfile de toda a tropa que se encontrava no Depósito de Pessoal e depois com o hasteamento da bandeira brasileira”, relatou o ex-combatente cearense Antônio Simão do Nascimento, em um livro de memórias pessoais entregue à família e escrito por ele no começo dos anos 2000. O pracinha morreu em 2003.
Na obra, que é uma narrativa pessoal sobre as próprias vivências, ele também rememora a emoção do dia do retorno ao Brasil. Isso porque, findada a guerra na Europa em maio, os primeiros ex-combatentes brasileiros só desembarcam no Rio de Janeiro em julho. Outros só vieram em setembro de 1945.
Em paralelo, a Guerra seguiu ainda no Japão, quando, em agosto, os Estados Unidos lançam bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki e, em setembro, o país asiático concorda com a rendição incondicional, pondo fim à Segunda Guerra Mundial em todos os terriórios.
Em setembro de 1945, na madrugada do dia 17, relata Antônio: “O Brasil rolou”, e os cearenses avistaram a cidade do Rio de Janeiro. “Ninguém conseguiu mais dormir. Uns tocavam, outros cantavam, outros dançavam, outros gritavam: o Brasil vem rolando. Era um barulho ensurdecedor. Parecia que aquilo não era verdade. Era um sonho”, escreveu. O regresso foi uma alegria sem dimensão. Festa de sobreviventes.
Efeitos da Guerra e repercussões
A Segunda Guerra Mundial não foi um conflito isolado, mas sim o “resultado de uma série longa de desdobramentos que culminaram, em 1914, com a Primeira Guerra Mundial, e que se acalmaram com o fim dessa guerra, mas não se resolveram”, destaca o professor, historiador e Mestre em Ensino de História, Paulo Airton Damasceno.
Ao longo do século XIX, explica o professor, ganha força a ideia de supremacia racial, “em que o branco europeu era o auge de um desenvolvimento racial biológico”. Isso, aponta, tendo como aparato a pseudociência que justificava a supremacia de um povo sobre o outro. “Isso vai culminar naquilo que a gente conhece como nazifascismo, que é a instrumentalização política da superioridade de um povo sobre outro”, reitera.
Na prática, reforça o professor, a Segunda Guerra Mundial é a culminância de uma série de conflitos e tensões que ao longo do século XIX e das primeiras décadas do século XX “levaram à formação de blocos ideológicos, de organização do poder político para estabelecer regimes ou reacionários ou revolucionários”.
O professor enfatiza ainda que a Segunda Guerra Mundial é um dos poucos conflitos nos quais a linha divisória entre o que é compreendido como bom e mau, certo e errado, é bastante clara. Isso porque, “o nazifascismo é tão violento e de discurso tão odioso”, destaca, que gera essa leitura.
“Hoje vivemos uma realidade de tensionamento político com o crescimento perceptível de grupos reacionários, movimento que pregam ideias muito parecidas pelo nazifascismo no início do século XX de tensionamento e aparecimento de conflitos geopolíticos em larga escala. Então, entender os caminhos políticos que levaram a essa guerra é fundamental para a nossa era”, ressalta.