Segundo maior açude do Ceará, o Orós está localizado nos territórios de três municípios cearenses — Orós, Quixelô e Iguatu —, mas o impacto dele ultrapassa fronteiras. As águas do reservatório, que chegou à capacidade máxima e sangrou na noite do último 26 de abril, chegam às sedes de Icó, Pereiro, Jaguaretama e Jaguaribe, podendo alcançar até a Região Metropolitana de Fortaleza ao alimentar o Castanhão. Pelo caminho, abastece distritos, comunidades ribeirinhas e agricultores familiares.

“Quem conheceu a cidade de Icó até os anos 1970 e viu em 2000 percebeu a diferença, a importância do perímetro irrigado [Icó-Lima Campos] para a produção de leite, frutas, arroz, para trabalho, renda e imposto para o município”, conta Erivan Anastácio, técnico do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs).

ERRAMOS (Atualização feita no dia 15 de maio às 14h23): Na primeira versão desta matéria, o Diário do Nordeste informou que o túnel que liga os açudes Orós e Lima Campos foi construído em 1962. A informação correta é que a primeira transferência de água ocorreu em 1962.

A estimativa é de que cerca de 70 mil pessoas sejam beneficiadas diretamente pelo Orós nos municípios próximos. “Digamos que esses litros ainda cheguem em Fortaleza, aí vai para milhares [de pessoas]”, complementa Welliton de Souza Ferreira, gerente regional da Bacia do Alto Jaguaribe. Além do consumo humano, a principal finalidade da barragem, essa água também é usada para dessedentação (consumo) animal e irrigação.

O Diário do Nordeste foi até a cidade de Orós, a cerca de 342 quilômetros de Fortaleza, para acompanhar a expectativa da população à espera da sangria do segundo maior açude do Ceará e entender outros aspectos dessa relação com o reservatório. Esta é a segunda reportagem do especial “Orós, tempos d’água”, que fala sobre o vínculo dos moradores com o Açude, construído há mais de 60 anos e o seu impacto na economia, cultura e memória.

Confira as outras reportagens desta série aqui: 

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Orós

Para onde vai a água do Orós

Existem três hidrossistemas que são abastecidos pelo açude Orós. Um deles é um túnel, que entrou em operação em 1962, e alimenta o açude Lima Campos, em Icó, abastecendo esse município e o perímetro irrigado Icó-Lima Campos. “Em tempos de normalidade hídrica”, conforme a Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado, a transposição ocorre por gravidade.

Do Orós, a água também é liberada para o riacho Feiticeiro, no município de Jaguaribe, por meio de uma adutora com cerca de 18 km de extensão. Notícias da época da inauguração do sistema, em 2011, apontam que aproximadamente 20 mil pessoas seriam beneficiadas com a obra, além de o recurso ser utilizado para a agropecuária na região.

placa indica válcula do orós
válvula dispersora do orós pereniza o rio jaguaribe e auxilia na qualidade da água
Açude Orós com capacidade próxima à da sangria
Legenda: A válvula dispersora libera água do Orós para o rio Jaguaribe e ajuda na manutenção da qualidade
Foto: Ismael Soares

Além disso, a água do açude é liberada para perenizar trecho do rio Jaguaribe em mais de 100 quilômetros por meio de uma válvula dispersora de 1,5 m de diâmetro. Quando a água jorra do equipamento, ela oferece um espetáculo à parte para quem visita o Orós ao formar o chamado “véu de noiva”.

Construída na década de 1980, a válvula também ajuda a manter a qualidade, uma vez que ela libera a água que está no fundo do açude. “Então, é interessante liberar constantemente para ter uma qualidade melhor da água, ter uma revitalização, tirar resíduos que acabam gerando macrófitas. Enfim, gera uma série de consequências, futuramente, no reservatório se deixar essa água parada pelo fundo”, explica Welinton de Souza Ferreira.

A própria sangria do açude também ajuda nessa manutenção da qualidade, segundo explica Erivan Anastácio. “É importante para todo reservatório. Quando ele sangra, sai a água pesada. No caso do açude Orós, são 22 municípios que, em sua maioria, não têm saneamento. Quando ele sangra, parte desse material desce e a qualidade da água melhora, o que é importante para todos nós, devido à saúde”, explica o técnico do Dnocs.

Rompendo fronteiras do Ceará, a água do Orós também beneficia municípios de estado vizinho, por meio da Operação Carro-Pipa, gerida pelo Governo Federal e executada pelo Exército Brasileiro.

Não lucra da água do açude Orós só a cidade de Orós, mas vários municípios, como Jaguaribe, Lima Campos — que é cheio sempre pela água do Orós, que abastece o Icó — e muitas cidades por aí. O Orós abastece, com carro-pipa, até cidade da Paraíba.
Tereza Cristina Alves Pequeno
Prefeita de Orós

O Orós ocupava o posto de maior açude do Ceará e passou para a segunda posição após a construção do Castanhão, que foi entregue pelo Governo Federal em 2002. Localizado na bacia do Médio Jaguaribe e com capacidade de armazenar 6,7 bilhões de metros cúbicos (m³) de água, o Castanhão também pode ser beneficiado com incremento de volume. É por meio dele que as águas do Orós podem chegar até a Região Metropolitana de Fortaleza.

E como a água chega até o Orós?

No início de 2025, o Orós estava com menos de 60% da capacidade preenchida. Foi em meados de março que a recarga do reservatório começou a chamar atenção. De acordo com Welliton de Souza Ferreira, esse aumento no volume, chegando à sangria, não era previsto para esse período do ano. “Com praticamente três meses concluídos e já reduzindo as chuvas na região, realmente não era esperado”, afirma.

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A principal fonte de água para a recarga do reservatório é o rio Jaguaribe, que nasce na Serra das Pipocas, na divisa entre os municípios de Tauá, Pedra Branca e Independência. De lá até chegar ao açude, somam-se a ele os fluxos de outros rios — como o Trussu, o Cariús, o Bastiões, o Trici e o Carrapateiras — e riachos. “Todos eles são afluentes do Jaguaribe, e alguns têm açudes que, quando sangram, desaguam para o Jaguaribe e chegam até o Orós”, explica Ferreira.

A Bacia Hidrográfica do Alto Jaguaribe é composta por 24 municípios e conta com 24 açudes públicos gerenciados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh). Alguns deles, como o Várzea do Boi, construído em 1954, e o Arneiroz II, de 2005, estão no início do curso do rio Jaguaribe. Essas barragens podem dificultar o aporte do Orós em anos com pouca chuva, aponta Ferreira.

Orós

Impactos de secas e cheias do açude

Se os benefícios do Orós são positivos para tantos cearenses, os momentos mais críticos dele também reverberam por onde ele tem influência. O hiato de 14 anos entre as sangrias de 2011 e de 2025, com período de volume por volta de 5% a capacidade, gerou desafios para a administração da água na região e para atender às diferentes demandas.

“Isso levou à redução de produção, porque o Comitê [da Bacia Hidrográfica] decide não liberar a água que liberava antes, quando ele tinha um volume maior. Isso afeta a produção, a qualidade de vida das pessoas e também a qualidade da água, porque quanto mais ele vai perdendo capacidade, a qualidade da água piora”, explica Erivan Anastácio.

Por outro lado, grandes catástrofes em barragens também têm potencial para impactar negativamente diversas localidades. Isso ocorreu durante a construção do Orós, após a estação chuvosa encontrar “a obra atrasada em relação ao cronograma inicialmente estabelecido”, segundo consta no livro “Acidentes e Incidentes em Barragens e Obras Anexas no Brasil”, editado pelo Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB) e pela Agência Nacional das Águas e do Saneamento Básico (ANA).

Conforme o relato, na época da construção — que teve início em em 1958 — quase todos os órgãos federais tiveram recursos transferidos para a construção de Brasília, inclusive o Dnocs. Com isso, a obra do Orós sofreu “intensa restrição de recursos” para efetuar o aterro da barragem. Desde o início do segundo semestre de 1959, a direção do Departamento começou a alertar sobre a possibilidade da obra colapsar.

As chuvas, que chegaram fracas no início de 1960, intensificaram-se no mês de março e a barragem parcialmente executada começou a represar quantidade de água maior do que a capacidade do túnel de desvio, que havia sido projetado para o período de estiagem.

painel com fotos do início das obras do Orós
Livro de capa dura que reúne informações sobre a história do açude Orós
Painel com imagens do arrombamento do Orós
Legenda: Acervo da Associação Histórico Cultural Pedro Augusto Netto registra a história do Orós
Foto: Ismael Soares

Para tentar conter a tragédia de um arrombamento completo da estrutura, os engenheiros decidiram dinamitar parte da ombreira direita para aumentar a passagem da água, pontua Kamillo Karol, doutor em História e professor da rede pública estadual. “É tanto que funciona e eles conseguem refazer a obra após as chuvas e entregar o açude em janeiro de 1961”, afirma.

Posteriormente, ante a subida do nível d’água a montante do aterro, escavou-se pequena extensão da crista provisória para direcionar a ruptura e tentou-se proteger a crista e o talude de jusante com mantas plásticas. Nos primeiros minutos da madrugada do dia 26 de março de 1960, a barragem em construção começou a ser galgada, tendo resistido por muitas horas.
Livro Acidentes e Incidentes em Barragens e Obras Anexas no Brasil
Comitê Brasileiro de Barragens e Agência Nacional das Águas e do Saneamento Básico

Governos municipais, estadual e federal se mobilizaram para orientar a população que buscasse abrigo em lugares altos. Caminhoneiros, viajantes, radialistas e oficiais de polícia passavam os avisos adiante, enquanto outros agentes, em aviões, arremessavam panfletos para alcançar as comunidades mais distantes.

“Os dois mil homens que trabalhavam na tentativa de aumentar o nível da parede da barragem receberam ordem de parar”, narra uma reportagem do Diário do Nordeste publicada em 4 de janeiro de 1986 sobre os 25 anos após a inauguração do açude.

Como consequência, a água liberada nessa cheia percorreu 75 km em aproximadamente 12 horas e inundou as cidades de Aracati, Itaiçaba, Jaguaribe, Limoeiro e Juazeiro. O desastre afetou cerca de 60% da população do Baixo Jaguaribe, que era contabilizada em 170.000 habitantes.

Panfleto distribuído para alertar a população sobre o rompimento de parte da parede do açude Orós
Legenda: Panfleto distribuído para alertar a população sobre o rompimento
Foto: Reprodução

À época da destruição parcial da parede do Orós, o presidente esteve no Ceará para um sobrevoo por todo o Vale do Jaguaribe. Ao voltar para Brasília, “autorizou a imediata reconstrução da barragem e pagamento de indenizações”, relatam informações do Dnocs.

Décadas depois, em 2025, o Orós está passando por obras de recuperação e modernização, assim como outros açudes do Ceará, do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e da Paraíba. Segundo informações do Dnocs, a obra custa cerca de R$ 15,3 milhões e deve terminar no fim deste ano.

Quando o Diário do Nordeste esteve no local, o vertedouro já havia sido recuperado e estava sendo pintado. Entre as mudanças, a crista do açude receberá iluminação de led e um novo letreiro, conforme explicou o engenheiro Adalberto Cavalcante, do Consórcio TSC e Britânia, responsável por executar a recuperação. Além disso, todo o equipamento da válvula dispersora será trocado.

Orós