‘Cápsula do tempo’ pode estar escondida há 100 anos em monumento de praça em Fortaleza

Registros indicam que, em 1922, materiais foram colhidos para serem colocados na Coluna do Cristo Redentor, no Centro. A ideia era abrir o artefato em 2022.

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
praça do cristo redentor
Legenda: Os registros foram programados para serem colocados na coluna, de 35 metros, erguida na Praça Cristo Redentor, no Centro.
Foto: Fabiane de Paula

Recolher e guardar documentos, atas, fotos, descrições de festas, dentre outros registros, do tempo presente para serem encontrados por moradores do Ceará daqui a 100 anos. Em 1922, era mais ou menos essa a ideia de integrantes da Phenix Caixeiral, uma relevante instituição cultural e educacional de Fortaleza, fundada por trabalhadores do comércio, que existiu entre 1891 e 1979. 

Para viabilizar, associados juntaram material para criar uma "cápsula do tempo” a ser aberta em 2022. Os registros foram programados para serem colocados na coluna, de 35 metros, erguida na Praça Cristo Redentor, no Centro. 

Em novembro 1922,  jornais da época exibiam convocatórias para que prefeitos, vigários e interessados da população em geral enviassem à sede da instituição Phenix Caixeiral, no Centro, materiais que pudessem ser agrupados e colocados no monumento na Praça Senador Machado (hoje Praça do Cristo Redentor). 

A Phenix Caixeiral tinha, dentre outros serviços, uma escola, um cine-teatro, uma biblioteca social, além de oferecer assistência médica, dentária e judiciária aos trabalhadores do comércio. 

À época, a coluna do Cristo Redentor que existe até hoje, estava em construção desde julho de 1922. O monumento Cristo Redentor faz alusão ao 1º Centenário da Independência do Brasil e tem 35 metros de altura e 3 metros de circunferência. Estava prevista para ser inaugurada em setembro de 1922, mas só foi em 24 de dezembro do mesmo ano.

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Mas, essa história prosperou? Há registros armazenados no local? E, quem pode realmente confirmar o fato?

A história interessante, infelizmente, não tem respostas precisas. Apesar de indícios, a cápsula aparentemente nunca foi encontrada. O Diário do Nordeste juntou evidências e consultou órgãos oficiais para tentar registrar o desfecho desse fato. 

Registros de 1922

A informação sobre o recolhimento do material e o possível depósito da “cápsula do tempo” no monumento foi constatada em um periódico de 1922 por um morador de Fortaleza, Raimundo Gomes, ao realizar uma pesquisa histórica recentemente. Ele atua como segurança, mas se define como “fanático por história”. 

praça cristo redentor
Legenda: A torre foi erguida por trabalhadores do Círculo Operário em 1922.
Foto: Fabiane de Paula

O Diário do Nordeste entrou em contato com Raimundo, que reafirmou o que havia postado em uma de suas redes sociais nas últimas semanas. Em seguida, o Diário do Nordeste buscou na Biblioteca Pública Estadual do Ceará e no Instituto do Ceará fontes documentais nas quais podiam constar evidências da suposta "cápsula do tempo”. 

Raimundo disponibilizou publicamente duas imagens de recorte de jornal da época. Apesar de questionado, ele não quis dizer qual o nome do periódico. 

registro de jornal
Legenda: Raimundo Gomes, morador de Fortaleza, encontrou em um jornal de 1922 referências ao recolhimento do material.

Em um deles, uma coluna pequena, tem o título “Para os cearenses de 2022”. Nessa publicação, consta que a Phenix Caixeiral estava empenhada em guardar na coluna da praça “todos e quaisquer documentos referentes à celebração do Primeiro Centenário da Independência do Brasil, no Ceará”. 

A instituição solicitava, via jornal, que fossem remetidos “descrições de festas, jornais, atas de sessões, fotografias locais e outras provas das manifestações públicas e particulares deste estado”. 

Na outra publicação consta que o jornal apoiou a solicitação por ser entusiasta da ideia, segundo a coluna, “lançada pelo coronel João Câmara Filho e em tão boa hora abraçada pela Phenix, da conservação para os cearenses de 2022, da lembrança do que foi a comemoração, entre nós, do 1º centenário da nossa Independência Política”. 

"É preciso cautela. Primeiro saber se está lá mesmo e em qual local está. Agora, nós fazemos o centenário da Independência do Brasil. Em 1922, havia esse sentimento cívico. Então, o Brasil inteiro comemorou. No Rio de Janeiro, havia várias exposições por conta do centenário".
Raimundo Gomes
Morador de Fortaleza que evidenciou o registro sobre a possível cápsula do tempo,

Busca por evidências

No percurso para tentar apurar se esse fato ocorreu realmente, a princípio foi feita a consulta aos jornais da época, disponíveis na Biblioteca Pública Estadual e no Instituto do Ceará. 

Na busca, o Diário do Nordeste constatou que dos periódicos que existiram no período é possível, atualmente, acessar dois: o Correio do Ceará (circulou de 1921 a 1982) e a Tribuna (circulou de 1921 a 1924). 

Enunciados de jornais em que constam publicações sobre a inauguração da “Coluna do Cristo Redentor”

Correio do Ceará
29/12/1922 - “O monumento que os trabalhadores e operários católicos do Ceará erigiram a Jesus Redemptor” (grafia da época)
22/12/2022 - “A inauguração do monumento a Christo Redemptor (grafia da época)
14/12/1922 - “Columna do Centenário” (grafia da época)
25/11/1922 - “Louvável iniciativa da "Phenix" 

A Tribuna
18/12/1922 - “A Columna do Redemptor” (grafia da época)
21/12/1922 - “Inauguração da Columna do Centenário do Cristo Redemptor” (grafia da época)
26/12/1922 - “A benção da Collumna ao Cristo, o Redentor” (grafia da época)

No Correio do Ceará, entre novembro e dezembro de 1922, há quatro publicações sobre a inauguração da coluna do Redentor. Em duas delas, basicamente textos curtos de uma coluna, há menção ao recolhimento feito pela Phenix Caixeiral.

No dia 25 de novembro de 1922, o jornal publicou que a instituição estava recebendo até o dia 30 de novembro de 1922, uma série de documentos e registros para “guardar na coluna”. 

recorte de jornal de 1922
Legenda: Notícia do Correio do Ceará em 14 de dezembro de 1922
Foto: Reprodução fac-símile Correio do Ceará, disponível no Instituto do Ceará

A indicação é que os interessados enviassem o material à sede da instituição no Centro de Fortaleza, à época, na Rua 24 de Maio esquina com a Rua Guilherme Rocha. 

Já no dia 14 de dezembro de 1922, consta no jornal que a instituição havia recebido, dentre outros materiais: fotografias e jornais de Baturité, fotografias de Aracati, jornais de Pacoti, Crato e Canindé, placas de praças, fotografia de uma “parada” escolar, almanaque do Ceará de 1922, atas de sessões cívicas do Centro Artístico Cearense e da Sociedade Artística Beneficente. 

recorte de jornal de 1922
Legenda: Notícia do Correio do Ceará em 14 de dezembro de 1922, disponível no Instituto do Ceará.
Foto: Reprodução fac-símile Correio do Ceará

Nas outras duas publicações do Correio do Ceará que fazem referência ao monumento, não há menção à suposta “caixa de memória".

Uma relata que haverá a inauguração da torre no dia 25 de dezembro e no texto do dia 29 de dezembro de 1922 há a narrativa de como ocorreu a solenidade. Não há evidências se a “cápsula” teria sido depositada na coluna. 

Já no jornal A Tribuna, não foi constatada nenhuma evidência do enterro ou armazenamento da cápsula. No periódico, foram publicados ao menos três textos sobre a coluna do Cristo Redentor em dezembro de 1922, nos dias 18, 21 e 26.  

recorte de jornal de 1922
Legenda: Notícia do A Tribuna em 26 de dezembro de 1922
Foto: Reprodução fac-símile A Tribuna, disponível na Biblioteca Pública Estadual do Ceará

Há outras cápsulas do tempo?

Em algumas situações, as chamadas cápsulas do tempo - que podem ser urnas de bronze, cobre, acrílico, latão, dentre outros materiais - são enterradas ou colocadas junto às chamadas “pedra fundamental” das obras, que podem ser também as placas dos monumentos. 
 
No caso da suposta cápsula do monumento do Cristo Redentor, as menções em jornais não indicam precisamente a localização prevista do artefato. Apenas relatam que seria “guardada na coluna”. 

O monumento tem 6 placas fixadas na base. Elas registram, dentre outras informações, a data de inauguração e homenagens às instituições e aos trabalhadores do Círculo Operário responsáveis pela execução da obra em si. 
 
A produção de cápsulas do tempo, conforme o pesquisador, jornalista e memorialista, Miguel  Ângelo de Azevedo, o Nirez, era um “costume”, mas que em Fortaleza, nos dias atuais, acaba tendo dificuldade de localização, abertura e divulgação. 

praça cristo redentor
Legenda: As cápsulas do tempo são enterradas ou colocadas junto às chamadas “pedra fundamental” das obras, que podem ser também as placas dos monumentos.
Foto: Fabiane de Paula
 

De acordo com ele, além da possível cápsula do monumento do Cristo Redentor, registros admitem que pode ter havido depósito de uma cápsula na construção da Praça do Ferreira e na Praça Caio Prado (Praça da Sé).  
 
Nirez também explica que geralmente esses artefatos que fazem os moradores contemporâneos terem ciência do que realmente ocorreu no passado, eram acoplados na pedra fundamental no início da obra. Em seguida, se construía por cima. 
 
Ao falar do efeito que o desconhecimento sobre a existência e abertura das cápsulas do tempo   gera, ela reforça que “há coisas interessantíssimas na história e poucas pessoas sabem” e reitera a necessidade de dar visibilidade e registro a esses achados. 

Reforma da praça

A praça Cristo Redentor é um logradouro público de Fortaleza sob a responsabilidade da Prefeitura. Mas, entre agosto de 2018 e agosto de 2019 passou por uma reforma sob a responsabilidade da Superintendência de Obras Públicas (SOP) do Governo do Estado. 
 
O Diário do Nordeste questionou ao órgão se na última intervenção houve algum achado de artefatos históricos no local, bem como se houve alguma intervenção na coluna em si.

praça do cristo redentor
Legenda: Praça teve o chão reformado entre agosto de 2018 e agosto de 2019.
Foto: Fabiane de Paula

Em nota, a SOP informou que, à época, a obra foi iniciada pelo Departamento de Arquitetura e Engenharia (DAE) e finalizada pela SOP e consistiu apenas na troca do piso antigo por um piso drenante que permanece até hoje. 
 

“A única escavação que aconteceu no local foi para a construção de quiosques, e nenhum artefato histórico foi encontrado na ocasião. A reforma não contemplou nenhuma intervenção na torre, apenas foi substituído o piso no seu entorno.”
Nota Superintendência de Obras Públicas

 
A Prefeitura de Fortaleza também foi acionada via secretaria Regional 12 (nova divisão administrativa de Fortaleza), área na qual a praça está situada. Também foi indagado se houve algum achado de material na última reforma ou se há algum registro oficial de pesquisadores e/ou instituições de memória sobre a possível existência da cápsula. 
 
Para o morador de Fortaleza, Raimundo Gomes, que deu evidência ao registro sobre a possível cápsula do tempo, é relevante que órgãos de cultura e memória possam se empenhar no resgate. Ele reforça que é interessante avaliar se material se encontra no local, “e a partir daí serem adotadas em conjunto as próximas ações”.
 

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