Capivaras em Fortaleza viram preocupação de saúde pública e motivam elaboração de plano de cuidados
Animais silvestres são dóceis e adaptados ao convívio humano, mas podem ser vetores de doenças
A presença de capivaras em espaços públicos de Fortaleza até parece inofensiva, mas pode trazer sérios problemas de saúde pública. As aparições delas se tornaram mais comuns na última década e têm gerado preocupação de órgãos ambientais - a ponto de um plano de manejo estar em elaboração.
As capivaras são animais silvestres dóceis e se adaptaram ao convívio humano, como explica o biólogo Hugo Fernandes, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e coordenador do Laboratório de Conservação de Vertebrados Terrestres (Converte).
Contudo, ele aconselha evitar o contato direto. “Embora seja um animal maravilhoso, super calmo, que tende a não ser agressivo, ele pode reagir mordendo e, como todo animal silvestre, trazer algumas doenças aos seres humanos”. Entre elas, a raiva e a leptospirose.
O contato indireto também gera um risco potencial, já que a capivara pode abrigar o carrapato-estrela, um vetor da febre maculosa.
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O especialista recomenda que todo local que tem capivaras, sobretudo em meios urbanos, deve ter monitoramento dos órgãos de saúde para entender quais são os patógenos associados a elas.
“O ideal é manter uma distância, deixar o animal lá no cantinho dele e, caso seja necessário um manejo, chamar as autoridades competentes para isso”, defende Hugo.
Nos últimos meses, de fato, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) vem preparando um relatório que deve embasar um plano de manejo para os animais, a fim de retirá-los do convívio humano.
Porém, segundo o superintendente do órgão no Ceará, Deodato Ramalho, ainda “não tem nenhuma novidade”. Seguindo os ritos, o relatório será submetido em breve à Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e ao Ibama nacional.
Por sua vez, a Semace alegou ao Diário do Nordeste “não há necessidade de retirar o animal de onde ele está”.
“O procedimento ao encontrar esses animais é ignorar a presença e não ter nenhum tipo de interação. O resgate só cabe em caso de risco para o animal ou para as pessoas, que não ocorre no caso das capivaras”, define.
Morte misteriosa
Há mais de um ano, um grupo de capivaras era atração especial no entorno do Lago Jacarey, no bairro Cidade dos Funcionários. Segundo moradores, uma morreu atropelada e outras foram removidas pelo Ibama. A única restante foi “adotada” pelos visitantes da área de lazer e costumava ser alimentada.
No entanto, no último dia 28 de julho, o animal apareceu morto dentro do corpo d’água. A Secretaria Municipal da Conservação e Serviços Públicos de Fortaleza (SCSP) informou que não realizou o recolhimento do corpo de animais na data. As equipes foram acionadas pela Central 156 e chegaram a ir ao local, mas não localizaram o animal.
A Semace disse que não atua diretamente em óbitos de capivaras ou quaisquer animais silvestres. Como a demanda também não foi atendida pelo Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA), a causa da morte e o destino do cadáver permanecem sem explicação.
O biólogo Hugo Fernandes considera que o animal estava afastado do seu grupo, já que a capivara é uma espécie social que depende dele para melhor viver, e avalia que o Lago Jacarey não se caracteriza como o melhor habitat possível para ela.
“As condições do Lago Jacarey, em termos de poluição, não são nada boas, e o entorno em termos de oferta de comida também é muito pouco diverso para esse animal. Então, de fato, ali não é o melhor lugar para ele estar”, diz.
Soltura de animais
A Semace acrescentou que auxilia o Ibama no trabalho de reabilitação através do Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras) e na soltura dos animais. Na última semana, por exemplo, o órgão ambiental estadual contribuiu para a soltura de capivaras no estado do Piauí.
Contudo, a Superintendência informa que não existem áreas de soltura cadastradas no estado do Ceará com ocorrência de capivaras. Atualmente, existe uma instrução normativa do órgão que estabelece diretrizes, critérios e procedimentos gerais para o cadastramento de áreas para soltura de animais silvestres nativos provenientes de resgate, apreensão ou entrega voluntária.
Hugo Fernandes defende a necessidade de se entender primeiro em que condições o animal está. Se houver inconformidade em relação ao seu hábito, pode-se sim optar pelo manejo direto - um resgate seguido da soltura num local adequado.
Registros em Fortaleza
Em abril de 2023, uma capivara de 40 kg foi resgatada pelo BPMA após ser encontrada em um posto de saúde na Praia do Futuro, em Fortaleza. Em junho do mesmo ano, outra foi capturada na orla da Praia de Iracema após denúncias de que o animal havia sido visto na faixa de areia.
Também já houve relatos de capivaras no Parque do Cocó, maior área verde da cidade. Em janeiro de 2020, uma foi encontrada por trabalhadores de uma obra no acostamento da Avenida Alberto Craveiro, no bairro Dias Macedo. Na mesma semana, outra foi resgatada próxima ao mar da Praia do Futuro.
Considerada extinta da fauna cearense em meados dos anos 1970, as capivaras foram reintroduzidas no Estado. Pesquisadores que estudam o animal têm a hipótese de que a população cresceu devido à atuação de um criadouro na região de Aquiraz.
Nos anos seguintes, soltas indevidamente, as capivaras teriam encontrado um ambiente favorável para reprodução e alimentação em áreas úmidas de municípios da Região Metropolitana de Fortaleza. Outra possibilidade é a expansão natural de animais oriundos de Estados vizinhos.
Características das capivaras
O biólogo Hugo Fernandes lembra que a capivara é o maior roedor do mundo e uma espécie sul-americana de hábitos sociais, ou seja, sempre está em bandos, geralmente familiares, associados a ambientes aquáticos e semiaquáticos.
Ela se alimenta sobretudo de gramíneas, entre outros vegetais, e também compõe uma base alimentar muito importante para grandes carnívoros.
Porém, como se tornou um animal sinantrópico, ou seja, acostumado ao ambiente urbano, é importante entender se os hábitos estão adequados e se não existem agentes transmissores de zoonoses circulando.
Segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a principal ameaça a esses animais ocorre pela caça para obtenção de carne e pele, além de seu uso como isca para presas maiores. Depois, vem a restrição de seu espaço natural pelo desmatamento e expansão das cidades.