Após denúncia de maus-tratos, idosos do Abrigo São Gabriel são todos retirados do local e 5 internados em hospitais
MPCE solicitou a interdição da casa de repouso devido a más condições estruturais

Após denúncias de maus-tratos relatadas em fevereiro, 66 idosos da "Casa de Repouso Psiquiátrico São Gabriel”, no bairro Carlito Pamplona, em Fortaleza, foram retirados do local, que também teve um pedido de interdição feito pelo Ministério Público do Ceará (MPCE). Do total, cinco pessoas saíram da instituição para serem hospitalizadas. A conclusão da desocupação ocorreu na tarde de segunda-feira (17), conforme a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS).
A instituição privada funcionava de maneira precária, com irregularidades estruturais e mantendo idosos em más condições de saúde, alguns sofrendo violência, andando nus e passando fome, como noticiou o Diário do Nordeste em fevereiro deste ano. Todos os pacientes foram encaminhados para acolhimento familiar, institucional ou para hospitalização, segundo a SDHDS. Após a ação, 48 idosos voltaram para as famílias.
Além disso, 9 pessoas foram transferidas para outras unidades de acolhimento em saúde, sendo que 5 outras precisaram de internação hospitalar para tratamento - a Pasta não informou o motivo, mas em fevereiro, alguns dos idosos tinham sintomas de tuberculose. A Secretaria de Direitos Humanos disse ainda que disponibiliza cuidadores em tempo integral e refeições para os remanescentes.
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A Secretaria de Saúde de Fortaleza (SMS) prestou a assistência social e médica necessária, com atendimento individual de psiquiatras e profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF), Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e do Programa Melhor em Casa.
O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) solicitou a interdição da casa de repouso à Justiça ao encontrar irregularidades e condições inadequadas de mais de 60 idosos ou pessoas com deficiência.
A decisão liminar da 7ª Vara da Fazenda Pública determinou, junto da interdição, que a instituição privada também fica proibida de manter ou receber novos residentes na casa, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.
O Município de Fortaleza e o Estado do Ceará foram encarregados da responsabilidade de dar assistência e fazer a realocação imediata dos residentes para instituições adequadas com prazo de 30 dias, contando a partir de 18 de fevereiro.
Problemas estruturais
O Ministério Público pontuou que visitas ao local foram realizadas pela equipe do Núcleo de Apoio Técnico e as análises confirmaram uma série de problemas. Confira:
- Falta de documentação
- Não comprovação de limpeza do reservatório de água potável
- Irregularidades na acessibilidade e na instalação elétrica e hidráulica
- Ausência de portas em banheiros e em dormitórios
- Fissuras em paredes
- Insuficiência de limpeza e iluminação nos ambientes
- Manchas de umidade
- Mofo e bolor
- Presença de cupins
- Telhas quebradas
- Ferragens expostas no teto
O MPCE também solicitou a apuração de danos morais coletivos, pontuando que os responsáveis pela instituição devem responder judicialmente pelos danos causados. Além disso, o caso foi encaminhado para a Delegacia de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência, resultando na abertura de um procedimento criminal para apurar suspeitas de delitos cometidos.
Procurada pelo Diário do Nordeste mês passa, a Casa de Repouso São Gabriel disse em nota que "não foi oficialmente intimada da decisão judicial, recebendo com surpresa tais informações".
"Com mais de 6 anos de atuação no mesmo endereço, a Casa de Repouso São Gabriel sempre prestou seus serviços de forma regular e responsável, sendo referência no acolhimento e cuidado de pessoas com problemas psicológicos/idosos. Ressaltamos que, ao longo dos anos, diversos pacientes foram encaminhados à instituição tanto pelo próprio Ministério Público quanto pelo sistema de saúde pública, o que reforça o reconhecimento da qualidade e necessidade dos serviços prestados", afirmou.
A instituição reforçou que as denúncias "não condizem com a realidade atual do abrigo". Segundo a diretoria, as imagens divulgadas "são antigas e referem-se a um período anterior à ampla reforma realizada" nas instalações do local. A nota ressalta ainda que a entidade "tomará todas as medidas jurídicas cabíveis para esclarecer os fatos e garantir a continuidade de seus serviços em prol da comunidade".
Pedido de interdição há 6 anos
Em outubro de 2019, o MPCE já havia protocolado um pedido para a interdição judicial da mesma casa de repouso. À época, a fiscalização constatou a ausência de alvará de funcionamento, acomodações inadequadas, ausência de suporte adequado de saúde mental, falta de recursos humanos capacitados e irregularidades na infraestrutura do imóvel.
No entanto, segundo o promotor Alexandre Alcântara, a empresa continuou a funcionar utilizando métodos suspeitos para continuar atuando.
"Infelizmente, a fiscalização sempre está atrás porque, muitas vezes, eles são clandestinos, se escondem e sabem da lentidão do Judiciário. Eles se valem de artimanhas como mudar de endereço e a nomenclatura, abrir novas empresas e reiniciar todo o processo de fiscalização", observa com a experiência de 15 anos na área.
Alcântara explica ainda que o grupo responsável pelo abrigo São Gabriel já é conhecido por burlar a legalidade. Veja o retrospecto:
- 2013 a 2016: administravam o lar de amparo ao idoso Filhos de Maria, no bairro São Gerardo, interditado por "total falta de condições";
- 2016 a 2019: em Caucaia, fundaram o lar de amparo Filhos de Maria, na Iparana; o lar Paz e Bem, no mesmo bairro; e a FF Casa de Apoio, no Pacheco. Todos foram interditados por denúncias de maus tratos e negligência;
- Janeiro de 2019-2025: abrem a casa de repouso São Gabriel, inicialmente no São Gerardo, e depois no Carlito Pamplona, "novamente sem qualquer regularidade".
"Esse histórico mostra que esse grupo nunca quis trabalhar de forma correta e séria", aponta o promotor.