Abandonado e com riscos ambientais, saiba o que precisa ser feito no Parque Nacional de Jericoacoara
União, Estado, Municípios e sociedade civil devem desenvolver diálogo nos próximos meses para criar alternativa à concessão à iniciativa privada
O Governo Federal suspendeu, na última segunda-feira (6), a licitação de concessão do Parque Nacional de Jericoacoara à iniciativa privada por um período de 30 anos, interrompendo uma discussão que se arrastava há mais de uma década. Mas, afinal, o que poderia mudar com o leilão da área?
Atualmente, o Parque é gerido pelo Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), que lançou a licitação no dia 29 de dezembro do ano passado. Segundo o texto, a empresa vencedora deveria desenvolver atividades de apoio à visitação, revitalização, modernização, operação e manutenção dos serviços turísticos.
A proposta foi alvo de críticas do governador Elmano de Freitas, que comemorou a suspensão e propôs uma gestão compartilhada com investimentos estaduais de cerca de R$ 15 milhões na região. “Jeri é patrimônio cearense!”, escreveu nas redes sociais.
Antes disso, a empresa que atendesse aos requisitos da União teria permissão para gerenciar serviços como ingressos para visitantes, mirantes, estacionamentos, trilhas e outros equipamentos turísticos, além de desenvolver ações de proteção e conservação do espaço.
A área “em disputa” envolve 7.850 hectares, cerca de 88% dos 8.854 hectares de superfície total do Parque, que abrange Jijoca de Jericoacoara, Cruz e Camocim. O espaço delimitado corresponde ao somatório das áreas de uso público do equipamento, conforme o ICMBio.
O prefeito de Jijoca de Jericoacoara, Lindbergh Martins, também defende que a decisão final seja um consenso entre as três esferas de Governo e a população diretamente afetada. Para ele, o certo é que, “do jeito que está, não pode ficar”.
Sem responsabilidade legal para interferir no Parque, pertencente à União desde 2002, o gestor observa diversos problemas cotidianos:
- danos físicos e abandono das guaritas de acesso ao Parque, onde turistas fazem a identificação e podem pedir informações;
- descontrole sobre as rotas turísticas, por onde trafegam cerca de 2.500 veículos credenciados;
- ameaças ao meio ambiente, como atropelamento de tartarugas em locais de desova e destruição de dunas naturais.
Inclusive, a Duna do Pôr do Sol, um dos principais destinos turísticos da área, já perdeu metade do tamanho desde os anos 1980. Especialistas alertam que, sem medidas de preservação, o atrativo pode se extinguir ainda nesta década.
O prefeito também lembra a presença do lixo dentro da área. Só da Vila de Jericoacoara, administrada pela Prefeitura, são retiradas 40 toneladas de resíduos diariamente, segundo ele. “Se a gente não cuidar hoje, amanhã o Parque pode acabar”, resume.
“Se a concessão não acontecer, que o Estado se sente com o Município, que se coloca à disposição para ajudar em toda a logística, na questão financeira e na administração, se for compartilhada entre os três entes”, sugere Lindbergh.
Para o Conselho Comunitário de Jericoacoara (CCJ), a revitalização das guaritas destruídas é uma necessidade urgente. Além disso, a entidade cobra o cumprimento integral do Plano de Manejo do Parque, elaborado em 2011. O documento orienta ações de desenvolvimento sem comprometer a proteção ao meio ambiente na unidade.
Vamos dialogar com os prefeitos da região e sociedade civil para que a gente encontre a melhor forma de gestão do parque, valorizando o turismo e garantindo fonte de renda para a população local.
Em nota, o ICMBio confirmou que “fica suspenso por 90 dias o prazo do processo de licitação, período em que serão realizados diálogos com os setores envolvidos, em especial o Governo do Estado do Ceará, considerado parceiro estratégico para o desenvolvimento do projeto”.
O Diário do Nordeste também demandou o órgão sobre a situação atual do Parque e aguarda retorno.
Cobrança de taxas
Ainda em 2018, moradores e empresários da Vila de Jericoacoara criaram um abaixo-assinado contrário à concessão do Parque. O principal argumento seriam as criações de novas taxas para turistas, que poderiam desagradar e afastar visitantes.
Jericoacoara já cobra uma taxa de turismo sustentável de R$ 41,50 para a permanência de até 10 dias na Vila. Segundo o município, o valor é utilizado para coleta do lixo e financiamento de estudos ambientais.
pessoas visitaram o Parque só em 2021, de acordo com balanço do Ministério do Turismo. Foi o terceiro maior volume dentre as unidades de conservação federais. Os dados de 2022 ainda não foram divulgados.
Demandas na Vila
O Conselho Comunitário também crê ser o momento para discutir uma série de problemas encontrados na Vila, principal polo de concentração dos visitantes:
- Organização do trânsito, cada vez mais crescente;
- Planejamento do escoamento de águas pluviais para enfrentar os períodos de chuva;
- Revitalização de espaços públicos, como a área de lazer, o mercado e a praça da Igreja;
- Recolhimento de poda e entulho das ruas;
- “Invasão” do espaço público devido à expansão irregular de moradias e empreendimentos comerciais;
- Fiscalização sobre o barulho em horários não permitidos.
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Atrativos naturais
Situado no litoral oeste cearense, o Parque Nacional de Jericoacoara abriga mangues, dunas e restingas, funcionando como agente de preservação ecológica do local. Além da relevância para o meio ambiente, a área é um atrativo turístico.
O polo Dunas compreende um grande corredor de dunas e por onde passam as trilhas que ligam a Vila de Jericoacoara à sede do município de Jijoca, ostentando pontos como as Lagoas do Amâncio e do Coração.
O polo Praia Leste abriga as vias que dão acesso à Vila para quem vem da rodovia estadual CE-185. Por lá, fica a Árvore da Preguiça.
Já o polo Serrote compreende a Praia da Malhada e o costão rochoso do Parque, onde ficam a famosa Pedra Furada e o Farol de Jericoacoara.
Por causa dos ventos, o Parque também é procurado para a prática de esportes de vento, como o kitesurf e wing foil, recebendo, inclusive, etapas do Mundial desses esportes.