História mostra que crise atual é menos grave e mais duradoura

Expressando cuidado, a economia brasileira já esteve pior, como contam economistas e empresários

Escrito por Redação ,

Em meio a um processo de retração da economia, agravado pelo desgaste do Executivo, o Brasil se esforça hoje para conter aquela que foi a principal vilã da crise que marcou o País entre o fim dos anos 1980 e o início da década seguinte. Com previsão de ficar entre 9% e 10% em 2015, a inflação está bem distante daquela que, pouco mais de 20 anos atrás, levava os consumidores a correr aos mercados tão logo recebessem os salários, como forma de evitar a perda do poder de compra.

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Ainda que mais branda, todavia, a alta dos preços tem sido um dos maiores desafios do governo, atingindo desde os brasileiros mais novos, acostumados a um momento econômico mais favorável, até aqueles que guardam, descontentes, as lembranças da crise anterior. Marcadas por contextos bastante distintos, as duas crises diferem em diversos aspectos. Episódios como o salto de preços de um dia para o outro e o desabastecimento do comércio, por exemplo, soam como uma realidade distante e incompatível com o avanço econômico e relativo controle da inflação registrado no início desta década - tornando o contexto atual menos alarmante do que o observado entre 1986 e 1994.

Em contrapartida, o cenário externo menos favorável a uma recuperação da economia brasileira e a perda acentuada de credibilidade do governo federal, diante dos escândalos recentes de corrupção e do atrito com o Legislativo, são particularidades que entravam a superação das adversidades atuais.

Pontos em comum

As duas crises também preservam, de todo modo, alguns pontos em comum, a exemplo da busca por equilíbrio fiscal após um intervalo de equívocos na política macroeconômica.

Conforme explica o coordenador do curso de Economia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) em Minas Gerais, Marco Salvato, o cenário instável dos anos 1980 teve origem ainda na década anterior, quando dois choques do petróleo no mercado internacional provocaram uma alta expressiva no preço de produtos dependentes do insumo.

"O Brasil poderia escolher entre frear a economia para manter os preços ou tentar continuar crescendo a qualquer custo, que foi o que aconteceu. Depois, a gente teve que pagar um preço alto por isso", destaca. Processo semelhante, ainda que em menor proporção, acrescenta, aconteceu após a crise financeira de 2008, ligada ao mercado imobiliário norte-americano.

"O governo acreditava que poderia resolver o desaquecimento via crescimento de consumo e controle de preços como a gasolina. Esses foram os erros primordiais, porque a gente não conseguiu fazer com que o crescimento fosse sustentável. Quando você cresce via consumo, e não investimento, isso gera um ciclo de elevação da inflação", aponta o economista. Segundo Salvato, o esforço do governo para manter a economia aquecida e segurar os preços administrados, como a energia e a gasolina, levaram a um outro entrave - o desequilíbrio fiscal. Na expectativa das eleições de 2014, o Executivo deixou de tratar problemas que exigiam uma mudança na política macroeconômica, acreditando que, no ano seguinte, conseguiria reparar as falhas.

Para corrigir distorções

Entretanto, complementa, o governo acabou esbarrando em situações que tornaram ainda mais difícil a recuperação econômica, enfrentando hoje uma crise política cujo desfecho ainda é incerto. A instabilidade política, ressalta, reduz o nível de confiança dos investidores, o que torna mais distante a retomada do crescimento da economia.

"Agora, para corrigir essas distorções na economia, vai doer mais, porque elas eram bem expressivas", salienta a economista responsável pela área de macroeconomia da consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro. O fato de os escândalos de corrupção estarem atrelados à Petrobras e já começarem a se expandir reduz drasticamente os investimentos, sobretudo diante das dúvidas ligadas à permanência da equipe econômica à frente das decisões do País.

Diante deste cenário e de um mercado internacional menos aquecido do que o do início dos anos 2000, aponta, a crise atual, embora menos grave, deverá apresentar um processo de recuperação mais lento do que a anterior, uma vez que ainda há dúvidas se o País apresentará crescimento da economia já em 2016.

PROTAGONISTA

Hábitos difíceis de serem esquecidos

Mais de 20 anos após a última crise, a funcionária pública Helena Lima ainda guarda alguns hábitos do período em que a inflação alcançava os quatro dígitos. Um deles é ir ao supermercado toda semana, mesmo que fosse mais cômodo fazer as compras apenas uma vez no mês. Durante a crise, alguns amigos dela chegavam a estocar produtos em casa, com medo de que não fosse possível comprá-los no mês seguinte. À época diretora financeira de uma Organização Não Governamental que recebia recursos de outros países, Helena tinha como uma das maiores dificuldades converter a moeda estrangeira para a nacional, por conta da variação rápida dos preços. Para ela, o momento adverso enfrentado agora é reflexo da crise financeira do final da última década, adiado por medidas paliativas do governo.

Helena Lima
Funcionária pública

João Moura
Repórter

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