Inflação de hoje não chega aos pés do descontrole do passado

Analista de mercado da Ceasa, Odálio Girão vivenciou a época na qual os preços subiam de um dia para o outro

Escrito por Redação ,
Legenda: Tabelamento dos preços era repassado pela Ceasa para a Sunab
Foto: Foto: Natinho Rodrigues

Conhecedor do mercado cearense e especialista em economia agrícola, o analista de Mercado da Central de Abastecimento do Ceará S/A (Ceasa), Odálio Girão, garante que "a inflação de hoje não chega perto do descontrole inflacionário do passado", mas alerta que o momento merece reflexão e cautela. Aos 58 anos de idade, ele experimentou, como profissional e chefe de família, os efeitos dos sete planos econômicos que se sucederam no Brasil entre meados das décadas de 80 e de 90.

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"O período inflacionário até 1994 foi de inflação muito pesada. Da noite para o dia, os preços eram elevados. Na própria Ceasa, o valor dos produtos eram alterados de um dia para o outro. A inflação ia corroendo todo dia nosso poder de compra. O gatilho era diário. A inflação era poderosa e a economia era sem controle, enquanto a produção era reduzida. Foi assim durante vários planos econômicos até chegar o Plano Real", recorda. Conforme Girão, no governo Sarney, o lançamento do Plano Cruzado marcou a primeira tentativa de controlar a inflação, que estava em torno de 960% ao ano. "O Cruzado foi lançado em 28 de fevereiro de 1986 tentando combater uma inflação de 80% ao mês e resgatar a credibilidade da economia brasileira. Na prática, esse plano substituiu a moeda cruzeiro (Cr$) pelo cruzado (Cz$) e estabeleceu o congelamento de preços".

Preços tabelados

Neste cenário descrito por Girão, a Sunab (Superintendência Nacional do Abastecimento) ganhou força passando a tabelar preços de produtos nos pontos de venda. "A população convivia com as tabela de preços publicadas nos jornais e fixados nos mercadinhos, supermercados e lojas que comercializavam produtos alimentares. Foi neste período que surgiram os fiscais do Sarney, para denunciar os estabelecimento que tivessem praticados preços fora da tabela. Empresários e comerciantes eram vistos como os vilões da inflação", afirma. Como funcionário da Ceasa, Odálio Girão conta que participou pessoalmente do tabelamento de preços.

"Vivenciei junto com a Sunab, as operações de tabelamento. O setor de estatística da Ceasa, ao qual eu pertencia, era que enviava os preços dos produtos à Sunab. Tivemos que rever a série histórica para tabelar os produtos pelo menor preço por vários meses", conta.

Com o tabelamento dos preços, começou a faltar produtos nas prateleiras. "Os produtores começaram a reter produtos no campo, a espera de preços melhores. Aumentou o desemprego, o preço da cesta básica disparou. Tudo isso trouxe instabilidade. Ninguém conseguia conter o dragão da inflação. Até hoje a população tem trauma da inflação que sofreu". Diante de várias tentativas frustradas do controle inflacionário no Brasil nas décadas de 80 e 90, a inflação chegou ao seu ápice m 1993, no governo Itamar Franco, que sucedeu Collor de Melo. Nesse ano a inflação brasileira atingiu o maior patamar: de 2.477% ao ano.

Cidadão

Para o cidadão Odálio Girão, casado e pai de duas filhas, a década que antecedeu o Plano Real foi um época de muito controle do orçamento familiar. "Tanto na alimentação, como na aquisição de bens duráveis. Diminuimos compras em prestações porque os juros eram altíssimos. Controlamos também os gastos com transporte, porque o valor do combustível era muito alto. Cortamos logo os supérfluos e também o lazer para investir acima de tudo na educação de nossas duas filhas. O jeito foi deixar de lado praia, teatro, cinema porque não podíamos acompanhar a economia. Armazenamos arroz e feijão na dispensa. O que podíamos estocar, estocávamos. A sorte é que morávamos num sítio onde frutas e água eram abundantes. Em compensação os gastos com energia, telefone e combustível só aumentavam".

Momento

Embora assegure que "a inflação de hoje não chega perto do descontrole inflacionário do passado", Odálio demonstra preocupação com o cenário atual. Além do quadro climático no Nordeste, ele aponta outros fatores que causam instabilidade para o setor produtivo, como o câmbio, o desemprego e alta nos preços.

"Não acredito que a inflação voltará ao mesmo patamar de antes, embora ela esteja presente, medindo força. O momento é de reflexão, de cautela. Creio que o quadro atual ainda pode ser revertido", afirma.

Ângela Cavalcante
Repórter

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