Prefeitura oferta R$ 200 a trabalhadores da cultura de baixa renda; classe cobra novas propostas
Em 48 horas, mais de 1.300 pessoas já se inscreveram na iniciativa. Grupos, artistas e trabalhadores do setor afirmam que o valor é incapaz de suprir o momento difícil vivido por estes profissionais
Até o dia 19 de maio, a Prefeitura de Fortaleza realiza o cadastro para o programa “Uma Força para a Cultura”. O auxílio emergencial de R$ 200 é destinado a trabalhadores do setor cultural com maior vulnerabilidade socioeconômica. A meta é atender cinco mil profissionais autônomos prejudicados pelos efeitos da pandemia da Covid-19.
A verba é oriunda de recursos do IX Edital das Artes, referente ao ano de 2020. Entre outras exigências, para participar é preciso comprovar renda média mensal igual ou inferior a três salários mínimos. Outra regra é atestar atuação no setor cultural. Menos de 48 horas depois da abertura das inscrições, 1.380 pessoas já se cadastraram no programa.
Caso ultrapasse os cinco mil inscritos, a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) vai, para fins de critério de desempate, levar em conta o inscrito com menor renda individual declarada (antes e depois da pandemia), menor renda familiar e com maior idade. A previsão é pagar até o fim de maio, assevera o secretário da Cultura de Fortaleza, Gilvan Paiva.
Dificuldade
A situação de quem ganha a vida direta ou indiretamente com cultura é grave. Já se vão dois meses sem renda e sem trabalho. Ainda no dia do lançamento do programa, profissionais do setor se manifestaram. Os trabalhadores consideraram importante a iniciativa da Prefeitura, porém, o valor de R$ 200 seria incapaz de atender plenamente o momento delicado.
Duas frentes anteciparam o debate público em torno de novas propostas. Em carta aberta, o 118º Fórum Cearense de Teatro pede que o dinheiro seja distribuído para 800 trabalhadores, que seriam beneficiados com a parcela única de R$ 1.250.
Já o grupo Trabalhadores e Trabalhadoras da Cultura do Ceará, também via carta, alerta que o valor não dá conta da realidade nos meses que virão. A sugestão é de que os mesmo cinco mil sejam assistidos, porém com um auxílio de pelo menos R$ 600.
“R$ 200 para três meses, por exemplo, seriam R$ 66,66 por mês. Insuficiente mesmo para uma cesta básica pequena, quanto mais para prover a devida segurança alimentar a esses trabalhadores”, aponta o documento publicado pelos Trabalhadores e Trabalhadoras da Cultura do Ceará.
Testemunhas
“Como eu consigo dar uma condição que esteja abaixo de uma cesta básica?”, questiona o ator, diretor e membro do integrante do Fórum de Teatro do Ceará, Raimundo Moreira. Por sua vez, o integrante da Diretoria do Sindicato dos Músicos do Ceará (Sindimuce), Amaudson Ximenes, aponta que o momento é crítico e exige justiça social.
“Nós seremos os últimos a sairmos dessa pandemia. R$ 600 seria um valor razoável. Dinheiro tem. É só organizar mais esse edital”, descreve o músico. “Não compra nem uma cesta básica para uma família de quatro pessoas. Os governos pedem para que fiquemos em casa, mas não é capaz de fazer uma proposta digna”, completa.
Raimundo Moreira descreve que auxílio não resolve uma situação emergencial e apenas adia o problema. “A cadeia produtiva que sobrevive precisa de algo mais justo. Não é pelo valor. Ele não atende uma situação de emergência”, avalia.
O profissional aponta o quanto os processos burocráticos no setor público dificultam a realidade. “O tempo do Estado não é o tempo da sociedade. No momento de urgência, esse tempo parece ficar mais dilatado”, critica Raimundo Moreira.
Verba
A Câmara Municipal de Fortaleza aprovou, no dia 15 de abril de 2020, a alteração da Lei nº 10.432, que institui o Edital das Artes de Fortaleza. A medida antecipou o recurso do IX Edital das Artes. A quantia deve, excepcionalmente em período de emergência ou calamidade, fomentar a manutenção das atividades de profissionais do setor cultural de maior vulnerabilidade socioeconômica.
A partir dessa alteração na legislação, a Secultfor antecipou 25% do valor 4,1 milhões previstos para o IX Edital das Artes. O financiamento do programa “Uma Força para a Cultura” vem dessa fatia. Os outros 75%, garante, Gilvan Paiva, serão destinados para a realização do edital ao longo do ano. Entretanto, o entrevistado não descarta o diálogo no tocante ao uso dessa verba.
O secretário explica que a decisão de antecipar 1 milhão desse edital visa uma ação emergencial que pudesse alcançar o maior número de artistas, de maior vulnerabilidade. São, além de artistas e produtores, ambulantes, feirantes, permissionários e varejistas populares. A ideia é fugir do formato do edital tradicional.
"Não é questão de 'suficiente' ou 'não suficiente'. É a escolha de gestão diante de uma disponibilidade financeira, diante de uma emergência de chegar a setores que tradicionalmente não conseguem acessar os editais e a meritocracia desses editais. Isso é uma escolha”, defende.
Gilvan Paiva também aponta a queda de arrecadação significativa dos municípios, num momento de pandemia que exige maiores investimentos na saúde. O programa “Uma Força para a Cultura” é uma linha de pensamento administrativo do município. Outro fator que pesa seria a falta de ações concretas no âmbito federal.
O gestor defende a criação de um programa de renda básica, a exemplo do Projeto de Lei que institui o Fundo Emergencial para a Renda Básica da Cultura, destinado ao setor cultural. “Faço parte de uma grande articulação de gestores no Brasil inteiro para que possamos criar uma lei de renda básica para estados e municípios. “Não abandonamos o formato tradicional do edital, mas vamos acompanhar esse processo de busca por mais investimentos”, conclui o secretário.
Serviço:
Programa “Uma Força para a Cultura”. Inscrições até 19 de maio aqui.