O que uma Bienal de livros deixa para o Ceará?

Conversamos com estudantes, professores, gestores e público geral para saber como um evento dedicado à leitura pode mudar a fisionomia de pessoas e iniciativas

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Incentivo à leitura e aos afetos é um dos principais legados da Bienal do Livro do Ceará
Foto: Diego Barbosa

Filas de crianças descendo dos ônibus. Jovens percorrendo cuidadosamente os corredores. Adultos em passos curtos e olhares atentos ao redor. É a Bienal do Livro do Ceará de novo, momento em que esses detalhes ganham ainda mais cor e vida. Mas, afinal, o que um evento dessa magnitude – com foco no livro, na leitura e na literatura – deixa para o Estado?

“Ele transforma a vida da gente”, arrisca Ana Silva, 16. Estudante na Escola Estadual de Educação Profissional Flávio Gomes Grangeiro, é a primeira vez dela na festa das letras. Fã de romance e aventura, estava perdida entre tantos títulos quando começamos a conversar. “Não sei explicar o que estou sentindo, é uma mistura de sensações. Há pouco tempo comecei a me aproximar da leitura, e estar aqui está sendo bem importante”.

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A amiga de turma, Carla Vitória, 16, concorda. A Bienal não dá acesso apenas a livros, mas amplia as fontes de cultura. “Nós, por exemplo, moramos em Paraipaba e lá não tem muitas livrarias. Vir pra cá por iniciativa da escola ajuda porque nos aproxima das obras, das palestras, das pessoas”. É legado, portanto, de incentivo, de continuidade. Não dá para deixar passar algo tão belo e com potencial de mudar as coisas.

Perto dali, Guilherme Carneiro, 16, também abraçava essa percepção ao atravessar páginas e páginas de quadrinhos, folhetos de cordel e lançamentos editoriais. Queria adquirir histórias com personagens LGBTQIAP+. Conseguiu. “Quem vem pra Bienal vai descobrindo coisas novas, outros horizontes. Você pode não gostar de livros de ação, por exemplo, mas estar aqui, vendo a capa das obras e passando a conhecer, pode abrir um novo portal”.

Legenda: As amigas Ana Silva e Carla Vitória, estudantes no município de Paraipaba, consideram que a Bienal não dá acesso apenas aos livros, mas à cultura
Foto: Diego Barbosa

Feito o colega, Caio Rian, 16 – igualmente estudante da Escola Municipal Dom Helder Câmara, em Fortaleza – aproveitou o evento para adquirir livros, broches e caderninhos. Gosta da cultura oriental e pareceu, ali, encontrar o espaço certo para que ela faça ainda mais morada. “Da Bienal, a pessoa leva a experiência de estar nesse espaço com tantas coisas, públicos diferentes, diversões. Numa próxima, penso em participar de palestras”.

Celebrar a celebração

É uma linha bonita a se seguir partindo do pressuposto de que, já na concepção do projeto, o fator celebração sempre ocupou o principal foco. Quem divide esse ponto é Maura Isidório, coordenadora do projeto. Para a gestora, a principal herança da iniciativa é exatamente a alegria pela vida, pelas pessoas e pela harmonia, tudo isso atravessado pelas palavras.

“O campo do livro, leitura, literatura e bibliotecas se une para apresentar e, principalmente, viver essa Bienal com a sociedade. Ela é uma celebração do nosso povo, inclusive respeitando as pessoas que partiram pela Covid-19. Estamos comemorando. Esse é um primeiro ponto”, sublinha. O segundo diz respeito à Economia, comprovada por números.

Até o momento, a alguns dias do término desta edição, são mais de 20 mil agendamentos para visita e mais de 200 mil pessoas participando das atividades no Centro de Eventos. Apenas no feriado da última terça-feira (15), mais de 61 mil amantes das letras estiveram lá. Um tesouro.

Legenda: Estudantes na Escola Municipal Dom Helder Câmara, em Fortaleza, Guilherme Carneiro e Caio Rian vibram pela possibilidade de novos horizontes a partir das palavras
Foto: Diego Barbosa

“Existe uma série de trabalhadores que estão fazendo direta e indiretamente a Bienal – dos estandes de livros às banquinhas de comida. É a herança do afeto, do encontro, de celebrar a vida, esses componentes imateriais, mas também os materiais”.

Vislumbre sentido desde o tema, “De toda gente para todo mundo” – os grandes painéis exclamando “Bem-vindos, bem-vindas e bem-vindes”. Maura explica que a tônica é estar alinhado à perspectiva das políticas públicas e afirmativas trabalhadas pelo Governo do Ceará. Integrar as pessoas primando pela diversidade, nesse sentido, tem sido uma busca.

Talvez por isso já seja possível apostar qual a principal lição que esta edição do evento deixa para as próximas: “Pensar junto e entender que política pública se faz no plural, com pessoas e para pessoas. Depois de um longo período de pandemia, com certeza esse é o maior e mais verdadeiro ensinamento”.

Além dos muros

Derek Tavares – coordenador escolar da EEFM Aloísio Leo Arlindo Lorscheider, em Itaitinga – que o diga. Na fala dele, algumas paixões são para sempre. A leitura é uma delas. A Bienal também. A percepção surge quando o gestor avalia a importância de ver a primeira escola de Educação em Prisões do Estado do Ceará levando a leitura como instrumento e estímulo à ressocialização dos apenados por meio da atividade Bienal Adentro.

Os encontros foram promovidos nas unidades prisionais Irmã Imelda e Penitenciária Feminina Desembargadora Auri Moura Costa nos dias 14 e 17 de novembro, respectivamente. Esses estabelecimentos fazem parte da estrutura organizacional educacional da EEFM Aloísio Lorscheider, com foco na promoção da leitura e formação de leitores. 

Na primeira unidade, foi realizada uma roda de conversa com a participação da escritora Ayla Nobre, mediada por Kaciane Barroso, sobre o tema “É 2022 e, como travesti, o meu fim do mundo começou em 2019”. Segundo Derek, “os alunos da escola ficaram bastante emocionados com o bate-papo, participando ativamente por meio da troca de experiências vivenciadas tanto dentro quanto fora do ambiente intramuros”.

Legenda: A Unidade Prisional Irmã Imelda foi uma das contempladas pelas atividades da Bienal Adentro
Foto: José Leomar

No outro instante, ocorrido na Penitenciária Feminina Auri Moura Costa, a Bienal Adentro também se fez presente com a realização de uma roda de conversa. A convidada dessa vez foi Nádia Camurça com o tema “Como me transformei em uma mulher cheia de letras”. 

“Foi uma conversa sobre o processo de uma garota se tornar escritora com muitas responsabilidades. Muitas alunas da escola participaram, e o momento foi de fundamental importância – uma vez que, muitas delas, no bate-papo, mostraram-se agradecidas pela leitura dentro do cárcere. O ato de ler, conforme as estudantes, abriu caminhos para o processo da escrita, evidenciando futuras escritoras”.

Legado, assim, de engrandecimento e fortalecimento da literatura para pessoas privadas de liberdade, fazendo com que o exercício do caminhar entre palavras seja um fator de promoção humana e de mudanças significativas na vida dessas pessoas. Ponto para a Bienal.

Expandir horizontes

Na outra ponta, sob a perspectiva dos professores, a fortuna do evento é contabilizada da sala de aula para os estandes, e vice-versa. Promover a cultura para pequenos leitores segue como bandeira fundamental. “Para mim, que sou professora de Artes, acho muito necessária a Bienal porque sei que os alunos precisam desse momento para expandir o campo de visão”, divide Grace Cruz, 45, educadora na rede estadual do Ceará, atuante em Camocim.

Legenda: Professora na rede estadual de educação do Ceará, Grace Cruz atua em Camocim e festeja a potência do evento
Foto: Diego Barbosa

Justamente para que a leitura se torne cada vez mais um hábito, ela defende que o Governo do Estado auxilie jovens leitores com uma espécie de voucher ou vale nas próximas edições do evento. Muitos deles não possuem condições de adquirir um livro. “Mas só a presença deles aqui, assistindo aos eventos culturais, já causa um impacto muito forte”.

Primeira vez na Bienal do Livro do Ceará – é natural do Pará e antes havia trabalhado em Alagoas – o também professor da rede estadual de ensino, Ytallo Kassio, 29, segue o mesmo princípio. Quando a leitura é impulsionada, revoluções acontecem. 

Legenda: “É uma quebra de paradigmas", percebe o professor Ytallo Kassio sobre a Bienal do Livro do Ceará
Foto: Diego Barbosa

“É uma quebra de paradigmas. Já que a proposta da Bienal deste ano é a diversidade – principalmente a diversidade de leituras – fica fácil ir além das publicações clássicas, por exemplo. Existem as HQs, os mangás, os livros ilustrativos. Vejo dentro da Bienal essa diversidade de publicações literárias, o que possibilita também o interesse da juventude. Isso me deixa muito feliz”.

Felicidade partilhada: talvez seja o que uma Bienal do Livro deixa para nós.


Serviço 
XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará 
Até 20 de novembro, das 10h às 22h, no Centro de Eventos do Ceará (Av. Washington Soares, 999 - Edson Queiroz). Gratuito. Programação completa no site oficial do evento

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