Série Ruptura faz refletir sobre qual a função da "roupa de trabalho"
Série exibida na Apple TV mistura ficção científica com crítica à vida corporativa.

O figurino da série Ruptura vai além de um mero adereço para vestir os personagens, ele é uma ferramenta importante para construção do ambiente de trabalho desumanizado que a série explora.
Ok, Ruptura é um fenômeno. O último episódio da segunda temporada da série foi lançado na quinta-feira passada e quanto mais a produção avança, mais as teorias da conspiração aumentam. E eu, particularmente, só consigo olhar para o figurino.
Veja também
A trama, que mistura ficção científica com uma dura crítica à vida corporativa, mostra uma distopia onde os trabalhadores passam por um esquema que faz com as memórias de cada funcionário sejam separadas: a partir do momento que entram na Lumon Industries, eles esquecem completamente quem são fora do ambiente de trabalho. Sim, é muito chocante ver isso num objeto de entretenimento, porque mostra como isso acontece claramente na vida real e como o mercado de trabalho é inescrupuloso.
Vamos trazer o processo de se vestir para a nossa vida? Desde cedo, a gente percebe que precisa se vestir de um jeito pra ir pra escola, para a missa, para o shopping, pra casa do parente. Não dá para usar o mesmo lookinho em todos os ambientes, cada ocasião pede alguma coisa - e se você foi uma criança dos anos 1990 como eu, sabe que a roupa da ocasião especial jamais poderia ser usada numa situação qualquer.
Quando viramos adultos isso se expande: havaiana e shorts jeans na faculdade tá permitido, a depender do seu curso, mas o estágio pede calça, camisa e um sapato fechado. Em Ruptura, fica claro como a roupa é um reflexo direto da dessensibilização do trabalhador ao ambiente de trabalho, afinal, lá eles são obrigados a usar roupas padronizadas, sem vida, cores estéreis em um ambiente estéril.

Essas escolhas transmitem uma sensação de opressão, ou seja, o figurino é uma metáfora para a alienação e desconexão emocional muitas vezes associadas ao ambiente corporativo.
Na Lumon, os funcionários são reduzidos a números e funções, e a aparência é um reflexo claro disso.
Conseguimos ver essa despersonalização especialmente na personagem Gemma, alguém que não tínhamos muita informação sobre quem ela é na primeira temporada e nesta segunda, vemos a diferença de quem ela representa duas personalidades totalmente distintas entre ambos os ambientes (especialmente pelo interesse especial que a Lumon tem nela).
Para todos os funcionários que passam pela ruptura escolher looks não faz parte do seu cotidiano. Seus "externos" decidem como eles irão se vestir, seu cabelo e maquiagem, e só resta a eles aceitar. Em um determinado momento vemos uma personagem com ainda menos agência sobre sua vida, seus looks são montados
imaculadamente com peças vintage, mas de uma forma estéril e sinistra, quase como os scrubs de hospital, e esse efeito se reflete até na mobília do próprio escritório.
As roupas em Ruptura não são apenas um detalhe visual, elas são uma ferramenta fundamental para reforçar que o trabalhador no ambiente corporativo é só mais uma máquina cujo único propósito é produzir.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora