Livros bordados atraem olhares para a prática da leitura na Associação Cearense de Imprensa
Ofício milenar, o bordado reinventa a prática da leitura ao tecer verbos e versos em obras feitas à mão por artistas locais presentes na biblioteca da ACI
A história do bordado é antiga. Remonta à época da Pré-História, quando a técnica do ponto-cruz já era utilizada por nossos ancestrais para, entre outras necessidades, remendar vestes. O registro mais antigo de que se tem notícia nesse recorte é um fóssil de 30 mil a.C encontrado na Rússia, com indumentária ornamentada a partir de grânulos de marfim.
No correr alvoroçado do tempo, a criatividade e a ousadia de artesãos no mundo inteiro permitiram que o celebrado ofício pudesse ganhar novas camadas e texturas, sendo inclusive instrumento de afirmação política. Um bom exemplo disso são as Arpilleras, técnicas têxteis cuja origem dialoga com uma tradição popular chilena.
Nos anos 1960, elas se tornaram símbolo de resistência contra a ditadura militar de Augusto Pinochet (1915-2006), envolvendo inúmeras mulheres no trato inspirado de agulhas e fios. Bordavam a própria história, a de sua família e da comunidade.
Em solo cearense, por sua vez, a arte manual, quando combinada à literatura, pode promover renovados olhares sobre a prática da leitura, otimizando o acesso caprichado a obras de grandes nomes do segmento em questão. A biblioteca da Associação Cearense de Imprensa (ACI), localizada no Centro, é um afetuoso reduto possível de conferir trabalhos de artistas locais que, inspirados no movimento de expandir os caminhos do narrar, bordaram cerca de 20 livros ressoando versos e mensagens de Patativa do Assaré, Vinicius de Moraes, Cora Coralina, Cecília Meireles, Frida Kahlo, entre outros.
Uma das idealizadoras da ação, a historiadora e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Adelaide Gonçalves, ressalta que a iniciativa entra no rol de outras empreitadas promovidas pela casa a fim de estreitar o contato do público com as letras. A profissional, em fevereiro de 2014, doou o acervo pessoal para a biblioteca da ACI, com cerca de 12 mil volumes reunindo várias temáticas.
No mesmo ambiente em que estão as obras, funciona o Plebeu Gabinete de Leitura, que objetiva incentivar a leitura e a publicação de livros, além de promover debates sobre temáticas diversas.
"Fazemos permanentemente atividades que visam despertar o gosto pela leitura e o amor aos livros, ao mesmo tempo que demarcamos o sentido da própria biblioteca; essa ação dos livros bordados é apenas uma delas", dimensiona.
Confecção
Mantendo um ateliê de costura no primeiro andar do prédio da ACI, o estilista e figurinista Dami Cruz foi um dos responsáveis pela feitura das obras e se diz um apaixonado por panos, linhas e enfeites. Há algum tempo utilizando frases de letras de músicas bordadas nas roupas sob sua assinatura, é dele a arte presente em livros de Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Ana Chan, Paula Godinho e Débora Dias. Seis desses títulos com intervenção manual, vale mencionar, estiveram em um encontro internacional de historiadores ocorrido no mês de abril, na UFC.
"A professora Adelaide me trouxe os livros impressos, eu li e selecionei trechos para bordar", explica. "Na confecção deles, entraram costuras à mão, à máquina, aplicações e colagens. Todo o material utilizado é de reaproveitamento. São retalhos, linhas e aviamentos que sobram das roupas e figurinos que faço. Se esse esforço despertar o desejo das pessoas para a leitura, já valeu para mim".
O esmerado debruçar-se de Dami enche os olhos de quem for conferir os exemplares. Em tamanho maior que a média, os livros podem ser facilmente manuseados e deixam entrever tanto cores fortes quanto um trato cromático mais delicado. Em um deles - "O Futuro é Para Sempre", de Paula Godinho - há inclusive fragmentos de folhas no miolo.
Um livro-roupeiro da artista plástica mexicana Frida Kahlo (1907-1954) completa o panorama criativo do estilista, com pecinhas em que é possível montar a vestimenta da histórica personagem. É o esgarçar bonito das possibilidades de imersão na literatura.
Miniatura
Conhecida pela produção de minilivros, Alba Alves também é uma das participantes da ação. Cora Coralina, Cecília Meireles e novamente Frida Kahlo são algumas figuras cujas mensagens receberam a ternura depositada pela artista nas pequeninas criações literárias.
"Na verdade, não sei uma técnica específica porque não sei bordar. Uso o desenho como uma inspiração e, conforme vou sentindo o poema, imprimo com linhas", conta, mencionando a parceria com a amiga Didi, apelido da artesã Aldina Dantas, para a realização das peças.
Segundo ela, o processo é "trabalhoso, cansativo e, muitas vezes, dolorido", e os livros escolhidos para serem bordados foram indicados pela professora Adelaide Gonçalves. A escolha, contudo, foi da própria artista.
"Os poemas são belíssimos, adaptando-se muito bem ao desenho com linhas. O trabalho feito dessa forma desperta o desejo e a vontade de ler outros livros bordados. As obras presentes na biblioteca estão lá há pouco tempo e agradam muito".
Para continuar a fomentar a circulação na biblioteca, Adelaide adianta que outras atividades estão previstas. Nos próximos meses, será realizada, por exemplo, uma pequena exposição sobre Frida Kahlo.
Serviço
Biblioteca da Associação Cearense de Imprensa (ACI)/Plebeu Gabinete de Leitura
Rua Floriano Peixoto, 735, 5º andar, Centro, Fortaleza. Funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 17h. Aberta ao público. Contato: (85) 3226.6260
>> Conheça mais sobre a biblioteca da Associação Cearense de Imprensa (ACI), conforme informações de Renata Costa de Souza, bibliotecária do espaço
A Biblioteca da Associação Cearense de Imprensa conta com aproximadamente 20 mil títulos, incluindo obras raras e de referência, livros de literatura, história, comunicação social, jornalismo, teatro, poesia entre outros. O acervo está disponível apenas para consulta local. A biblioteca também conta com uma hemeroteca, formada pelo acervo da coleção pessoal do jornalista, já falecido, José Oswaldo de Araújo.
Além disso, a historiadora Adelaide Gonçalves fez a doação de seu acervo pessoal para a biblioteca. A sala do Plebeu Gabinete de Leitura conta com cerca de doze mil volumes, dos quais apresentam temáticas como: história do Brasil e do mundo, poesia, literatura, filosofia, sociologia, bem como assuntos ligados a movimentos sociais, entre outros.
O espaço é visitado majoritariamente por pesquisadores e alunos universitários que buscam o acervo especializado mas também recebemos alunos de ensinos fundamental e médio, turistas e curiosos que encontram esse espaço de leitura no coração do centro da cidade.
Atualmente, são cinco pessoas atuando na direção, técnica e apoio da casa, trabalhando constantemente na catalogação, organização e higienização do acervo. Boa parte daquele encontrado na hemeroteca, inclusive, foi digitalizado e está disponível para consulta. Também atuam no desenvolvimento de ações culturais objetivando aproximar os leitores. São oficinas, rodas de conversa, palestras e exposições que constituem a programação da biblioteca.