Juliano Cazarré estreia filme de suspense e revela sonho: "Trabalhar com essa galera do Ceará"

Longa-metragem 'Dente por Dente' também explora o gênero de horror e traz no elenco Paolla Oliveira, Aderbal Freire Filho e Renata Sorrah. Leia crítica do filme

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Ator gaúcho elogia a recente produção cinematográfica do Ceará e cita os trabalhos da dupla Edmilson Filho e Halder Gomes
Legenda: Ator gaúcho elogia a recente produção cinematográfica do Ceará e cita os trabalhos da dupla Edmilson Filho e Halder Gomes
Foto: Divulgação

Para os supersticiosos, sonhar com dente caindo pode significar maus presságios. Há quem acredite ser anúncio da morte de conhecido ou parente próximo. Estreia da semana nas salas de Fortaleza, o filme "Dente por Dente" adentra tal carga pessimista. A obra também integra a sétima edição da Mostra Retroexpectativa do Cinema do Dragão.

O ator Juliano Cazarré protagoniza o filme ambientado nas ruas de São Paulo. Há poucos dias do trabalho chegar aos cinemas do País, o artista gaúcho dividiu as escolhas de composição do personagem, bem como o significado de explorar os gêneros de horror e suspense. Outra revelação é um dia atuar em um filme genuinamente cearense. "Sabe qual é um sonho meu? É trabalhar com essa galera do Ceará", diz.

Trailer de "Dente por Dente"

São quase duas décadas de atividade no audiovisual, desde que integrou o curta-metragem "Suicídio Cidadão" (2002). Nesse ínterim, Cazarré coleciona desempenhos na TV e cinema. Na teledramaturgia coleciona títulos como as minisséries "Antônia" (2007) e "Som & Fúria" (2009).

Na sétima arte pode ser visto em produções diversificadas. "Tropa de Elite" (2007), "Assalto ao Banco Central" (2011), "Serra Pelada" (2013) "Boi Neon" (2016) e "O Grande Circo Místico" (2018) são alguns dos títulos.

Agora, é a vez do misterioso Ademar surgir com "Dente por Dente". O trabalho guiado por Júlio Taubkin e Pedro Arantes estreou na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Participou do 5ª Rio Fantastik Festival (Festival Internacional de Cinema Fantástico do Rio de Janeiro 2020) e recebeu o prêmio de Melhor Longa pelo Júri ACCRJ e Júri Popular. Com a pandemia da covid-19, a chegada no circuito comercial precisou ser adiada.

Criação

"O Ademar é um personagem que o próprio filme fala pouco dele, não mostra muito e dá poucas informações. O grande trabalho foi criar um passado. Podia criar o que eu quisesse, então abracei várias coisas. Pensei na infância, do cara criado sem pai, que fugiu de casa, foi morar em São Paulo...", descreve o entrevistado acerca do método de criação do novo papel.

O guariteiro Ademar enfrenta a corrupção e as revelações cada vez mais confusas dos sonhos
Legenda: O guariteiro Ademar enfrenta a corrupção e as revelações cada vez mais confusas dos sonhos
Foto: Divulgação

Cazarré afirma estar feliz com o novo trabalho e a chance de protagonizar um filme que mergulha em diferentes gêneros. "O filme de horror e suspense dá muita oportunidade para explorar situações do cotidiano. Se torna um veículo para colocar assuntos da realidade lá. E eu acho que 'Dente por Dente' faz. Me assumo feliz. Você trabalha com sonho, com o pesadelo, a fantasia e daqui a pouco encontra a realidade e os problemas de São Paulo. O filme tem essa raiz no real", reflete. 

Da carga pesada para o infantil

Perguntando dos novos projetos voltados às telonas, Cazarré reafirma o anseio para que o cinema nacional supere o momento de crise e encontre formas de se financiar. Ele cita a mão de obra qualificada de um setor que gera emprego e renda para inúmeras famílias.

"Temos muitos técnicos bons, artistas bons. Galera que se formou, que tá aí e precisa de trabalho. Torcemos para o cinema continuar acontecendo, tem muita gente boa envolvida", assevera. 

Após "Dente por Dente" , a próxima produção cinematográfica é "Pluft". "Seria bacana demais sair logo, cara. Eu filmei quando o filho tava pequenino. Já tenho moleque com 10 anos e daqui a pouco fica adolescente. Eu quero que ele veja logo", se diverte.

Filmografia
Legenda: "Pluft" é dirigido por Rosane Svartman ("Tainá - A Origem")
Foto: Divulgação

"Se eu pudesse eu fazia um filme de cada jeito. Não repetia nunca. Gosto de comédia, gosto terror, filme de luta. Sabe qual é um sonho meu? É trabalhar com essa galera do Ceará. O Edmilson Filho, o Halder Gomes. Cara, são demais. Acho que eles fazem um cinema engraçado e que se comunica com o público, com roteiro bom", testemunha.

Halder Gomes participou de "Dente por Dente" na produção (junto de Mayra Lucas e Angelo Ravazi). Segundo o ator, o cearense também coreografou e dirigiu as cenas de luta do longa. Quem sabe, a primeira experiência no set não rende um futuro projeto em terras nordestinas? A proposta está feita. 

Análise do filme

Guiada por Júlio Taubkin e Pedro Arantes, a obra adentra fórmulas do cinema "noir" e elementos dos gêneros, horror, suspense e policial. Juliano Cazarré, Paolla Oliveira, Aderbal Freire Filho e Renata Sorrah encabeçam a obscura trama da qual "ninguém é santo".

O cenário descortina a capital paulista. Ademar (Cazarré) trabalha em uma firma de segurança que presta serviços para uma construtora. A rotina do personagem muda após o sumiço de Teixeira (Paulo Tiefenthaler). A busca desse paradeiro acaba envolvendo Joana (Paolla Oliveira) e Valadares (Aderbal Freire Filho), respectivamente esposa e sogro do desaparecido. 

Com o sumiço do amigo e sócio, o guariteiro mergulha numa insana perseguição por respostas. Confuso e envolto em lembranças cada vez mais indecifráveis, ele se sente aprisionado a um jogo de gatos e ratos. "O sonho te persegue na rua. No trabalho. Onde for. O único jeito é ver o que ele está querendo te mostrar. Quando você tenta olhar, o sonho escapa", balbucia a narração em off do anti-herói.

A solitária investigação do protagonista invade corredores, quartos imundos e escuros. Na visão dos diretores, a metrópole é apenas um amontoado sem vida de arame, asfalto e concreto. Adentramos edificações inóspitas. Hostis seja pelo quadro de abandono destas ou pelo caráter excludente de sua arquitetura.

A dita "selva de pedra" esmaga sem dó estas criaturas. A cada descoberta, Ademar suja ainda mais as mãos. Cobiça e poder são as linguagens de acesso neste submundo. 

Quando a vingança explode

Mesmo com o tom sobrenatural de grande parte do longa, é o espectro da realidade urbana brasileira quem emoldura as ações de Ademar. Os personagens (vitimas ou algozes) pairam por sobre a violência social e gentrificação das capitais. Resultam de um mercado dominado por grandes empreendimentos imobiliários.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a população em situação de rua cresceu 140% a partir de 2012, chegando a quase 222 mil brasileiros em março de 2020. O dado tende a aumentar com a crise econômica acentuada pela pandemia da Covid-19.

Ademar integra vasta lista de personagens do cinema que são jogados em uma situação contra sua vontade
Legenda: Ademar integra vasta lista de personagens do cinema que são jogados em uma situação contra sua vontade
Foto: Divulgação

Em "Dente por Dente", a presença da Lei ou Estado é invisível. No máximo, resume-se a burocráticas bandeiras de São Paulo ou do Brasil paradas em mesas de escritório, ou tremulando no alto de viadutos. A corrupção policial chega a ser mencionada. No entanto, Ademar prossegue alheio a estes temas. Tal qual a maciça parcela de nossa população, o lance dele é sobreviver. Ganhar o dia e seguir o corre adiante.

O título do filme também referencia a máxima do "olho por olho, dente por dente". Na iminência de um sistema degenerado e podre, sem perspectivas de justiça, a punição ou vingança eclode por outros meios. Na história, forças além de nossa compreensão saltam do escuro para o ajuste de contas. No entanto, é uma ficção. Os monstros da "vida real" seguem operando e mastigando a fatia do bolo.

Joana (Paolla Oliveira) adentra a investigação pessoal de Ademar (Juliano Cazarré)
Legenda: Joana (Paolla Oliveira) adentra a investigação pessoal de Ademar (Juliano Cazarré)
Foto: Divulgação

O compositor sul-coreano Mowg conduz a trilha e o resultado é bastante satisfatório. Os tons amarelados, ora azuis, definem bem a característica ameaçadora da cidade. A direção guiada por Júlio Taubkin e Pedro Arantes é eficiente  na captura das tomadas áreas e dos espaços internos. No entanto, a dupla escorrega na condução dos atores em cena. Mesmo com os nomes relevantes do elenco, aparenta faltar uma maior sinergia entre texto e interpretações. 

"Dente por Dente" é correto. Diverte na combinação de policial, suspense e horror. É salutar identificar um trabalho cuja escolha pelo gênero fantástico também permite questionar o cotidiano. A estreia de Júlio Taubkin e Pedro Arantes mostra que a dupla pode oferecer ainda muito mais ao cinema. 

Filmografia Juliano Cazarré

"Pluft" 
"O Grande Circo Místico" (2018)
"Real: O Plano por Trás da História" (2017)
"Boi Neon" (2015)
"Sorria, Você Está Sendo Filmado" (2014)
"O Lobo Atrás da Porta" (2013)
"Serra Pelada" (2013)
"360" (2011)
"Bruna Surfistinha" (2011)
"VIPs" (2010)
"A Festa da Menina Morta" (2008)
"Nome Próprio" (2007)
"O Magnata" (2007)
"Tropa de Elite" (2007)

 

 

 

 

Assuntos Relacionados