Game over? Noivos repensam tradições que reforçam machismo nas festas de casamento; veja quais

Do tradicional arremesso do buquê à adoção do sobrenome do cônjuge, são vários os elementos que retratam cultura de submissão da mulher ao homem

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Na cerimônia, casal jogou buquê de coraçõezinhos para todos os convidados
Foto: Michael Brito

Quando a psicóloga Deborah Coelho e o empresário Waldemar Felipe resolveram casar, de uma coisa tinham certeza: a cerimônia precisava ser a cara do casal, por isso, repensaram diversas tradições que acabam por reforçar o machismo em casamentos. Da entrada conjunta dos noivos à participação do pai de Deborah no ‘dia da noiva’, a festa não foi nada tradicional.  

“A gente queria casar, fazer festa, mas não só não queríamos reforçar essas tradições machistas, como também não tem nada a ver com a gente. A gente queria que a festa tivesse nossa cara e isso precisaria que quebrasse certos padrões, o que foi algo presente em muitas pequenas decisões”, conta Deborah.  

Uma das mudanças que Deborah e Waldemar fizeram foi a entrada dos noivos. Em vez de fazer a tradicional caminhada até o altar com o pai, a psicóloga optou por fazer o cortejo com o próprio noivo.  

“Queríamos mostrar que nós chegamos juntos ali, de que não tinha ninguém entregando a filha pra ninguém, era uma caminhada que a gente faz ao lado um do outro. Eu tenho uma relação maravilhosa com o meu pai e nem teve nada a ver com isso, só que pra gente faria mais sentido assim”. 
Deborah Coelho
psicóloga

A entrada foi uma surpresa para os convidados e, de acordo com Deborah, a empolgação foi tamanha quando os viram. “As pessoas gritaram com a entrada, ficaram super empolgados com a cena. Ficamos muito felizes de ter tido essa sacada”, diz.  

Legenda: Noivos surpreenderam com entrada conjunta na cerimônia
Foto: Michael Brito

Pai no dia da noiva 

Nas horas que antecederam a festa, Deborah escolheu por passar o momento de arrumação com a família. Foi para a casa dos pais e lá teve o ‘dia da noiva’ ao lado da mãe, do pai e da irmã. “Mandei fazer um robe pro meu pai também escrito “pai da noiva” e ele acompanhou tudo”.  

Além de ter visto toda a arrumação de perto, o pai de Deborah participou da sessão de fotos de making of em um momento que se tornou super divertido e significativo. “Quis fazer isso para incluí-lo também nesse momento e foi ele quem fechou meu vestido”.  

Legenda: Dia da noiva de Deborah foi com os pais e a irmã
Foto: Michael Brito

Embora algo simbólico, o casal também optou por colocar os nomes dos convidados nos convites como os costumam chamar. “Não tinha isso de senhor e senhora, eram os nomes deles mesmos, e também endereçamos tanto pra mulher quanto pro homem. Fizemos algo bem carinhoso, não tinha isso dos pais convidam pra celebração também”, conta.  

Cortejo diferente  

Deborah e Waldemar também optaram por escolher os padrinhos que fossem importantes para a história do casal e eles entraram no cortejo em grupinhos e não em casais.

"Também trouxe muito pra coisa das madrinhas pra estarem confortáveis, não coloquei nenhuma imposição de cor pra que elas pudessem se sentir mais à vontade. O momento não era sobre imposição, era pra gente comemorar, poderiam ir de rasteira, tinha um traje, mas que elas pudessem escolher como se sentisse bem", explica. 

A UX-writer Érika Neves e o consultor legislativo Helder Farias também fizeram o cortejo de forma diferente na festa de casamento. "Não tivemos padrinhos, apenas madrinhas e foi muito natural, porque realmente as pessoas mais próximas do casal são essas minhas amigas, temos amigos homens, mas não faria sentido fazer parte do cortejo". 

Legenda: Helder e Érika tiveram somente madrinhas no casamento
Foto: Fotometrar

Disputa pelo buquê para todos os convidados  

Até a famosa disputa pelo buquê ganhou outro significado na cerimônia de Deborah e Waldemar. Juntos, os dois jogaram ‘buquês de corações’ para todos os convidados. Entre os coraçõezinhos, dois tinham uma fitinha amarrada e quem os pegasse ganharia um brinde: o buquê de flores ou um uísque.  

“E adoro essas brincadeiras, sempre gostei, seria hipocrisia da minha parte não ter no meu casamento, por isso, resolvemos fazer a dinâmica de uma forma diferente. Todo mundo participou, solteiros, casados, homens e mulheres”. 

Além disso, Deborah conta que o noivo participou de todos os preparativos e decisões da organização da festa. “Ele tomou algumas decisões por conta própria, não teve isso da noiva organizar tudo só, decidir tudo. O casamento às vezes pode ser algo mais social que uma celebração de amor e queríamos que fosse sobre nós, pra comemorar nossa união”.  

Nome de solteira  

Érika e Helder quando casaram também decidiram romper com tradições e não adotaram os sobrenomes um do outro após o registro civil. “Não fazia sentido pra gente, pra nossa história, não muda nada em nosso amor ou na nossa união”. 

O número de mulheres no Ceará que fez a mesma decisão tem crescido, inclusive, nos últimos anos. No ano passado, mais de 29 mil casamentos foram oficializados no Estado e, do total, 16.244 mulheres (55%) não alteraram o “nome de solteira”.  

Em 16.109 dos casos, nenhum dos cônjuges mudou o nome; e em 135 deles, somente o homem alterou. Os dados são da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) e foram obtidos com exclusividade pelo Diário do Nordeste. 

Nada de "Game Over" é 'Só start’ 

A cerimônia também foi realizada ao modo deles e, em vez de ter um juiz de paz ou um representante religioso fazendo a celebração, convidaram três amigas que contaram a história do casal com propriedade de fala.  

"A gente uma coisa bem simples, a ideia era ter uma cerimônia que celebrasse nossa união e não queríamos uma pessoa não conhece nossa história, não fazia sentido pra gente, queríamos uma coisa mais intimista, uma festa que fosse muito a nossa cara e com pessoas que nos acompanharam”. 
Érika Neves
UX writer

Legenda: Três amigas do casal foram escolhidas para celebrar a cerimônia
Foto: Fotometrar

Para Érika e Helder, as escolhas de romper tradições foram mais naturais, já que isso faz parte da convicção do casal. “A gente costuma brincar que lá em casa o feminismo já foi legalizado”, brinca Helder.   

Por isso, ela não entrou na cerimônia ao som da tradicional marcha nupcial e acabou jogando o buquê porque as convidadas insistiram para fazer a brincadeira, mas de forma ressignificada.  

“Pra mim, casamento não tem nada de fim, é o começo da minha vida inteira com minha melhor amiga, minha companheira. Acho uma besteira essa brincadeira de ‘game over’, por exemplo, porque pra gente é só start mesmo”. 
Helder Farias
consultor legislativo

Olhar de quem faz 

A celebrante de casamentos e outras comemorações, Lara Rovere, traz em seus escritos a quebra de paradigma e de certos discursos que são naturalizados, mas revestidos de machismo. "O tal do ‘pode beijar a noiva’ é um exemplo, por que alguém tem que liberar? E por que o noivo é que tem que beijar?”, questiona.   

Comumente presente em casamentos de diversas formas, é a história do ‘game over’, que atrela o discurso ao noivo, como se a vida para ele acabasse ali. “É como se o casamento fosse ruim pro homem, e pra mulher não fosse uma escolha. Não faz o menor sentido”. 

“Importante ressaltar sobre o peso que a palavra, mesmo que dita no automático, tem na perpetuação desses valores machistas. Ser celebrante mulher, por si só, também já representa uma ruptura desse lugar normalmente ocupado por homens. Quase sempre a tradição se sobrepôs à história do casal e, agora, temos a possibilidade de que as próprias histórias assumam o protagonismo”.  
Lara Rovere
celebrante

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