Documentário resgata o processo de criação e pesquisa do espetáculo "E.L.A", de Jéssica Teixeira

Codirigido com o cineasta Pedro Henrique, "Pudesse ser apenas um enigma" está disponível pelo canal Sesc Pompeia no YouTube

Escrito por Antônio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Legenda: Jessica Teixeira diz que revisitar o material para o documentário foi desafiador, pois foi um novo mergulho em sua própria história
Foto: Beto Skeff

A contínua reflexão acompanha o trabalho desenvolvido pela atriz, pesquisadora e produtora Jéssica Teixeira. Seu espetáculo solo "E.L.A" debate corpo e a relação com o mundo. Desde a estreia em 2019 no Cineteatro São Luiz, essa sensível investigação particular foi exposta em mais de 30 datas por Fortaleza e cidades como Porto Alegre (26º Porto Alegre em Cena) e São Paulo.

Na capital paulista, a cearense realizou temporada com oito apresentações no Espaço Cênico do Sesc Pompeia. Em 2020, o cenário da pandemia da Covid-19 trouxe outra realidade ao segmento cultural. A transmissão online ganhou espaço na realização de eventos artísticos. Jéssica Teixeira retorna a São Paulo, dessa vez com o Projeto de Desmontagem do Sesc.

Porém, não se trata de uma exibição virtual do elogiado solo. Em codireção com Pedro Henrique, a atriz lança o documentário "Pudesse ser apenas um enigma", obra que adentra e resgata o processo de criação e pesquisa contidos no universo de "E.L.A". O filme está disponível pelo canal Sesc Pompeia no YouTube.

Imersão

"É o que não se vê do espetáculo", nos diz a realizadora. Idealizado desde 2017, "E.L.A" tem direção assinada por Diego Landin. Une dramaturgia, artes plásticas e vídeo. Partindo da investigação cênica do próprio corpo, Jéssica Teixeira aproxima inúmeras interpretações e alertas como a discussão dos padrões de beleza impostos pela sociedade e aceitação das diferenças. Encoraja a sensibilidade para com o outro. Uma forma de fortalecer a construção do ser político que há em cada um.

"Poderia ser o espetáculo, a coisa por detrás das cortinas, a minha preparação. É uma desmontagem. Minhas escolhas durante o processo de pesquisa e criação. Levanta várias possibilidades, vai aproximando certos caminhos e o emolduramento de um universo que não cabe só dentro de uma tela", compartilha a atriz.

Legenda: Na encenação, a discussão dos padrões de beleza impostos pela sociedade e aceitação das diferenças estão presentes
Foto: Beto Skeff

A parceria e amizade entre Pedro Henrique e Jéssica Teixeira começou no projeto Sonoridades Múltiplas. Coordenando pela Profa. Dra. Consiglia Latorre, a iniciativa reúne alunos dos cursos de Licenciatura em Teatro, Música, Dança e bacharelado em Cinema e Audiovisual, do Instituto de Cultura e Arte da UFC.

Ao longo dos anos, a dupla compartilhou trabalhos como "Calígulas" e "Restos Cavam janelas", do grupo Comedores de Abacaxi S/A. Além de "E.L.A", em que assina a direção de videomapping, Pedro Henrique teve seu mais recente filme, "A Brisa que Entra pelas Frestas no Meu Ninho" (2019), produzido por Jéssica Teixeira. Essa proximidade foi decisiva na elaboração do roteiro de "Pudesse ser apenas um enigma". "Como eu já tinha esse conhecimento da Jéssica, sobre as questões da vida dela; e ela sabe das minhas, o roteiro saiu de forma muito intuitiva. Eu sabia todo o roteiro, tudo que o espetáculo falava. Saiu de forma natural. O mais difícil foi realizar durante a pandemia", explica o diretor.

Transposição

Pedro Henrique roteirizou, produziu e dirigiu os curtas "SUPERDANCE" (2016), "Hiperidrose" (2015), "O Sentido Alegre da Dor" (2014) e "Fora da Onda" (2014). Com o documentário, o desafio foi construir a desmontagem de um espetáculo de teatro no vídeo.

O caminho foi fugir do modelo tradicional do gênero, marcado por pessoas falando para uma tela. Pensar de forma audiovisual sem recorrer apenas a um relato do surgimento do espetáculo.

"Inserimos outros signos, novas camadas nessas cenas pra construir uma força no audiovisual parecida com a força sensorial que elas tinham, quando eram vividas presencialmente no espetáculo", argumenta Pedro Henrique. A produção foi árdua. Sem contato por conta do isolamento social, toda a construção das cenas (filmagem, edição) foi feita remotamente.

Jéssica atuava, filmava e enviava via nuvem. Pedro, por sua vez, já tratava o material recebido e retornava o quanto antes. Um diálogo constante e complexo que precisou ser aliado à atuação conjunta do pessoal da trilha sonora e a equipe responsável pela áudio descrição e Libras.

No quesito acessibilidade, o documentário também é generoso ao debate do tema.

"Pudesse ser apenas um enigma" reforça e repensa as ferramentas de acessibilidade. Longe de usar apenas uma caixa ou janela ao lado do filme, Jéssica Teixeira também performa nas imagens e nas palavras destes recursos acessíveis, pensando a Libras e a audiodescrição como um elemento narrativo da obra.

A experiência no teatro, pesquisa acadêmica, audiovisual, produção e artes plásticas permitiu aos diretores do documentário produzir durante o isolamento. Acontece em meio às mudanças que as possibilidades digitais vêm ofertando ao fazer teatral. "O Teatro pode ser tanta coisa para que o que ele deixa de ser", atenta Jéssica Teixeira.

Legenda: O documentário une tecnologia, debate da acessibilidade e questões do corpo
Foto: Beto Skeff

Entranhas

Produzir uma obra independente, porém mergulhada severamente no universo de "E.L.A", exige por demais da atriz.

"Pessoalmente, ele mexe muito nas minhas entranhas, por mais que eu fuja da minha autobiografia, fala de corpo, fala do meu corpo, não tem como não estar atrelado. Revisitar esse material é muito doloroso. Envolve desde o meu nascimento, limite, traumas. Tentando nem sempre falar só de mim, mas de universalizar. Para o espectador construir uma autoconsciência, a emancipação de si e do próprio corpo", detalha a cearense.

Em contrapartida, tecnicamente é muito valioso, diz a entrevistada. O virtual é território potente. "As coisas estão acontecendo, se transformando. Como artista, pesquisadora é correr atrás, sem ficar negando. Cada plataforma tem uma forma de exibição, de organização técnica. De pensar as cenas de acordo com as características de cada ferramenta", reflete Jessica.

"Pudesse ser apenas um enigma" estimula o pensar. "É como se eu revirasse as minhas próprias entranhas em cada material, foto, do processo de pesquisa e criação", comenta a atriz. Em cena, a criadora de E.L.A retorna a episódios delicados de sua vida. Resgata vídeos, fotos, relatos, laudos médicos, exames desde o momento em que nasceu.

O documentário une tecnologia, debate da acessibilidade e questões do corpo. Estes e outros temas estão aliados ao contínuo cuidado na arte de explorar narrativas e contar uma história única. Arte, educação e cultura libertam. Dias antes da exibição, com o filme já pronto, Jéssica Teixeira se questiona divertidamente.

"Não sei como é que tenho tanta coragem. Não sou assim na vida banal e corriqueira. Revisitar esse material... Meu Deus, que coragem. Como consegui mostrar essa arte?".

Serviço
Projeto de Desmontagem de ação virtual do SESC Pompeia (SP)
Documentário "Pudesse ser apenas um enigma", de Jéssica Teixeira e Pedro Henrique
Elenco: Jéssica Teixeira
Exibição no canal do Youtube do SESC Pompeia
Gratuito
Informações: @ela.jessicateixeira no Instagram e Canal Youtube Sesc Pompeia

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