Como se faz um audiolivro? Saiba o passo a passo da produção de obras cuja leitura é com os ouvidos
Da escolha do título à seleção do elenco, processos são diferentes para cada projeto; Verso conheceu um dos estúdios da Audible Brasil e compartilha a experiência
A onipresença de fones de ouvido no cotidiano é testemunha: experiências em áudio vieram para ficar. Muito além da música, o consumo de conteúdos nos quais o som entra em ação atrai cada vez mais pessoas, e audiolivros fazem parte disso. Mas, afinal, você sabe como estas obras são realizadas? Que passo a passo seguem até chegar à escuta?
O Verso foi até o Rio de Janeiro conhecer de perto um dos estúdios da Audible Brasil – plataforma de streaming de audiobooks da Amazon no país. A vivência revelou processos capazes de atestar a força do segmento e as diferentes camadas que o trabalho exige até que histórias, documentários, séries e projetos de não-ficção cheguem aos ouvidos do público.
Uma coisa é certa: tudo começa muito antes de os microfones serem ligados. A primeira decisão é se a obra em questão se tornará um audiolivro ou um Original Audible. A diferença? “Um audiolivro diz respeito à própria narração da obra, tal como ela foi publicada; já um Original é escrito pensado especificamente para áudio, envolvendo outros recursos”.
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Quem explica é Fernando Schaer, especialista de produção em áudio da Audible, e Giovana Garcez, coordenadora de conteúdo na empresa. Segundo eles, tudo muda a partir da escolha sobre o que fazer com o livro – do tempo de produção do conteúdo sonoro à escolha do time que estará à frente do projeto. São ajustes necessários para que cada processo funcione.
No caso de um Original, a preparação é mais densa porque há quantidade maior de profissionais envolvidos – em contraste com os audiolivros, geralmente narrados apenas por uma voz. Até o modo de gravação é distinto, da escolha de quem assumirá o posto de cada personagem até de que forma as vozes, gravadas em diferentes estúdios e períodos, serão combinadas em um produto só.
“Dependendo da direção e do roteirista, todas as pessoas comparecem à gravação por ser algo muito vivo. Nesses casos, existe liberdade de se colocar um caco ou outro na fala, uma sujeirinha, uma palavra a mais. Uma das coisas mais legais de trabalhar com áudio é ver essa nova possibilidade surgindo para atores e narradores”, celebra Giovana.
Preparar, produzir, revisar
Cada passo se conecta a outro, com opções diversas inclusive dentro de uma mesma modalidade de trabalho. Atores em produções originais Audible, por exemplo, têm duas alternativas: assumir um papel específico e contracenar com outros atores – semelhante a outros produtos audiovisuais; ou ter como base versões da obra que se deseja transpor para o áudio feitas a partir de outros idiomas, algo conhecido como Localização.
“Neste caso, o elenco precisa ouvir a versão em outro idioma, entender o tom que os outros atores usaram, compreender se faz sentido para cada personagem continuar com aquilo ou dar alguma contribuição”, diz Fernando. Essa contribuição pode ser plural, mas diz respeito sobretudo à incorporação de um sotaque que acrescente brilho diferente à produção.
“São desafios muito interessantes, até mesmo na preparação dos narradores”, destaca Giovana. “Para um audiolivro, o ideal é que o narrador tenha conhecimento do texto, leia o livro antes de chegar no estúdio. Apesar de não ser uma interpretação, a narração é uma contação de histórias. É diferente do Original, no qual você se prepara para um personagem”.
Em suma: trabalho de equipe. Para se ter ideia, a experiência do estúdio não é isolada. Envolve narrador, revisor, técnico de áudio e diretor de dublagem. Terminada essa etapa, entra a Primeira Edição, quando o editor monta o audiolivro a partir do roteiro. Nessa parte, ele remove o máximo possível de ruídos e aproxima as linhas para manter o ritmo de leitura.
O editor também exclui frases repetidas e realiza uma comparação entre o texto roteirizado e o texto gravado. Em seguida, seguem-se revisão, aprovação, repetições (se houver necessidade de regravação), segunda edição e masterização. Pouco importa se as obras são curtas ou verdadeiros calhamaços: a intenção é mesmo disseminar literatura.
“Limite de páginas de um livro não é uma questão pra gente. Se os livros são grandes, os audiolivros serão grandes, e é isto”, arremata Giovana Garcez, citando livros como “1984” – cujo Original Audible tem nomes como Lázaro Ramos, Mateus Solano e Alice Carvalho no elenco, e é um dos maiores cases de sucesso da plataforma.
A experiência de gravar uma cena
Ao término do workshop promovido pela Audible para conhecer a dinâmica de gravação de audiolivros, os jornalistas presentes – incluindo este que vos escreve – foram convidados a gravar uma cena de “O misterioso caso de Styles”, primeiro título de Agatha Christie. Não poderia ter sido mais dinâmico.
Cada um assumiu um personagem e conseguiu captar a essência do trabalho desenvolvido por quem aposta no áudio como ferramenta de construção e transmissão de conhecimento. O passo a passo envolveu compreensão da cena e do perfil de cada personagem; leitura informal do texto antes da gravação; e, por fim, o próprio instante de colocar os talentos em ação.
Fragmentos possíveis para compreender e, principalmente, embarcar naquilo que lança possibilidades para a frente. Tal qual Annie Ernaux um dia escreveu: “Buscar novas formas”.
*O repórter viajou a convite da Audible Brasil