Ceará sem festa: profissionais relatam dificuldades de atuação no setor de eventos do Estado

Última reportagem do duo “Ceará sem festa” situa quais alternativas estão sendo buscadas por pessoas do setor para driblar a pausa compulsória devido à pandemia do novo coronavírus

Escrito por Diego Barbosa e João Lima Neto , verso@verdesmares.com.br
Legenda: Ausência de festas juninas nos meses anteriores é citada pelos entrevistados como exemplo de prejuízo para obtenção de renda durante a pandemia
Foto: Arte: Louise Dutra

Fato concreto: todo evento requer um esforço conjunto de vários profissionais – desde os que atuam na linha de frente das atividades até aqueles que, no labirinto de corredores atrás do palco, garantem que tudo saia em perfeita ordem para o público e os convidados. Se o acontecimento envolver um artista de grande sucesso, então, a movimentação se torna ainda maior, dada a quantidade de demandas para lidar em consequência do alcance do nome.

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Essa dinâmica de grande frenesi e responsabilidade faz parte da rotina de Cristiane Nepomuceno Chagas há 12 anos. Ela é proprietária da empresa CNC Serviços e Eventos, com dois focos distintos de atuação: na parte de Serviços, o trabalho envolve papelaria, gráfica e offset, incluindo produção de brindes e criação de artes, cartões de visita e panfletos; no que toca a Eventos, o empreendimento cuida do camarim de artistas de elevado destaque da música que fazem shows em Fortaleza.

Legenda: Na rotina habitual de shows, a CNC Serviços e Eventos, de Cristiane Nepomuceno, cuida do camarim de artistas
Foto: Arquivo pessoal

Com a pandemia, esta última instância teve sofreu uma pausa compulsória, alterando completamente a agenda de Cristiane. Ela conta que, considerando apenas o primeiro semestre deste ano, iria prestar serviço para seis grandes eventos, com a participação de nomes como Marília Mendonça, Gusttavo Lima, Jorge & Mateus, Dire Straits, entre outros. Devido à ausência de shows, o desafio agora é se adaptar.

“A não-realização das atividades está fazendo muita falta. No meu caso, como faço produção de camarins, assim como as pessoas que dependem do meu serviço, os staffs (“funcionários”, em inglês), cuja média é de 8 a 12 pessoas por evento, fomos diretamente impactados pela pandemia. E o pior: talvez sejamos os últimos a voltar à rotina normal, já que todo show envolve aglomeração”, observa.

A empresária menciona que a maior parte das pessoas da equipe sob sua liderança tem empregos fixos; contudo, outros dependem apenas da diária como staff, tendo que, neste momento, conseguir benefício do Governo Federal para sobreviver. “Minha renda relacionada a esse ofício está parada, porque, como é uma prestação de serviços junto a produtoras de Fortaleza, a cada evento a gente fechava um contrato. Se nada está acontecendo, não há renda”, situa. “Para superar esse momento difícil, tenho concentrado as atividades na parte de gráfica digital e offset”.

A loja física referente a esse outro empreendimento de Cristiane se localiza no bairro Cidade dos Funcionários. Porém, dadas as recomendações sanitárias e governamentais, praticamente tudo está sendo realizado de forma online. “Mesmo com os clientes continuando a procurar os serviços, a demanda não chega aos pés de quando a loja estava em pleno funcionamento. Com isso, o faturamento caiu em torno de 60% e ainda há despesas, como aluguel do espaço, contas de telefone, internet e energia, por exemplo. Está bastante complicado”.

O lamento se estende quando Cristiane contabiliza as apresentações em que iria atuar junto a outros profissionais na Capital ainda neste ano, algo que compromete, de uma forma geral, toda a imensa cadeia produtiva de eventos no Estado – a exemplo de equipes de limpeza, segurança, portaria, iluminação, som, entre outros. A indefinição quanto ao retorno habitual dos afazeres perturba e deixa os dias de espera mais difíceis.

Legenda: Cristiane Nepomuceno conta que, apenas no primeiro semestre deste ano, iria prestar serviço para seis grandes eventos
Foto: Arquivo pessoal

Prestaríamos serviço para, em média, de 5 a 8 eventos nos seis meses pela frente, especialmente a partir de novembro – quando trabalhamos em festas de Natal e Réveillon, indo até o Carnaval. No período de São João, também atuaríamos num projeto enorme, que acontece há mais de cinco anos. Desta vez, não mais”.

Efeitos da pausa

Soma-se à voz da empresária a perspectiva de Emanuel Alves. No caso do produtor de palco, entre março e julho, ele estaria trabalhando em quatro eventos por mês, dependendo dos cachês de cada serviço para angariar renda. “Sempre procurei me organizar em relação à parte financeira; dos cachês que ganho, destino uma porcentagem para um fundo emergencial para ser utilizado exatamente nos momentos de crise, como este que estamos passando”, conta.

Legenda: O produtor de palco Emanuel Alves confere, com Xand Avião, detalhes do show; em tempos de pandemia, o cotidiano do profissional foi alterada
Foto: Arquivo pessoal

Ainda assim, está precisando recorrer a outras alternativas para garantir a sobrevivência. Uma das atividades que faz hoje é ajudar a mãe a vender e a entregar bolos caseiros. “A pandemia obrigou a gente a se reinventar”, sublinha, elencando as ações que geralmente faz nas apresentações em que atua, realidade bastante distinta do que executa hoje.

No posto de produtor de palco, Emanuel tem várias incubências: executar projetos, acompanhar montagens de estruturas, som, luz, painéis, além de fazer a logística da parte técnica com as atrações.

“Fico à frente de tudo que engloba esse setor. No São João, estaríamos focados no evento de Maracanaú, um dos maiores festivais juninos do Nordeste”. 

Feito Cristiane Nepomuceno, ele também atua no ramo há 12 anos e já fez produção de shows de artistas locais e nacionais, a exemplo de Xand Avião, Zé Cantor, Simone e Simaria, Luan Santana, Ivete Sangalo, Zezé di Camargo & Luciano, entre outros.

“Minha expectativa é de que tudo isso passe para voltarmos a atuar no que mais gostamos. Enquanto isso, o que temos que fazer para driblar a crise é sair da zona de conforto”.

Legenda: Na rotina habitual de Emanuel Alves, toda a logística de execução de uma apresentação musical fica a cargo dele
Foto: Arquivo pessoal

Desapego

No caso do instrumentista Fábio Amaral, a palavra de ordem para contornar a má fase está sendo desapego. Entre outras atividades, normalmente ele atua na produção de jingles, arranjos e festivais. No mais alto padrão musical, chegou a participar de grandes eventos nacionais, sempre com bastante reconhecimento.

No entanto, com a pandemia, viu-se obrigado a colocar à venda, pela internet, 11 itens, entre instrumentos e equipamentos de som. No Ceará, havia utilizado os objetos, por exemplo, nos festivais de Jazz & Blues e no de Música do Banco do Nordeste. Até para o exterior levou os instrumentos. 

Legenda: Para tentar driblar os efeitos da pandemia, alguns dos instrumentos utilizados por Fábio Amaral em apresentações locais, nacionais e internacionais agora estão disponíveis para venda
Foto: Arquivo pessoal

Fábio conta que as negociações para compra dos equipamentos no meio digital são bastante complicadas.

“Já teve gente que ofereceu, na troca de uma guitarra, um violão, uma bicicleta e até um beijo da mãe. O pessoal sempre quer obter alguma vantagem. Faço algumas quando vem parte em dinheiro. Às vezes, porém, vale mais esperar para vender com o valor cheio”, situa o músico.

Na contramão de outros de artistas – que realizam lives com playbacks – o instrumentista salienta que é impossível encontrar outra saída para obter alguma renda no momento. “Não tem como eu fazer uma transmissão na internet ensinando notas musicais. Não é nada atrativo”, diz. 

Residindo na casa dos pais, Fábio até solicitou o auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal. Apesar de os pagamentos estarem sendo efetuados desde abril, apenas recentemente, contudo, o músico conseguiu uma das parcelas de R$600. Não sem antes lamentar pela perda dos objetos que carrega no peito, símbolos de várias histórias. “É difícil desapegar. A gente olha e tem um carinho por cada um ”, lamenta.

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