Capivaras viram fenômeno pop e conquistam Fortaleza em formato de acessórios e até parque temático
Entenda como a fama do maior roedor do mundo nasceu e para onde caminha a trajetória do ícone
Fofas, pacatas e… totalmente queridas. Basta circular pelo comércio de Fortaleza para perceber. Capivaras foram alçadas ao posto de ícones pop, fenômenos indiscutíveis. Estampam camisas, capas de caderno, mochilas e adornos. Agradam de crianças a adultos, e são até protagonistas de parque temático. Um hit, uma febre.
Não é de hoje que esses bichinhos gordos e peludos são tendência, porém. Tudo indica que o “fenômeno capivara” começou em 2023 e tem como um dos responsáveis Alexey Pluzhnikov. O jovem russo desenvolve jogos e é o compositor da música “Capybara” – que, basicamente, repete o nome do animal num ritmo engraçado.
A composição virou trilha para mostrar os queridos animais dos mais variados jeitos em vídeos – nadando, mastigando ou sob panoramas inusitados, como quando estão em formato de sushi. No Brasil, é possível encontrar pastéis e coxinhas cujo molde são capivaras, o que nos leva à pergunta: serão elas um novo símbolo do país?
Veja também
Consultora de Marketing e professora universitária, Gal Kury levanta questões. Conforme indica, toda cultura cria símbolos com os quais as pessoas se identificam emocionalmente. Nesse sentido, a capivara já estava no imaginário coletivo como animal tranquilo, sociável e brasileiro. Mas era um símbolo latente, ainda sem protagonismo.
“A questão é a transformação de um símbolo espontâneo em produto de massa. Em tempos de reprodução digital em escala de imagens, memes e mensagens, podemos dizer que um símbolo é ‘ativado’ quando um conteúdo viral o revela de forma ressonante. Por exemplo: um vídeo fofo, uma imagem inusitada, uma legenda certeira”, diz.
“A quantidade de produtos com apelo ‘capivara’ hoje em dia impressiona e mostra que o fenômeno vai muito além do público infantil. Sim, tem pelúcia fofa, pratinho de comida, livrinho ilustrado. Mas a capivara também fala com o adulto o brasileiro que sonha em viver à beira de um lago... em paz”, completa.
Por que as capivaras viralizam?
A resposta tem a ver com a dinâmica das redes sociais. De acordo com Gal Kury, elas funcionam como vetores de impulsionamento, ativando o efeito totem, ou seja, quando o símbolo começa a ser compartilhado como representação de um sentimento coletivo – no caso das capivaras, de paz, humor e “estar de boa”.
Tem algo a mais: o visual da capivara é incrivelmente versátil. Funciona tanto no quartinho da criança quanto na camiseta descolada de uma loja de grife. É aí que a coisa escala.
“Quando uma marca mais cara lança uma camiseta com uma capivara minimalista no peito, ou uma caneca toda conceitual com ela em pose filosófica, o símbolo sobe de patamar. Ganha status de estética. E, como todo ícone pop, começa a ser replicado, indo das vitrines de shopping até os camelôs da esquina”.
Por que a capivara se tornou o animal mais pop do mundo?
Este ponto, por sua vez, dialoga com o fato de o símbolo começar a viver por conta própria quando as pessoas o remixam, ressignificam e colam em tudo – capivara em arte digital, estampa de camiseta, sticker no grupo do Whatsapp. O bicho deixa de ser só um bicho para virar linguagem. E, com isso, nasce uma sensação de pertencimento: quem curte capivara, se reconhece no outro.
Para a estudiosa de Marketing, é como se dissessem: “Você também valoriza a calma, a ironia tranquila, a brasilidade sem gritaria?”. É quando a capivara se transforma num marcador de identidade – não aquela pesada e séria, mas leve, compartilhável, com gostinho de meme com afeto.
“O mercado não perde tempo. Começam a pipocar pelúcias de capivara zen, capinhas de celular, quadros minimalistas com frases tipo ‘só observo’. A capivara se transforma em estética e item. Plataformas como Shopee, Elo7 e Amazon viram terreno fértil para essa explosão".
Em poucos cliques, de fato, lá está ela: ao lado de seu planner e da vela aromática com cheiro de mato molhado. Influenciadores e TikTokers ajudam a cimentar o hype com vídeos que misturam humor e lifestyle, a exemplo de "um dia na vida com energia de capivara".
O símbolo, portanto, se consolida. Não apenas como item vendável, mas como objeto cultural completo, com storytelling, valores e até ecossistema visual próprio. Por isso não é exagero afirmar que, assim como o vira-lata caramelo foi abraçado pelos brasileiros como símbolo nacional, a capivara também tem conquistado esse espaço no imaginário coletivo. Ela é tranquila, zen e está sempre “de boa”. Do nada, virou ícone.
“Apesar de não estar presente em todas as regiões do Brasil como o vira-lata caramelo, conquistou o coração do povo com jeitinho pacato e a vibe de ‘nada me abala’. Talvez ela não chegue a ter a mesma força simbólica que o caramelo, que já é um patrimônio afetivo; mas, sim, a capivara tem tudo pra se firmar como um mascote brasileiro. Um símbolo da paz interior em forma de roedor gigante”, conclui Gal Kury.
Onde encontrar o ícone nas lojas do Centro
O Verso foi a campo ver de perto como acontece essa onipresença de capivara no Centro de Fortaleza, e o resultado é tão plural quanto certeiro: elas, de fato, são o momento.
Nas lojas conhecidas como “Shopee do Centro”, estão por todo o lado. Ocupam setores de papelaria, vestimenta, acessórios e até domésticos. Localizada na Rua General Sampaio, a Yoomi Presentes, por exemplo, tem prateleiras inteiras dedicadas ao bichinho. São mochilas, copos, garrafas térmicas, pelúcias, chaveiros, chinelos e tapetes de capivara.
“A loja inaugurou há quatro meses, mas a viralização da capivara já estava entre nós. Conforme esse alcance aumentou nas redes sociais, fomos investindo mais”, conta Maria Letícia, gerente de marketing da casa. Segundo ela, os itens chegam com mais força nas crianças, embora adultos também embarquem na moda.
A faixa de preço varia entre R$ 10 e R$ 60. E a reposição precisa ser rápida porque os produtos acabam logo. Nossa equipe mesmo, ao tentar ver de perto os chinelos de capivara, acabou não conseguindo devido à alta procura do item. Para Maria Letícia, isso tem explicação: tem a ver com a própria estética do bicho, que convoca bons sentimentos.
“Acho que a capivara se tornou um fenômeno pop porque não é um animal comum de se ver – pelo menos não aqui, no Ceará. Sem contar que tem a questão de ser um bicho fofinho. Além disso, ela também é um personagem, tem muitos desenhos que usam a capivara como protagonista, e isso chama a atenção das pessoas”.
Não muito distante dali, também na General Sampaio, a NewShop Presentes igualmente integra o filão. Já imaginou utilizar um ventilador portátil de capivara? E um suporte para crachá com o animalzinho estampado? É o que a casa proporciona. A partir de R$ 7,50, já é possível levar um produto tão aconchegante quanto funcional.
Cordões, adesivos, lápis, canetas, livros de colorir, réguas, escovas de cabelo, corretivos… A lista é grande e volumosa. Gerente de marketing do estabelecimento, Daniele Sousa não consegue fechar a conta precisa da quantidade de produtos. Mas sabe que eles têm aquecido as finanças da loja, e celebra a conquista.
“Outras coisas ficaram em alta ao longo dos meses, mas a capivara continua sendo a número um em vendas. Nossa diversidade é grande, e acho que é por isso que a loja está sempre lotada. Acredito que a capivara chama muito a atenção porque dialoga com o estilo de cada um. Tem gente que gosta de algo diferenciado, e a capivara dá super certo”, analisa.
Há 10 anos no mercado e já tendo abraçado diferentes modas ao longo do tempo, a A.M Presentes é outra que elegeu a capivara como tema rentável. Entre R$ 5 e R$ 150, você leva para casa várias e várias opções de objetos, incluindo luminária, cadernos, estojos e até apontadores. O maior destaque, contudo, vai para uma maleta apenas com itens de capivara.
Parque de capivara em Fortaleza
Quem sair do Centro e for ao Iguatemi Bosque, encontrará mais capivaras. Além de a estética do animal estar presente também nas lojas, o shopping reserva aos visitantes a experiência do Capivalley. A empreitada, de acordo com a equipe responsável, é pioneira no país e utiliza a técnica da “teoria da diversão” para educar a criançada por meio de brincadeiras.
Não à toa, de forma lúdica, foi criado um grupo de personagens da floresta para o projeto. Eles interagem no parque com os “capinhas” – como são chamadas as crianças que visitam o parque – e ensinam que, para garantir o meio ambiente no futuro, é necessário proteger o presente, despoluindo lagos, rios e mantendo animais silvestres no habitat natural.
“Além de brincar e viver ativamente a experiência no parque, cada visitante, ao sair, recebe um certificado capaz de reforçar que, além de aprender um pouco mais sobre preservação, a criança está efetivamente garantindo a doação de parte do valor para ONG Capa, que cuida do bem-estar de 102 capivaras no Brasil e outros animais silvestres”.
A fala é de Alex Façanha, diretor de criação da Baladeira.Lab e idealizador da empreitada. Para ele, apesar de um animal silvestre, a capivara reúne características muito positivas para a comercialização.
“Ela também tem a vantagem de a própria imagem ser considerada de domínio público, favorecendo a democratização de diversos pontos de contato. Acredito que a tendência Capivara está se transformando em uma espécie de animal-ícone – estilo pandas, coalas, lhamas, ou seja, aquele que consegue perdurar por uma temporada muito maior que uma modinha. Ainda vamos ver e ouvir muitas ‘capivárias’ por aí”.
O Capivalley funciona até 3 de agosto e é voltado para crianças de 2 a 12 anos. Os ingressos custam R$ 45 e a experiência dura 30 minutos. Para cada minuto excedente, é cobrado o valor de R$ 1,50. As próximas paradas do parque incluem cidades como Manaus, Belém e, em 2026, seguirá com turnê para a região sul do Brasil.
Capivaras podem oferecer riscos
Nesse panorama todo, há que se considerar outras variáveis nem tão fofas quanto. Capivaras podem oferecer riscos devido a zoonoses como a leptospirose e, sobretudo, por serem hospedeiras do carrapato-estrela, o vetor principal da febre maculosa.
Além disso, embora sejam muito pacíficas, é bom evitar contato muito próximo. Se elas se sentirem acuadas, é natural que reajam com mordidas. Mas se respeitar o espaço do animal e evitar interações, a convivência é harmônica.
“Via de regra, não é possível adotar uma capivara da natureza como animal doméstico no Brasil. Configura-se como crime ambiental – a não ser que a pessoa tenha um criadouro legalizado pelos órgãos ambientais e adquira os indivíduos de outros criadouros ou seja autorizada a manter indivíduos da natureza para fins de recuperação e reintrodução. Mas tudo isso envolve exigências de espaço, documentação e equipe”, orienta Hugo Fernandes.
O professor da Universidade Estadual do Ceará e diretor da Seteg Soluções Ambientais explica que a capivara é um mamífero da ordem dos roedores e pode chegar a até 90 kg. Habita desde áreas úmidas e florestadas até campos abertos, desde que haja rios, lagos e lagoas, uma vez serem animais de hábitos semi-aquáticos. Vivem em grupos familiares que podem chegar a dezenas de indivíduos.
Distribuindo-se por toda a América do Sul, concentra no Brasil a maior parte das populações, dada a extensão territorial do país. No Ceará, de forma específica, tem história muito particular: é uma espécie nativa documentada historicamente até a década de 1970, quando foi apontada como praticamente extinta.
“Durante 30 anos, nenhum registro do animal foi realizado. Até que, no início dos anos 2000, um grupo de um cativeiro na Lagoa do Catu começou a se espalhar na região de Aquiraz", contextualiza Hugo.
A hipótese mais provável é que a capivara nativa do Ceará tenha sido de fato extinta entre as décadas de 70 e 80, e que os indivíduos hoje espalhados por toda a Região Metropolitana de Fortaleza sejam fruto do aumento reprodutivo desse ou de outros eventos de soltura. Inclusive, é uma hipótese que precisa ser confirmada por análises genéticas”, completa.
De todo modo, ele mesmo reconhece: é, no mínimo, estranho o fato de esse animal não ter sido tão mundialmente conhecido antes. E são muitos os fatores que conduzem a esse cenário de fama. Primeiro: trata-se do maior roedor do mundo, o que já é muito peculiar. Segundo, a capivara apresenta geralmente um comportamento muito pacífico.
“No Pantanal, por exemplo, você a encontra dormindo ao lado de jacarés, um de seus predadores naturais. Também é comum registrá-las interagindo positivamente com diversas espécies de mamíferos, aves e répteis. Além disso, formam grupos familiares, o que nos remete facilmente às nossas relações e isso faz com que a nossa empatia também aumente”.