Antropólogo Ismael Pordeus Jr. lança livro que homenageia a mãe de santo Dona Neide Alencar

Obra, com lançamento marcado para esta sexta-feira (13), no Centro Cultural Belchior, homenageia a maior referência da Umbanda e das demais religiões afro-brasileiras no Ceará

Escrito por Dellano Rios , dellano.rios@svm.com.br
Legenda: Dona Neide de Alencar, a Neide Pomba-Gira, personagem incontornável das religiões afro no Estado

Em 1850, o Governo Imperial, atendendo demanda da província que hoje corresponde ao Ceará, reconhecia que, por estes lados do Brasil, não existiriam mais “hordas de índios selvagens” e que seus descendentes estariam “confundidos na massa da população civilizada”.

Cegueira autoimposta, a medida mal escondia suas reais intenções de apropriação das terras dos povos nativos. Violência que se conecta com outra, que ainda circula entre nós, que minimiza a presença da instituição da escravidão no Ceará e, com ela, a própria presença negra no Estado.

Na contramão destas duas ficções e seus projetos violentos, está a expressão cultural e religiosa de que trata “Os processos de reetnização da Umbanda no Ceará: tributo a Dona Neide Alencar”, do antropólogo Ismael Pordeus Jr.

Legenda: O cotidiano das vivências de terreiros é tônica da obra de Ismael Pordeus Jr.

O próprio lançamento do livro – hoje (13), a partir das 16 horas, no Centro Cultural Belchior – se inscreve nas ações que se contrapõem à violência simbólica, em alta, manifestas em discursos e ações de flagrante intolerância religiosa. A liberdade de crença e de culto, garantida pela Constituição Federal de 1988, tem encontrado gente disposta a flexibilizá-la, como numa reedição das negações de que falou, a índios e negros.

O sagrado

A figura central desta coleção de artigos e ensaios é a mãe de santo Dona Neide Alencar (1940 - 2006) – a Mãe Neide, Neide Pomba Gira, como também era chamada. “Um das referências mais importantes da religião umbanda no Ceará” é como a apresenta o autor – “ela foi conhecida pela maioria dos umbandistas e adeptos das outras religiões afro-brasileiras” no Estado. 

Dona Neide nasceu em Exu (PE), cidade que partilha o nome com um dos orixás da umbanda. Berço do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, a cidade não é distante do Cariri cearense, onde ela mais tarde se fixaria com a família.

Legenda: Dona Neide Alencar foi, em vida, uma referência para devotos das religiões afro-brasileiras no Estado

Em sua cidade natal, Dona Neide se iniciou no Xangô, um culto afro-brasileiro. Residiu em Juazeiro do Norte, outra terra com forte presença do sagrado no cotidiano, antes de se mudar para o Rio de Janeiro. Foi no Rio, onde não encontrou o Xangô, que dona Neide se iniciou na umbanda

O retorno ao Ceará se dá no começo dos anos 1970. Aqui, em Fortaleza, ela cria seus terreiros, em bairros da periferia da cidade. Passou pelo Pan-Americano, Vila Pery e chegou ao Bom Jardim.

“Foi nesse último que podemos avaliar a referência que gozava entre os umbandistas.O número de iniciados é grande”, escreve Ismael Pordeus Jr.

São feitas festas, tendo no centro entidades da umbanda. Seu Zé Pilintra, Seu Boiadeiro, Pomba Gira Dona Maria da Praia.

Índios

O livro traz registros fotográficos destes eventos, retratam Dona Neide Alencar, com as vestes que o culto pedia; seus iniciados; oferendas; e imagens representando as entidades da umbanda. Trata da umbanda cearense, que passa pelo terreiro de Dona Neide e, também com contribuição dela, por outros espaços.

Ismael Pordeus Jr. destaca o culto a eu Boiadeiro, da linha do caboclo no panteão umbandista.

“A umbanda cearense é caracterizada por esse culto muito acentuado dos caboclos que são considerados índios. Falar em índio é falar em caboclo e vice-versa”, escreve o autor.

O vice-versa é o ir e vir do sagrado, que nos terreiros de Dona Neide tinha a presença de elementos da cultura indígena e, como mostra o antropólogo, entre etnias cearenses, a umbanda se faz presente. Índios iniciados fazem como que uma volta, reencontram o sagrado que lhes é próprio depois deste ter viajado e se transmutado, dialogado e se reinventado na umbanda.

É isso que Ismael Pordeus Jr. trata por reetnização. A religião cearense, de que trata o pesquisador, é negra e indígena. É, também, dada aos nomadismos e viagens. Cria suas próprias feições cada vez que se assenta em um novo lugar. E, quando retorna de onde saiu, já não volta da mesma maneira.

Referência

“Os processos de reetnização da Umbanda no Ceará” é uma homenagem a uma figura destacada da vida religiosa do Estado. É importante porque sobre as crenças afro-brasileiras, de forma recorrente, tenta-se jogar um véu, para ocultá-las e deslocá-las às margens. Amplificar esta voz faz ainda mais sentido em tempos de intolerância.

A obra também é uma oportunidade de conhecer mais do trabalho de Ismael Pordeus Jr. O antropólogo é, de sua posição como pesquisador, outra referência dos credos que se originaram no imbricar de panteões, valores e símbolos de culturas de matriz africana, indígena e europeia.

Legenda: Imagens representando as entidades da Umbanda são alguns dos registros fotográficos que a obra traz

O olhar antropológico sobre as manifestações dos cultos afro-brasileiros remonta às primeiras pesquisas, ainda nos anos 1970. São desta década os registros de “Festa de Iemanjá”, sobre as festividades em torno da Rainha do Mar, marco da presença da umbanda na cidade, apropriando-se de seu espaço, distanciando-se dos tempos em que foi fé proibida e caso de Polícia.

O campo de pesquisa cearense sempre foi privilegiado, mas como parece apropriado à curiosidade acadêmica sobre crenças de raízes tão diversas, Ismael Pordeus Jr. lançou-se a outros territórios. Sua obra se constitui como um diálogo, o afro-brasileiro se expande, na viagem vertical à umbanda, ao candomblé e à jurema; e em outras paragens, quando investiga a santeria cubana e, ainda mais, nas viagens dos próprios credos.

Merecem destaques “Uma casa luso-afro-brasileira com certeza” (2000) e “Portugal em Transe” (2006), que tratam de nova reinvenção da tradição, agora no Velho Mundo.

Serviço
Lançamento do livro "Os processos de reetinização da Umbanda no Ceará - Tributo a Dona Neide Alencar", de Ismael Pordeus Jr.
Hoje (13), às 16h, no Centro Cultural Belchior (Rua dos Pacajus, 123, Praia de Iracema). Contato: (85) 3219-0924

Os processos de reetinização da Umbanda no Ceará - Tributo a Neide Alencar
Ismael Pordeus Jr.
Expressão Gráfica
2019, 82 páginas
R$ 30

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